A última e trêmula nota de algo vagamente semelhante a “O Vento que Balança o Salgueiro” felizmente acabou, e Mat baixou a flauta folheada a ouro e prata de Thom. Rand tirou as mãos que cobriam os ouvidos. Um marinheiro que enrolava um cabo no convés ali perto soltou um longo suspiro de alívio. Por um momento, os únicos sons foram a água batendo no casco, o rangido ritmado dos remos e, de vez em quando, o zumbido do cordame dedilhado pelo vento que soprava de proa no Espuma. As velas, inúteis, estavam recolhidas.
— Acho que deveria lhe agradecer — murmurou finalmente Thom Merrilin — por me mostrar como é verdadeiro aquele velho ditado: pode ensinar o quanto for, um porco jamais tocará flauta. — O marinheiro explodiu numa gargalhada, e Mat ergueu a flauta como se fosse jogá-la em cima dele. Com destreza, Thom tomou o instrumento de Mat e o colocou em seu estojo de couro. — Achei que vocês pastores passassem o tempo com o rebanho tocando flauta ou gaita. Isso me ensina a não acreditar no que não vi com meus próprios olhos.
— Rand é o pastor — resmungou Mat. — Ele toca flauta, não eu.
— Sim, bem, ele de fato tem uma certa aptidão. Talvez você seja melhor com os malabares, garoto. Pelo menos para isso você mostra algum talento.
— Thom — disse Rand —, não sei por que você está se esforçando tanto. — Olhou de relance para o marinheiro e abaixou a voz. — Afinal de contas, não estamos realmente querendo ser menestréis. Isso é só um disfarce até encontrarmos Moiraine e os outros.
Thom puxou uma ponta do bigode e pareceu estudar o macio couro marrom-escuro do estojo da flauta pousado em seu no colo.
— E se vocês não os encontrarem, garoto? Não há nada que diga que eles ainda estão vivos.
— Eles estão vivos — disse Rand com firmeza. Virou-se para Mat em busca de apoio, mas as sobrancelhas deste estavam franzidas até quase a ponta do nariz, a boca era uma linha fina, e seus olhos estavam fixos no convés. — Ande, fale — disse-lhe Rand. — Você não pode estar tão zangado assim por não ser capaz de tocar flauta. Eu também não consigo, não muito bem. Você nunca quis tocar flauta antes.
Mat levantou a cabeça, a testa ainda franzida.
— E se eles estiverem mortos? — perguntou, baixinho. — Temos de aceitar os fatos, certo?
Naquele instante, o vigia no cesto da gávea gritou:
— Ponte Branca! Ponte Branca à vista!
Por um longo momento, sem querer acreditar que Mat pudesse dizer algo assim de modo tão casual, Rand olhou nos olhos do amigo em meio à confusão de marujos se preparando para atracar. Mat lhe devolveu o olhar furioso, a cabeça enfiada entre os ombros. Havia tanta coisa que Rand queria dizer… mas não conseguia colocar tudo em palavras. Eles precisavam acreditar que os outros estavam vivos. Precisavam. Por quê?, espicaçava uma voz em sua cabeça. Para que tudo aconteça como em uma das histórias de Thom? Os heróis encontram o tesouro, derrotam o vilão e vivem felizes para sempre? Algumas das histórias dele não terminam assim. Às vezes até os heróis morrem. Você é um herói, Rand al’Thor? Você é um herói, pastor?
Subitamente Mat enrubesceu e desviou o olhar. Livre de seus pensamentos, Rand ergueu-se de um salto e pôs-se a atravessar a confusão até a amurada. Mat o seguiu devagar, sem sequer se esforçar para se desviar dos marinheiros que cruzavam seu caminho.
Os homens corriam pelo barco, os pés descalços ressoando no convés, puxando cordas, amarrando alguns cabos e desamarrando outros. Alguns traziam bolsas grandes de lona tão cheias de lã que pareciam prestes a arrebentar, enquanto outros aprontavam cabos da grossura do punho de Rand. Apesar da pressa, eles se moviam com a segurança de quem havia feito aquilo mil vezes antes, mas o Capitão Domon andava de um lado para o outro no convés gritando ordens e xingando aqueles que não se moviam rápido o bastante para ele.
A atenção de Rand estava toda voltada para o que havia à frente, surgindo à vista quando fizeram uma suave curva do Arinelle. Ele havia ouvido falar nela, em canções, histórias e casos de mercadores itinerantes, mas agora ele veria de fato a lenda.
A Ponte Branca descrevia um arco elevado sobre as águas amplas, duas vezes mais alta que o mastro do Espuma ou mais, e de uma ponta a outra reluzia, branca e leitosa, à luz do sol, captando a luz até que ela mesma parecesse brilhar. Pilares finos como teias de aranha, feitos do mesmo material, mergulhavam na corrente forte, parecendo frágeis demais para suportar o peso e a largura da ponte. Ela parecia feita toda de uma só peça, como se tivesse sido esculpida a partir de uma única pedra ou moldada pela mão de um gigante, larga e alta, saltando o rio com uma graça etérea que quase fazia o olho esquecer seu tamanho. No fim das contas, ela se agigantava ante a cidade que se espalhava a seus pés na margem leste, embora Ponte Branca fosse de longe maior que Campo de Emond, com casas de pedra e tijolos da altura das de Barca do Taren e cais de madeira como dedos finos esticando-se rio adentro. Pequenos barcos salpicavam em profusão o Arinelle, com pescadores puxando suas redes. E acima de todos a Ponte Branca se elevava e reluzia.
— Parece vidro — disse Rand a ninguém em particular.
O Capitão Domon fez uma pausa atrás dele e enfiou os polegares atrás do cinturão largo.
— Não, rapaz. Seja lá o que for, vidro não é, não. Pode cair a chuva mais forte que nela nem se escorrega, não, e o melhor cinzel e o braço mais forte nem fazem marca nela.
— Um resquício da Era das Lendas — observou Thom. — Sempre achei que é isso que deve ser.
O capitão deixou escapar um grunhido melancólico.
— Talvez. Mas continua útil mesmo assim. Pode ser que outros tenham construído. Nem tem de ser obra de Aes Sedai, a Fortuna me carregue. Nem tem de ser tão velha assim desse jeito. Força nisso, seu idiota! — Ele saiu apressado pelo convés.
Rand ficou olhando ainda mais admirado. Da Era das Lendas. Feita por Aes Sedai então. Era por isso que o Capitão Domon se sentia daquele jeito, apesar de toda a sua conversa sobre a maravilha e a estranheza do mundo. Obra de Aes Sedai. Uma coisa era ouvir falar, outra era ver, e tocar. Você sabe disso, não sabe? Por um instante pareceu a Rand que uma sombra atravessou, ondulante, a estrutura branca como leite. Ele desviou os olhos, na direção das docas que se aproximavam, mas a ponte ainda assomava no canto de sua visão.
— Conseguimos, Thom — disse, e então forçou uma risada. — E sem motim.
O menestrel apenas pigarreou e soprou os bigodes, mas dois marujos preparando um cabo ali perto dirigiram um olhar duro a Rand, e depois rapidamente curvaram-se e voltaram ao trabalho. Ele parou de rir e tentou não olhar para os dois pelo resto da aproximação até Ponte Branca.
O Espuma fez uma curva suave e parou ao lado do primeiro cais, tábuas grossas apoiadas em pilares pesados revestidos de alcatrão, com a ajuda de remos que agitavam a água, fazendo espuma ao redor das pás. Quando os remos estavam sendo recolhidos, os marujos jogaram cabos para homens no cais, que os amarraram com movimentos largos, enquanto outros tripulantes jogavam os sacos de lã sobre a amurada para proteger o casco das estacas do cais.
Antes mesmo que o barco sequer terminasse de atracar, carruagens apareceram no fim do cais, altas e laqueadas, de um preto brilhante, cada uma delas com um nome pintado na porta com letras grandes, douradas ou escarlates. Os passageiros dentro das carruagens subiram apressados pela prancha de embarque assim que ela foi colocada no lugar, homens de rostos lisos, vestidos com casacos compridos de veludo e mantos forrados de seda e sandálias de pano, cada qual seguido por um serviçal vestido com simplicidade carregando um cofre de ferro com seu dinheiro.
Eles se aproximaram do Capitão Domon com sorrisos artificiais que desapareceram quando ele subitamente rugiu na cara deles.
— Você! — Ele apontou um dedo grosso para além deles, fazendo Floran Gelb parar onde estava no meio do navio. O hematoma na testa de Gelb, causado pela bota de Rand, havia desaparecido, mas ele ainda passava os dedos no local de tempos em tempos como se para lembrar a si mesmo. — Você dormiu na vigia no meu barco pela última vez! No meu ou em qualquer outro barco, no que depender de mim. Escolha o lado que quiser, o cais ou o rio, mas fora do meu barco agora!
Gelb encolheu os ombros, e seus olhos reluziram de ódio, voltando-se para Rand e seus amigos, mas especialmente Rand, com um olhar venenoso. O homem magro correu os olhos pelo convés em busca de apoio, mas não havia muita esperança naquele olhar. Um a um, cada homem da tripulação parou o que estava fazendo e o encarou com frieza. Gelb murchou visivelmente, mas então seu olhar de ódio retornou duas vezes mais forte. Com uma imprecação murmurada, ele disparou para os alojamentos da tripulação, abaixo do convés. Domon mandou dois homens atrás dele para garantir que ele não fizesse nada de errado e o dispensou com um grunhido. Quando o capitão se voltou novamente para eles, os mercadores retomaram seus sorrisos e mesuras, como se nunca tivessem sido interrompidos.
A uma palavra de Thom, Mat e Rand começaram a recolher suas coisas. Nenhum deles possuía muito além das roupas do corpo. Rand tinha seu cobertor enrolado, os alforjes e a espada de seu pai. Ele segurou a arma por um instante, e a saudade de casa o arrastou com tanta força que seus olhos arderam. Perguntou-se se um dia tornaria a ver Tam. Ou sua casa. Casa. Vai passar o resto da vida correndo, correndo e com medo dos próprios sonhos. Com um suspiro trêmulo, ele passou o cinto em torno do corpo sobre o casaco.
Gelb voltou ao convés, acompanhado por suas sombras gêmeas. Ele olhava diretamente para a frente, mas Rand ainda podia sentir o ódio se irradiando dele em ondas. Empertigado e com o rosto sombrio, Gelb desceu a prancha sério, as pernas rígidas, e abriu caminho à força pela pequena multidão que estava no cais. Num minuto ele sumiu de vista, desaparecendo além das carruagens dos mercadores.
Não havia muita gente no cais, e os que estavam lá eram uma mistura, em roupas simples, de trabalhadores, pescadores consertando redes e algumas pessoas da cidade que haviam aparecido para ver o primeiro navio do ano descendo o rio, vindo de Saldaea. Nenhuma das garotas era Egwene e ninguém se parecia nem um pouco com Moiraine, nem Lan, nem qualquer pessoa que Rand estivesse esperando ver.
— Talvez eles não tenham descido para o cais — disse.
— Talvez — respondeu Thom secamente. Ele colocou os estojos dos instrumentos nas costas com cuidado. — Vocês dois, fiquem de olho em Gelb. Se puder, ele vai criar problemas. Queremos passar por Ponte Branca tão discretamente que ninguém se lembre de que estivemos aqui cinco minutos depois que partirmos.
Seus mantos drapejavam ao vento enquanto eles caminhavam até a prancha de desembarque. Mat carregava o arco cruzado na frente do peito. Mesmo depois de todos os dias no barco, ele ainda atraía alguns olhares dos tripulantes, cujos arcos eram bem menores.
O Capitão Domon deixou os mercadores para interceptar Thom na prancha.
— Vai mesmo me deixar agora, menestrel, vai? Nem posso convencê-lo a prosseguir? Vou descer até Illian, onde as pessoas dão o devido respeito aos menestréis. Nem há lugar melhor no mundo para a sua arte. Eu o deixaria lá a tempo para o Festival de Sefan, é. As competições, você sabe. Cem marcos de ouro para a melhor contação da Grande Caçada à Trombeta.
— Um grande prêmio, Capitão — replicou Thom com uma mesura elaborada e um floreio do manto que fez os retalhos se agitarem —, e grandes competições, que atraem muito justamente menestréis de todo o mundo. No entanto — acrescentou com secura —, receio que não possamos pagar a passagem ao preço que o senhor cobra.
— Sim, ora, quanto a isso… — O capitão retirou uma bolsa de couro do bolso do casaco e a jogou para Thom. Ela tilintou quando Thom a agarrou. — Suas passagens de volta, e ainda um pouco mais. O estrago nem foi tão ruim quanto eu pensava, e você trabalhou para pagar a passagem e mais com suas histórias e sua harpa. Eu poderia talvez oferecer a mesma quantia se vocês permanecessem a bordo até o Mar das Tempestades. E eu os deixaria em Illian. Um bom menestrel pode fazer fortuna por lá, mesmo sem considerar as competições.
Thom hesitou, sopesando a bolsa na palma da mão, mas Rand pronunciou-se.
— Vamos encontrar alguns amigos aqui, Capitão, e depois seguiremos para Caemlyn. Teremos de ver Illian em outra oportunidade.
A boca de Thom se retorceu, desgostosa. Então ele soprou os longos bigodes e enfiou a bolsa no bolso.
— Talvez, se as pessoas que queremos encontrar não estiverem aqui, Capitão.
— Certo — disse Domon num tom azedo. — Pense nisso. É uma pena que eu nem possa manter Gelb a bordo para que os outros descarreguem a raiva nele, mas eu sempre faço o que digo que vou fazer. Suponho que terei de ir mais devagar agora, ainda que isso signifique levar três vezes o tempo que deveria para chegar até Illian. Bem, talvez aqueles Trollocs estivessem mesmo atrás de vocês três.
Rand piscou, mas ficou em silêncio. Mat, porém, não teve tanta cautela.
— Por que o senhor acha que eles não estavam? — perguntou ele. — Eles estavam atrás do mesmo tesouro que nós.
— Pode ser — grunhiu o capitão, não parecendo convencido. Passou os dedos grossos pela barba, então apontou para o bolso onde Thom havia guardado a bolsa. — Duas vezes isso se vocês voltarem para fazerem os homens esquecerem do quão duro eu os faço trabalhar. Pense nisso, sim. Iço a vela ao amanhecer. — Ele deu meia-volta e dirigiu-se aos mercadores, abrindo bem os braços enquanto se desculpava por mantê-los esperando.
Thom ainda hesitou, mas Rand o forçou a descer a prancha sem lhe dar chance de discutir, e o menestrel se permitiu ser conduzido. Um murmúrio correu entre as pessoas no cais quando elas viram o manto de retalhos de Thom, e algumas perguntaram onde ele iria se apresentar. Isso é que é não sermos notados… pensou Rand, desanimado. Ao pôr do sol todos em Ponte Branca saberiam que havia um menestrel na cidade. Mesmo assim, ele apressou Thom, e o menestrel, envolto num silêncio mal-humorado, nem sequer tentou desacelerar o suficiente para desfrutar a atenção recebida.
Os cocheiros olharam de seus poleiros para Thom com interesse, mas aparentemente a dignidade de suas posições os proibia de gritar. Sem fazer ideia de para onde ir exatamente, Rand voltou-se para a rua que corria ao longo do rio e passava por baixo da ponte.
— Precisamos achar Moiraine e os outros — disse. — E rápido. Devíamos ter pensado em trocar o manto de Thom.
Thom subitamente se sacudiu e parou onde estava.
— Um estalajadeiro será capaz de nos dizer se eles estão aqui, ou se passaram por aqui. O estalajadeiro certo. Estalajadeiros sabem de todas as notícias e fofocas. Se eles não estiverem aqui… — Ele olhou de Rand para Mat, voltando a Rand. — Precisamos conversar, nós três. — Com o manto girando ao redor dos tornozelos, ele partiu para a cidade, afastando-se do rio. Rand e Mat tiveram de apertar o passo para segui-lo.
O arco largo e branco leitoso que dava o nome à cidade dominava Ponte Branca tanto de perto quanto de longe, mas quando Rand se viu nas ruas percebeu que a cidade era tão grande quanto Baerlon, embora não tão apinhada de gente. Algumas carroças andavam nas ruas, puxadas por cavalos, bois, burros ou homens, mas não se viam carruagens. Estas provavelmente pertenciam aos mercadores e estavam aglomeradas no cais.
Lojas de todos os tipos ladeavam as ruas, e muitos dos comerciantes trabalhavam diante de seus estabelecimentos, sob as placas que balançavam ao vento. Passaram por um homem consertando panelas, e um alfaiate segurando cortes de tecido contra a luz para um cliente ver. Um sapateiro, sentado à sua porta, martelava o salto de uma bota. Ambulantes anunciavam aos gritos seus serviços para amolar facas e tesouras, ou tentavam interessar os passantes com suas simplórias bandejas de frutas ou legumes, mas nenhum estava despertando muito interesse. Lojas que vendiam comida tinham os mesmos produtos, de dar pena, de que Rand se lembrava de Baerlon. Até mesmo os peixeiros exibiam apenas pequenas pilhas de peixinhos, apesar de todos os barcos no rio. Os tempos ainda não estavam de fato difíceis, mas todos podiam ver o que estava por vir se o tempo não mudasse logo, e aqueles rostos que não tinham as testas permanentemente franzidas de preocupação pareciam fitar alguma coisa invisível, alguma coisa desagradável.
No centro da cidade, a Ponte Branca descia em uma praça ampla, pavimentada com pedras desgastadas por gerações de pés e rodas de carroções. Estalagens cercavam a praça, lojas e casas altas de tijolos vermelhos com placas do lado de fora com os mesmos nomes que Rand havia visto nas carruagens no cais. Foi em uma das estalagens, aparentemente escolhida aleatoriamente, que Thom entrou. A placa sobre a porta, balançando ao vento, tinha um homem caminhando com uma sacola às costas de um lado e o mesmo homem com a cabeça no travesseiro do outro, e anunciava O Descanso dos Caminhantes.
O salão estava vazio, exceto pelo estalajadeiro gordo tirando cerveja de um barril e dois homens com roupas rústicas de trabalhador olhando desanimados para suas canecas em uma mesa nos fundos. Somente o estalajadeiro ergueu a cabeça quando eles entraram. Uma parede da altura do ombro dividia o aposento em dois da frente até os fundos, com mesas e uma lareira acesa de cada lado. Rand se perguntou, absorto, se todos os estalajadeiros eram gordos e calvos.
Esfregando as mãos vigorosamente, Thom comentou com o estalajadeiro sobre o frio tardio e pediu vinho quente com especiarias, e então acrescentou, baixinho:
— Há algum lugar onde eu e meus amigos possamos conversar sem sermos perturbados?
O estalajadeiro acenou com a cabeça para a parede baixa.
— O lado de lá é o melhor que tenho, a menos que vocês queiram alugar um quarto. Isso é para quando os marinheiros chegam do rio. Parece que metade das tripulações tem problemas com a outra metade. Não admito que minha estalagem seja quebrada por brigas, então mantenho os grupos separados. — O tempo inteiro ele olhava o manto de Thom, e nesse momento ele inclinou a cabeça de lado, um olhar malicioso. — Vocês vão ficar? Não tenho um menestrel aqui já faz um tempo. As pessoas pagariam muito bem por alguma coisa que afastasse sua mente das preocupações. Eu poderia até dar um desconto no valor do quarto e das refeições.
Sem sermos notados, pensou Rand, mal-humorado.
— Você é muito generoso — disse Thom, fazendo uma mesura. — Talvez eu aceite sua oferta. Mas, por ora, um pouco de privacidade.
— Vou lhes trazer o vinho. Um menestrel pode fazer um bom dinheiro aqui.
As mesas do outro lado da parede estavam todas vazias, mas Thom escolheu uma bem no meio do espaço.
— Assim ninguém pode nos ouvir sem que saibamos — explicou. — Vocês ouviram o sujeito? Ele vai nos dar um desconto. Ora, eu dobraria a clientela dele só por estar sentado aqui. Qualquer estalajadeiro honesto dá a um menestrel quarto e comida, além de um bom dinheiro.
A mesa sem toalha não estava nem um pouco limpa, e o chão não era varrido fazia dias, senão semanas. Rand olhou ao redor e fez uma careta. Mestre al’Vere não teria deixado sua estalagem ficar tão suja nem que tivesse de sair doente da cama para cuidar disso pessoalmente.
— Estamos aqui apenas em busca de informação. Lembra-se?
— Por que aqui? — Mat quis saber. — Passamos por outras estalagens que pareciam mais limpas.
— Saindo direto da ponte — disse Thom — fica a estrada para Caemlyn. Qualquer um que passe por Ponte Branca atravessa esta praça, a menos que siga pelo rio, e nós sabemos que seus amigos não vão fazer isso. Se não tivermos notícias deles aqui, elas não existem. Deixem que eu falo. Isto tem de ser feito com cuidado.
Nesse momento o estalajadeiro apareceu, segurando pela alça três canecas de estanho maltratadas numa das mãos. O homem gordo passou rapidamente uma toalha na mesa, pousou as canecas e pegou o dinheiro de Thom.
— Se você ficar, não vai precisar pagar suas bebidas. Bom vinho, aqui.
O sorriso de Thom mostrou-se apenas na boca.
— Vou pensar nisso, estalajadeiro. O que há de novo? Há muito tempo não ficamos sabendo de nada.
— Grandes notícias, isso é o que há. Grandes notícias.
O estalajadeiro pendurou a toalha no ombro e puxou uma cadeira. Ele cruzou os braços em cima da mesa, soltou um longo suspiro e acomodou-se, dizendo que bom era poder se sentar um pouco. Seu nome era Bartim, e ele continuou a falar com riqueza de detalhes dos seus pés, de calos e joanetes, e de quanto tempo ele passava de pé e no que ele os mergulhava, até Thom mencionar as novidades mais uma vez, e então ele mudou de assunto sem mal fazer pausa.
As notícias eram mesmo grandes, como ele dissera. Logain, o falso Dragão, havia sido capturado após uma grande batalha perto de Lugard enquanto tentava movimentar seu exército de Ghealdan para Tear. As Profecias, eles entendiam? Thom assentiu com a cabeça, e Bartim prosseguiu. As estradas ao sul estavam lotadas de gente, os mais sortudos levando nas costas o que podiam carregar. Milhares fugindo em todas as direções.
— Ninguém — Bartim riu com ironia — apoiou Logain, é claro. Ah, não, vocês não vão encontrar muitos que admitam isso, não agora. Apenas refugiados tentando encontrar um lugar seguro durante os tumultos.
As Aes Sedai haviam participado da captura de Logain, é claro. Bartim cuspiu no chão quando disse isso, e outra vez quando falou que estavam levando o falso Dragão para o norte, para Tar Valon. Bartim era um homem decente, ele disse, um homem respeitável, e, em sua opinião, as Aes Sedai podiam ir todas de volta para a Praga, de onde vinham, e levar Tar Valon com elas. Não chegaria nem a mil milhas de distância de uma Aes Sedai se pudesse evitar. É claro, elas estavam parando em cada aldeia e cidade no caminho para o norte a fim de exibir Logain, era o que ele tinha ouvido. Para mostrar às pessoas que o falso Dragão havia sido capturado e que o mundo estava a salvo novamente. Ele teria gostado de ver isso, ainda que significasse chegar perto de Aes Sedai. Até estava meio tentado a ir até Caemlyn.
— Elas vão levá-lo até lá para mostrar à Rainha Morgase. — O estalajadeiro tocou a testa em sinal de respeito. — Eu nunca vi a Rainha. Um homem deveria ver sua própria Rainha, não acham?
Logain podia fazer “coisas”, e a maneira como Bartim olhava de um lado para o outro e sua língua corria pelos lábios deixava claro o que ele queria dizer. Ele havia visto o último falso Dragão, dois anos antes, quando ele fora exibido em desfile pelo campo, mas aquele era apenas um sujeito que achava que podia fazer de si mesmo um rei. Daquela vez não houvera necessidade de Aes Sedai. Soldados o haviam acorrentado a um carroção. Um sujeito carrancudo e arrasado que gemia no meio do carroção, cobrindo a cabeça com os braços sempre que as pessoas lhe atiravam pedras ou o espetavam com pedaços de pau. Acontecera muitas vezes, e os soldados nada haviam feito para impedir, contanto que não matassem o sujeito. Melhor deixar o povo ver que ele não era nada de especial, afinal de contas. Ele não podia fazer “coisas”. Mas aquele Logain seria algo de se ver. Algo para Bartim contar aos seus netos. Se ao menos a estalagem lhe desse uma folga…
Rand escutava com um interesse que não precisava ser fingido. Quando Padan Fain levara em Campo de Emond as notícias de um falso Dragão, um homem que de fato usava o Poder, aquela havia sido a maior notícia a chegar aos Dois Rios em anos. O que acontecera desde então a havia jogado para o fundo de sua mente, mas aquele ainda era o tipo de coisa sobre a qual as pessoas continuariam falando por anos, e contando aos netos também. Bartim provavelmente contaria aos seus que havia visto Logain, tivesse isso acontecido ou não. Ninguém jamais pensaria que o que acontecesse a alguns aldeões dos Dois Rios valesse a pena contar, a menos que a própria pessoa fosse dos Dois Rios.
— Esse — disse Thom — seria um bom tema para uma história, uma história que eles contariam por mil anos. Eu gostaria de ter estado lá. — Ele soava como se fosse a mais pura verdade, e Rand achou que realmente era. — Talvez tentasse vê-lo de qualquer maneira. Você não disse que rota eles estavam pegando. Talvez haja outros viajantes por aqui. Eles podem ter ouvido falar.
Bartim fez um gesto de desprezo com uma das mãos, ensebada.
— Para o norte, é tudo o que se sabe por aqui. Você quer vê-lo, vá para Caemlyn. Isso é tudo o que sei. E, se existe algo para saber em Ponte Branca, eu sei.
— Sem dúvida que sim — disse Thom com jeito. — Suponho que muitos estranhos de passagem parem aqui. Sua placa chamou minha atenção lá do pé da Ponte Branca.
— Não só do oeste, isso eu lhe direi. Dois dias atrás, apareceu um camarada aqui, um homem de Illian, com uma proclamação toda enfeitada de selos e fitas. Leu-a bem ali no centro da praça. Disse que vai levá-la até as Montanhas da Névoa, talvez até o Oceano de Aryth, se as passagens estiverem abertas. Disse que eles enviaram homens para lê-la em todas as terras do mundo. — O estalajadeiro sacudiu a cabeça. — As Montanhas da Névoa. Ouvi dizer que ficam cobertas por névoa o ano inteiro, e existem coisas na névoa que arrancam a carne dos seus ossos antes que você consiga fugir. — Mat deu uma risadinha zombeteira, o que lhe valeu um olhar duro de Bartim.
Thom inclinou-se para a frente, interessado.
— O que dizia a proclamação?
— Ora, a Caçada à Trombeta, é claro — exclamou Bartim. — Eu não disse isso? A gente de Illian está convocando todos aqueles dispostos a jurar suas vidas à caçada a se reunir em Illian. Pode imaginar isso? Oferecer sua vida a uma lenda? Suponho que eles vão encontrar alguns tolos. Há sempre tolos por aí. O camarada afirmou que o fim do mundo está chegando. A última batalha com o Tenebroso. — Ele riu, mas o riso tinha um som oco, um homem rindo para se convencer de que valia mesmo a pena rir de alguma coisa. — Acho que eles pensam que a Trombeta de Valere tem de ser encontrada antes que isso aconteça. Agora, o que vocês acham disso? — Ele ficou mastigando o nó de um dedo, pensativo, por um minuto. — É claro, eu não sei como poderia argumentar com eles depois deste inverno. O inverno, e esse tal de Logain, e aqueles dois outros antes também. Por que todos esses sujeitos nos últimos anos resolveram afirmar que são o Dragão? E o inverno. Deve significar alguma coisa. O que você acha?
Thom não pareceu ouvi-lo. Com uma voz suave, o menestrel começou a recitar para si mesmo.
“Na última, de todas a mais triste batalha
contra o cair da longa noite, a mortalha,
as montanhas, em guarda,
e os mortos, soldados,
pois a tumba não impede o meu chamado.”
— É isso. — Bartim sorriu como se já pudesse ver as multidões lhe entregando o dinheiro enquanto ouviam Thom. — É isso mesmo. A Grande Caçada à Trombeta. Conte essa que vão lotar isto aqui até ficarem pendurados no teto. Todo mundo ouviu falar da proclamação.
Thom ainda parecia estar a mil milhas dali, então Rand falou.
— Estamos procurando alguns amigos que viriam nesta direção. Vindos do oeste. Houve muitos estranhos passando por aqui nas duas últimas semanas?
— Alguns — disse Bartim devagar. — Sempre aparece alguém, tanto do leste quanto do oeste. — Ele olhou para cada um deles, subitamente desconfiado. — Como são esses seus amigos?
Rand abriu a boca, mas Thom, subitamente de volta de onde quer que tivesse estado, lançou-lhe um olhar duro que o silenciou. Com um suspiro exasperado, o menestrel virou-se para o estalajadeiro.
— Dois homens e três mulheres — disse, com relutância. — Podem estar juntos, ou não. — Deu descrições genéricas, pincelando cada um com apenas algumas palavras, o suficiente para que qualquer um que os tivesse visto os reconhecesse sem entregar nada sobre quem eles eram.
Bartim esfregou uma mão na cabeça, despenteando os cabelos ralos, e levantou-se devagar.
— Esqueça a ideia de se apresentar aqui, menestrel. Na verdade, eu agradeceria se vocês bebessem seu vinho e fossem embora. Saiam de Ponte Branca, se são espertos.
— Mais alguém andou perguntando por eles? — Thom tomou um gole, como se a resposta fosse a coisa menos importante do mundo, e ergueu uma sobrancelha para o estalajadeiro. — Quem seria?
Bartim esfregou os cabelos novamente e moveu os pés, prestes a sair dali, e então assentiu para si mesmo.
— Há cerca de uma semana, pelo que me lembro, um sujeito com cara de fuinha cruzou a ponte. Louco, todo mundo pensou. Sempre falando consigo mesmo, não parava de se mexer nem quando estava parado. Perguntou sobre as mesmas pessoas… algumas delas. Perguntava como se fosse coisa importante, então agia como se não ligasse para a resposta. Metade do tempo falava como se tivesse de esperar por eles aqui, e na outra metade tinha de ir embora, estava com pressa. Num minuto estava reclamando e implorando, no minuto seguinte fazia exigências como um rei. Quase levou uma surra umas duas vezes, louco ou não. A Guarda quase o levou sob custódia para sua própria segurança. Ele partiu para Caemlyn naquele mesmo dia, falando consigo mesmo e chorando. Louco, como eu disse.
Rand olhou para Thom e Mat inquisitivamente, e ambos balançaram a cabeça. Se esse sujeito com cara de fuinha estava procurando por eles, não era ninguém que reconhecessem.
— Tem certeza de que eram as mesmas pessoas que ele procurava? — perguntou Rand.
— Algumas delas. O lutador, e a mulher de vestido de seda. Mas não era com eles que ele estava preocupado. Era com três rapazes do campo. — Seus olhos deslizaram por Rand e Mat e se afastaram novamente tão rápido que Rand não teve certeza se realmente tinha visto o olhar ou o imaginado. — Ele estava desesperado para encontrá-los. Mas louco, como eu disse.
Rand estremeceu e se perguntou quem poderia ser o louco, e por que estava procurando por eles. Um Amigo das Trevas? Ba’alzamon usaria um louco?
— Ele era louco, mas o outro… — Os olhos de Bartim se deslocaram, inquietos, e ele passou a língua pelos lábios, como se não conseguisse encontrar saliva suficiente para umedecê-los. — No dia seguinte… no dia seguinte o outro veio pela primeira vez. — Ficou em silêncio.
— O outro? — perguntou Thom finalmente.
Bartim olhou em volta, embora o lado deles do salão dividido estivesse vazio, exceto por eles. Ele chegou até a se levantar na ponta dos pés e olhar sobre a parede. Quando finalmente falou, foi num sussurro apressado.
— Ele anda todo de preto. Mantém o capuz do manto puxado para que você não possa ver o rosto dele, mas você pode sentir o olhar dele em você, como uma ponta de gelo enfiada na sua espinha. Ele… ele falou comigo. — O homem estremeceu e parou para morder o lábio antes de continuar. — Sua voz parecia uma serpente se arrastando entre folhas mortas. Meu estômago gelou. Toda vez que ele volta, faz as mesmas perguntas. As mesmas perguntas que o louco fazia. Ninguém nunca o vê chegando… de repente ele está ali, seja dia ou seja noite, paralisando você onde você estiver. As pessoas estão começando a olhar sobre o ombro. O pior é que os vigias dos portões afirmam que ele nunca passou por nenhum portão, entrando ou saindo.
Rand lutou para manter a expressão neutra; apertou o maxilar até os dentes doerem. Mat fez uma careta, e Thom ficou examinando seu vinho. A palavra que nenhum deles queria dizer pairava no ar entre eles. Myrddraal.
— Acho que lembraria se algum dia tivesse encontrado alguém assim — disse Thom após um minuto.
Bartim sacudiu a cabeça furiosamente.
— Que me queimem, mas você lembraria sim. Verdade da Luz, você lembraria. Ele… ele quer o mesmo grupo que o louco, só que diz que tem uma garota com eles. E… — ele olhou de esguelha para Thom — um menestrel de cabelos brancos.
As sobrancelhas de Thom se levantaram no que Rand tinha certeza de que deveria ser uma surpresa legítima.
— Um menestrel de cabelos brancos? Bem, não creio que eu seja o único menestrel do mundo com uma certa idade. Asseguro-lhe que não conheço esse sujeito, e ele não pode ter motivo para estar procurando por mim.
— Pode ser — disse Bartim, sombrio. — Ele não disse isso com tantas palavras, mas tive a impressão de que ele ficaria muito descontente com qualquer um que tentasse ajudar essas pessoas, ou tentasse escondê-las dele. De qualquer maneira, vou lhes dizer o que disse a ele. Eu não vi nenhum deles, nem ouvi falar deles, e esta é a verdade. Nenhum deles — concluiu, decidido. Colocou bruscamente o dinheiro de Thom em cima da mesa. — Terminem logo seu vinho e vão embora. Está certo? Está certo? — E afastou-se dali o mais rápido que pôde, olhando sobre o ombro.
— Um Desvanecido — sussurrou Mat quando o estalajadeiro se afastou. — Eu devia saber que eles estariam procurando a gente aqui.
— E ele vai voltar — disse Thom, inclinando-se sobre a mesa e abaixando a voz. — Eu digo que devemos voltar de fininho para o barco e aceitar a oferta do Capitão Domon. A caçada estará concentrada na estrada para Caemlyn, enquanto nós estaremos a caminho de Illian, a mil milhas de onde o Myrddraal nos espera.
— Não — disse Rand com firmeza. — Vamos esperar Moiraine e os outros em Ponte Branca, ou seguir para Caemlyn. Uma coisa ou outra, Thom. Foi o que decidimos.
— Isso é loucura, garoto. As coisas mudaram. Escute bem o que digo. Não importa o que esse estalajadeiro diga, quando um Myrddraal o encarar, ele vai dizer tudo sobre nós, do que bebemos até a quantidade de pó nas nossas botas. — Rand estremeceu, lembrando-se da expressão sem olhos do Desvanecido. — Quanto a Caemlyn… Você pensa que os Meios-homens não sabem que você quer chegar a Tar Valon? Esse é um bom momento para estar num barco que vai para o sul.
— Não, Thom. — Rand precisou forçar as palavras a saírem, pensando em estar a mil milhas de onde os Desvanecidos estavam procurando, mas respirou fundo e conseguiu firmar a voz. — Não.
— Pense, garoto. Illian! Não existe cidade mais grandiosa na face da terra. E a Grande Caçada à Trombeta! Não acontece uma Caçada à Trombeta há quase quatrocentos anos. Todo um novo ciclo de histórias esperando para ser criado. Pense só nisso. Você nunca sonhou com nada parecido. Quando o Myrddraal descobrir para onde você foi, você estará velho e grisalho e tão cansado de tomar conta de seus netos que nem vai ligar se eles encontrarem você.
O rosto de Rand assumiu uma expressão de teimosia.
— Quantas vezes tenho de dizer não? Eles vão nos encontrar aonde quer que formos. Haverá Desvanecidos aguardando em Illian também. E como escaparemos dos sonhos? Eu quero saber o que está acontecendo comigo, Thom, e por quê. Eu vou para Tar Valon. Com Moiraine, se puder; sem ela, se for preciso. Sozinho, se tiver de ser assim. Eu preciso saber.
— Mas Illian, garoto! É um caminho seguro, rio abaixo, enquanto eles o procuram em outra direção. Sangue e cinzas! Um sonho não pode ferir você.
Rand ficou em silêncio. Um sonho não pode ferir? Espinhos de sonhos tiram sangue de verdade? Ele quase desejou ter contado a Thom sobre esse sonho também. Você ousa contar a alguém? Ba’alzamon está em seus sonhos, mas o que existe entre o sonho e o despertar? A quem você ousa contar que o Tenebroso o está tocando?
Thom pareceu compreender. A expressão do menestrel se suavizou.
— Até mesmo esses sonhos, rapaz. Eles ainda são apenas sonhos, não são? Pelo amor da Luz, Mat, fale com ele. Eu sei que pelo menos você não quer ir para Tar Valon.
O rosto de Mat ficou vermelho, em parte por vergonha e em parte por raiva. Ele evitou olhar para Rand e fez cara feia para Thom.
— Por que está se dando a todo esse trabalho? Quer voltar para o barco? Volte para o barco. Nós cuidamos de nós mesmos.
Os ombros magros do menestrel sacudiram-se com a risada silenciosa, mas sua voz demonstrava uma raiva contida.
— Você acha que sabe o bastante sobre os Myrddraal para escapar por conta própria, é? Está pronto para entrar em Tar Valon sozinho e se entregar ao Trono de Amyrlin? Consegue ao menos distinguir uma Ajah de outra? Que a Luz me queime, garoto! Se você acha que pode sequer chegar a Tar Valon sozinho, me diga para ir embora.
— Vá — grunhiu Mat, deslizando uma das mãos para dentro do manto. Rand percebeu com um choque que ele estava agarrando a adaga de Shadar Logoth, talvez até pronto para usá-la.
Risadas roucas irromperam do outro lado da parede que dividia o aposento, e uma voz cheia de escárnio soou bem alto.
— Trollocs? Vista um manto de menestrel, homem! Você está bêbado! Trollocs! Fábulas das Terras da Fronteira!
As palavras encharcaram a raiva como um balde de água fria. Até mesmo Mat virou-se parcialmente para a parede, os olhos arregalados.
Rand se levantou apenas o bastante para ver por cima da parede, e então se abaixou novamente com um frio na barriga. Floran Gelb encontrava-se sentado do outro lado, à mesa dos fundos, com os dois homens que estavam lá quando eles entraram. Os dois riam dele, mas também o ouviam. Bartim limpava uma mesa que precisava muito disso, sem olhar para Gelb e os dois homens, mas ele também escutava, esfregando um ponto sem parar com sua toalha e inclinando-se na direção deles até parecer quase prestes a cair.
— Gelb — sussurrou Rand ao tornar a cair em sua cadeira, e os outros ficaram tensos. Thom rapidamente estudou seu lado do salão.
Do outro lado da meia-parede, a voz do segundo homem soou como um carrilhão.
— Não, não, antigamente existiam Trollocs. Mas foram todos mortos nas Guerras dos Trollocs.
— Fábulas das Terras da Fronteira! — repetiu o primeiro homem.
— É verdade, eu estou lhes dizendo — protestou Gelb quase gritando. — Eu estive nas Terras da Fronteira. Eu vi Trollocs, e eram Trollocs tão certo quanto estou sentado aqui. Aqueles três afirmaram que os Trollocs estavam seguindo eles, mas eu sei a verdade. Foi por isso que não quis ficar no Espuma. Eu tinha minhas suspeitas sobre Bayle Domon já fazia um tempo, mas aqueles três são Amigos das Trevas com certeza. Estou lhes dizendo… — Risos e piadas grosseiras encobriram o resto do que Gelb tinha a dizer.
Quanto tempo, Rand se perguntou, até que o estalajadeiro ouvisse a descrição “daqueles três”? Se é que já não tinha ouvido. Se é que não faria simplesmente a ligação com os três estranhos que já havia visto. Para passar pela única porta em sua metade do salão, eles teriam de passar pela mesa de Gelb.
— Talvez o barco não seja assim uma ideia tão ruim — resmungou Mat, mas Thom sacudiu a cabeça.
— Não mais. — O menestrel falava rápido e em voz baixa. Ele puxou a bolsa de couro que o Capitão Domon lhe havia passado e dividiu apressadamente o dinheiro em três pilhas. — Essa história correrá toda a cidade em uma hora, quer alguém acredite ou não, e o Meio-homem poderá ouvi-la a qualquer momento. Domon não vai partir antes de amanhã de manhã. Na melhor das hipóteses, ele terá Trollocs atrás dele até Illian. Bem, é o que ele está praticamente esperando por algum motivo, mas isso não nos fará bem algum. Não nos resta nada agora senão fugir, e fugir imediatamente.
Mat rapidamente enfiou no bolso as moedas que Thom colocou na frente dele. Rand pegou sua pilha mais devagar. A moeda que Moiraine lhe dera não estava entre elas. Domon dera um peso igual em prata, mas Rand, por alguma razão que não podia compreender, desejou ter com ele a moeda da Aes Sedai. Enfiando o dinheiro no bolso, olhou para o menestrel de modo questionador.
— Caso nos separemos — explicou Thom. — Isso provavelmente não acontecerá, mas se acontecer… bem, vocês dois vão conseguir se sair bem sozinhos. São bons rapazes. É só ficarem longe de Aes Sedai, pelo amor que têm à vida.
— Achei que fosse ficar conosco — disse Rand.
— Eu vou, garoto. Eu vou. Mas eles estão cada vez mais perto agora, e só a Luz sabe o que vai acontecer. Bem, não importa. Não é provável que algo venha a acontecer. — Thom fez uma pausa, olhando para Mat. — Espero que você não se importe mais com a minha presença — disse secamente.
Mat deu de ombros. Ele olhou para cada um deles, depois deu de ombros novamente.
— Eu só estou nervoso. Não consigo evitar. Toda vez que paramos para respirar, eles estão lá, nos caçando. Sinto como se alguém estivesse me vigiando pelas costas o tempo todo. O que vamos fazer?
Os risos explodiram do outro lado da meia-parede, interrompidos novamente por Gelb, tentando em voz alta convencer os dois homens de que estava dizendo a verdade. Por quanto tempo mais?, Rand se perguntou. Mais cedo ou mais tarde Bartim tinha de ligar os três da história de Gelb a eles três.
Thom afastou a cadeira e se levantou, mas manteve-se agachado. Ninguém do outro lado, olhando casualmente na direção da meia-parede, poderia vê-lo. Ele fez um gesto para que os dois o seguissem, sussurrando:
— Façam silêncio total.
As janelas dos dois lados da lareira na parte deles do salão davam para um beco. Thom estudou uma das janelas com cuidado antes de levantá-la apenas o suficiente para que eles pudessem passar se espremendo. Ela mal emitiu um ruído, nada que pudesse ter sido ouvido a uma braça de distância acima da discussão e das gargalhadas do outro lado da meia-parede.
Uma vez no beco, Mat pôs-se imediatamente a seguir na direção da rua, mas Thom o agarrou pelo braço.
— Não tão rápido — disse o menestrel. — Não até sabermos o que estamos fazendo. — Thom abaixou a janela mais uma vez o máximo que pôde do lado de fora, e se virou para estudar o beco.
Rand acompanhou os olhos de Thom. Exceto por meia dúzia de barris de captação de água da chuva encostados na parede da estalagem e no prédio ao lado, uma alfaiataria, o beco estava vazio, a terra batida seca e poeirenta.
— Por que você está fazendo isso? — perguntou Mat novamente. — Você ficaria mais seguro se nos deixasse. Por que está ficando com a gente?
Thom o encarou por um longo momento.
— Eu tinha um sobrinho, Owyn — disse ele, cansado, despindo o manto. Enquanto falava, fez uma pilha com seu rolo de cobertor, colocando cuidadosamente os estojos dos instrumentos por cima de tudo. — Filho único do meu irmão, meu único parente vivo. Ele se meteu em problemas com as Aes Sedai, mas eu estava ocupado demais com… outras coisas. Não sei o que eu poderia ter feito, mas, quando finalmente tentei, era tarde demais. Owyn morreu alguns anos depois. Pode-se dizer que as Aes Sedai o mataram. — Ele se endireitou, sem olhar para eles. Sua voz ainda estava firme, mas Rand vislumbrou lágrimas em seus olhos quando o menestrel virou a cabeça para o outro lado. — Se eu conseguir manter vocês dois longe de Tar Valon, talvez consiga parar de pensar em Owyn. Esperem aqui. — Ainda evitando os olhos deles, correu até a entrada do beco, reduzindo a velocidade antes de alcançá-lo. Depois de espiar rapidamente, ele entrou casualmente na rua e sumiu de vista.
Mat fez menção de se levantar para segui-lo, mas depois voltou a se abaixar.
— Ele não vai deixar isto aqui — disse, tocando os estojos de couro dos instrumentos. — Você acredita nessa história?
Rand se agachou pacientemente ao lado dos barris de chuva.
— Qual é o seu problema, Mat? Você não é assim. Não ouço você rir há dias.
— Não gosto de ser caçado como um coelho — retrucou Mat. Ele deu um suspiro, recostando a cabeça na parede de tijolos da estalagem. Até assim ele parecia tenso. Seus olhos iam desconfiados de um lado para o outro. — Desculpe. É essa correria, e todos esses estranhos, e… e simplesmente tudo. Isso me deixa nervoso. Eu olho para alguém, e não consigo deixar de pensar se essa pessoa vai nos entregar aos Desvanecidos, ou nos enganar, ou nos roubar, ou… Luz, Rand, isso não deixa você nervoso?
Rand riu, um riso rouco no fundo da garganta.
— Estou apavorado demais para ficar nervoso.
— O que você acha que as Aes Sedai fizeram com o sobrinho dele?
— Não sei — disse Rand, inseguro. Só havia uma espécie de problema que ele conhecia na qual um homem podia se meter com as Aes Sedai. — Não é o nosso caso, eu acho.
— Não. Não é o nosso caso.
Por um tempo eles ficaram recostados na parede, sem conversar. Rand não sabia ao certo quanto tempo ficaram ali esperando. Alguns minutos, provavelmente, mas pareceu uma hora, à espera da volta de Thom, à espera de Bartim e Gelb abrirem a janela e os denunciarem como Amigos das Trevas. Então um homem apareceu na entrada do beco, um homem alto com o capuz do manto puxado para esconder o rosto, um manto negro como a noite contra a luz da rua.
Rand levantou-se bruscamente, uma das mãos envolvendo o punho da espada com tanta força que os nós dos dedos doíam. Sua boca ficou seca, e não adiantava tentar engolir. Mat ergueu-se parcialmente e manteve-se agachado, uma das mãos embaixo do manto.
O homem aproximou-se, e a garganta de Rand ia ficando mais apertada a cada passo. De repente o homem parou e jogou o capuz para trás. Os joelhos de Rand quase cederam. Era Thom.
— Ora, se vocês não me reconhecem — o menestrel sorriu —, acho que o disfarce está bom o bastante para os portões.
Thom passou por eles e começou a transferir coisas do manto de retalhos para o manto novo com tanta destreza que Rand não conseguiu distinguir nenhuma delas. O novo manto era marrom-escuro, Rand via agora. Ele respirou fundo, com dificuldade; ainda tinha a sensação de que algo apertava sua garganta. Marrom, não preto. Mat ainda estava com a mão embaixo do manto, e ficou encarando as costas de Thom como se estivesse pensando em usar a adaga oculta.
Thom ergueu os olhos para eles, depois lhes dirigiu um olhar mais duro.
— Não é hora de ficarem assustados. — Começou a dobrar habilmente seu velho manto, fazendo dele uma trouxa com os estojos de seus instrumentos, ao avesso, de forma que os retalhos ficassem ocultos. — Vamos sair daqui um de cada vez, mas perto o bastante para não nos perdemos de vista. Assim as pessoas não deverão se lembrar particularmente de nós. Você consegue se curvar um pouco? — perguntou a Rand. — Sua altura chama tanta atenção quanto um estandarte. — Ele pendurou a trouxa às costas e se levantou, recolocando o capuz. Não se parecia em nada com um menestrel de cabelos brancos. Era apenas mais um viajante, um homem pobre demais para ter um cavalo, quanto mais uma carruagem. — Vamos embora. Já perdemos muito tempo.
Rand concordou fervorosamente, mas mesmo assim hesitou antes de sair do beco para a praça. Nenhuma das pessoas esparsamente espalhadas lhes dirigiu sequer um segundo olhar. A maioria nem sequer olhou para eles. Mas seus ombros ficaram tensos, à espera do grito que os denunciaria como Amigos das Trevas e transformaria gente comum numa multidão com sede assassina. Ele correu os olhos pela área aberta, pelas pessoas cuidando de seus afazeres diários, e quando voltou ao ponto de partida um Myrddraal vinha a meio caminho na praça.
Rand não podia sequer imaginar de onde o Desvanecido tinha vindo, mas ele caminhava na direção dos três com uma lentidão mortal, um predador com a presa sob seu olhar. As pessoas se afastavam da forma coberta pelo manto negro, evitavam olhar em sua direção. A praça começou a esvaziar à medida que as pessoas resolviam que tinham coisas a fazer em outro lugar.
O capuz negro paralisou Rand onde ele estava. Ele tentou invocar o vazio, mas era como tentar agarrar fumaça. O olhar oculto do Desvanecido era uma faca em seus ossos e transformava sua medula em gelo.
— Não olhe para o rosto dele — murmurou Thom. Sua voz estava trêmula e quebrada, como se ele a forçasse a sair. — Que a Luz nos queime, mas não olhe para o rosto dele!
Rand afastou os olhos à força, e quase soltou um grunhido; era como arrancar uma sanguessuga do rosto, mas mesmo olhando para as pedras da praça ele ainda podia ver o Myrddraal se aproximando, um gato brincando com os ratos, se divertindo com seus débeis esforços para escapar, até finalmente fechar as mandíbulas sobre eles. O Desvanecido havia reduzido a distância à metade.
— Nós vamos simplesmente ficar aqui? — murmurou Rand. — Temos de correr… fugir. — Mas ele não conseguia fazer os pés se moverem.
Mat finalmente conseguiu sacar a adaga de cabo de rubi, e a segurava com a mão trêmula. Seus lábios estavam crispados, mostrando os dentes em um ricto de medo.
— Acha… — Thom parou para engolir em seco, e continuou com a voz rouca: — Acha que consegue correr mais rápido que ele, garoto? — Começou então a resmungar para si mesmo; a única palavra que Rand conseguiu entender foi “Owyn”. Subitamente Thom grunhiu: — Eu nunca deveria ter me metido com vocês, garotos. Nunca. — Então tirou o manto de menestrel das costas e o enfiou nos braços de Rand. — Cuide disto. Quando eu disser para correr, vocês corram e não parem até chegar a Caemlyn. A Bênção da Rainha. Uma estalagem. Lembrem-se disso, se… Só se lembrem disso.
— Não estou entendendo — disse Rand. O Myrddraal não estava a mais de vinte passos. Os pés de Rand pareciam feitos de chumbo.
— Só se lembrem disso! — rosnou Thom. — A Bênção da Rainha. Agora. CORRAM!
Ele os empurrou, uma das mãos no ombro de cada um, para que se pusessem em movimento, e Rand disparou numa corrida aos tropeços, com Mat ao seu lado.
— CORRAM! — Thom também começou a correr, com um longo rugido. Não atrás deles, mas na direção do Myrddraal. Suas mãos fizeram floreios, como em suas melhores apresentações, e adagas apareceram. Rand parou, mas Mat o puxou com ele.
O Desvanecido ficou tão surpreso quanto eles. Seu passo tranquilo titubeou, interrompido. Sua mão buscou o cabo da espada negra que pendia à sua cintura, mas as pernas longas do menestrel percorreram rapidamente a distância que os separava. Thom foi de encontro ao Myrddraal antes que metade da lâmina negra tivesse sido sacada, e ambos foram ao chão, um rolando por cima do outro. As poucas pessoas que ainda estavam na praça fugiram.
— CORRAM! — Uma luz azul cegante cortou o ar na praça, e Thom começou a gritar, mas mesmo no meio do grito ele conseguiu pronunciar uma palavra: — CORRAM!
Rand obedeceu. Os gritos do menestrel o perseguiram.
Agarrando o embrulho de Thom de encontro ao peito, ele correu o mais rápido que pôde. O pânico se espalhou da praça para a cidade enquanto Rand e Mat fugiam na crista de uma onda de medo. Lojistas abandonavam seus artigos quando os garotos passavam. Postigos se fechavam com estrépito sobre as vitrines das lojas, e rostos assustados apareciam nas janelas das casas, depois sumiam. Pessoas que não haviam estado perto o bastante para ver corriam loucamente pelas ruas, sem prestar atenção a nada. Elas esbarravam umas nas outras, e as que eram derrubadas se levantavam correndo ou eram pisoteadas. Ponte Branca fervilhava como um formigueiro que tivesse sido chutado.
Enquanto ele e Mat corriam na direção dos portões, Rand subitamente se lembrou do que Thom dissera sobre sua altura. Sem reduzir a velocidade, curvou-se da melhor maneira que pôde sem parecer que estava se agachando. Mas os portões propriamente ditos, de madeira grossa presa com faixas de ferro preto, estavam abertos. Os dois vigias do portão, com capacetes de aço e túnicas de malha sobre casacos vermelhos com colarinhos brancos de aspecto barato, levavam as mãos às alabardas e olhavam desconfiados na direção da cidade. Um deles olhou de relance para Rand e Mat, mas eles não eram os únicos passando correndo pelos portões. Um fluxo constante começou a sair, homens ofegantes agarrando esposas, mulheres chorando carregando bebês e arrastando crianças aos prantos, artesãos de rostos pálidos com seus aventais, ainda, sem se dar conta, segurando suas ferramentas.
Não haveria ninguém que pudesse dizer para que lado eles haviam ido, pensou Rand enquanto corria, zonzo. Thom. Oh, que a Luz me salve, Thom.
Mat cambaleou ao lado dele, recuperou o equilíbrio, e ambos correram até que a última das pessoas em fuga houvesse ficado para trás, até que a cidade e a Ponte Branca tivessem ficado para trás, fora do seu campo de visão.
Finalmente Rand caiu de joelhos na terra, aspirando o ar com dificuldade pela garganta machucada, em grandes golfadas. A estrada atrás se estendia vazia até se perder de vista entre árvores nuas. Mat o puxou.
— Vamos. Vamos — chamou Mat, arfando. Seu rosto estava sujo de suor e poeira, e ele parecia prestes a desabar. — Temos de continuar.
— Thom — disse Rand. Ele apertou os braços ao redor da trouxa do manto de Thom; os estojos dos instrumentos eram volumes duros em seu interior. — Thom.
— Ele está morto. Você viu. Você ouviu. Luz, Rand, ele está morto!
— Você acha que Egwene, Moiraine e os outros estão mortos também. Se estão mortos, por que os Myrddraal ainda os estão caçando? Responda!
Mat caiu de joelhos no pó ao lado dele.
— Está bem. Talvez eles ainda estejam vivos. Mas Thom… Você viu! Sangue e cinzas, Rand, a mesma coisa pode acontecer com a gente.
Rand assentiu devagar. A estrada atrás deles ainda estava vazia. Ele estivera quase esperando… torcia por isso, pelo menos… ver Thom aparecer, andando a passos largos, soprando os bigodes para lhes dizer quantos problemas eles lhe traziam. A Bênção da Rainha em Caemlyn. Lutou para se levantar e pendurou a trouxa de Thom nas costas ao lado de seu cobertor enrolado. Mat ergueu os olhos para ele, desconfiado.
— Vamos — disse Rand e começou a andar pela estrada, na direção de Caemlyn. Ele ouviu Mat resmungar e, depois de um momento, alcançá-lo.
Seguiram pela estrada empoeirada, cabeças baixas, sem falar. O vento fazia redemoinhos de poeira que rodopiavam em seu caminho. Às vezes Rand olhava por sobre o ombro, mas a estrada atrás deles continuava deserta.