15 Estranhos e Amigos

A luz do sol avançando por sua cama estreita finalmente acordou Rand de um sono profundo, ainda que inquieto. Ele colocou o travesseiro sobre a cabeça, mas isso não bloqueou totalmente a luz, e ele no fundo não queria voltar a dormir. Houvera mais sonhos depois do primeiro. Não conseguia se lembrar de nenhum a não ser daquele, mas sabia que não queria mais sonhos.

Com um suspiro, jogou o travesseiro de lado e se sentou, fazendo uma careta ao se espreguiçar. Todas as dores que achava que haviam escoado no banho estavam de volta. Além disso, sua cabeça ainda doía. Isso não o surpreendeu. Um sonho assim era o suficiente para dar dor de cabeça em qualquer um. Os outros sonhos já se haviam desvanecido, mas não aquele.

As outras camas estavam vazias. A luz se derramava pela janela num ângulo agudo; o sol estava bem acima do horizonte. Àquela hora, na fazenda, ele já teria feito algo para comer e estaria bem adiantado em suas tarefas. Saiu apressado da cama resmungando, zangado consigo mesmo. Uma cidade para ver, e eles nem sequer o tinham acordado. Pelo menos alguém havia cuidado de deixar água na jarra, e ela ainda estava morna.

Ele lavou o rosto e se vestiu depressa, hesitando por um momento ao ver a espada de Tam. Lan e Thom haviam deixado seus alforjes e cobertores enrolados no fundo do quarto, é claro, mas a espada do Guardião não estava em nenhum lugar que Rand pudesse ver. Lan havia desfilado com sua espada em Campo de Emond muito antes de haver qualquer indício de problema. Ele pensou em seguir o exemplo. Dizendo a si mesmo que não era porque muitas vezes sonhara acordado em percorrer as ruas de uma cidade de verdade usando uma espada, ele colocou o cinto com a arma e jogou o manto por cima do ombro como um saco.

Descendo os degraus de dois em dois, ele se dirigiu apressado até a cozinha. Era certamente o lugar mais rápido para se arranjar algo para comer e, em seu único dia em Baerlon, ele não queria perder mais tempo do que já havia perdido. Sangue e cinzas! Eles podiam ter me acordado!

Mestre Fitch encontrava-se na cozinha, confrontando uma mulher gorda cujos braços estavam cobertos de farinha até os cotovelos — obviamente a cozinheira. Melhor dizendo, ela o estava confrontando, sacudindo o dedo diante do rosto dele. Empregadas, atendentes de mesas e ajudantes da cozinha, assistentes de cozinheiro e de lava-pratos, todos corriam para executar suas tarefas, ignorando deliberadamente o que se passava na frente deles.

— …meu Cirri é um bom gato — dizia a cozinheira, ríspida —, e não quero ouvir uma palavra sequer em contrário, está entendendo? Reclamar por ele estar fazendo seu trabalho direito, é isso que você está fazendo, se quer saber.

— Eu recebi queixas. — Mestre Fitch conseguiu interrompê-la. — Queixas, senhora. Metade dos hóspedes…

— Não quero nem ouvir. Simplesmente não quero ouvir. Se eles querem reclamar do meu gato, então eles que cozinhem. Meu pobre e velho gato, que está só fazendo o trabalho dele, e eu vamos para algum outro lugar onde nos queiram, vocês vão ver só se não vamos. — Ela desamarrou o avental e começou a tirá-lo por cima da cabeça.

— Não! — Mestre Fitch deu um grito e pulou para impedi-la. Eles ficaram dançando em círculos, com a cozinheira tentando tirar o avental e o estalajadeiro tentando colocá-lo de volta nela. — Não, Sara — ele arquejou. — Não há necessidade disso. Não há necessidade, estou dizendo! O que eu faria sem você? Cirri é um bom gato. Um excelente gato. O melhor gato de Baerlon. Se mais alguém reclamar, vou dizer que agradeçam por ele estar fazendo o trabalho dele. É, eles que agradeçam. Você não pode ir. Sara? Sara!

A cozinheira interrompeu a dança em círculos e conseguiu arrancar o avental das mãos dele.

— Está certo, então. Está certo. — Segurando o avental com ambas as mãos, ela ainda assim não voltou a amarrá-lo. — Mas se você espera que eu tenha alguma coisa pronta para o meio-dia, é melhor sair daqui e me deixar trabalhar. Aqui pode ser sua estalagem, mas esta é a minha cozinha. A menos que você queira cozinhar. — Ela fez menção de lhe entregar o avental.

Mestre Fitch recuou com as mãos espalmadas. Abriu a boca, depois parou, olhando ao redor pela primeira vez. Os ajudantes de cozinha ainda ignoravam diligentemente a cozinheira e o estalajadeiro, e Rand começou uma busca minuciosa pelos bolsos do casaco, embora, a não ser pela moeda que Moiraine lhe dera, não houvesse nada neles além de alguns cobres e um punhado de badulaques. Sua faca de bolso e a pedra de amolar. Duas cordas de arco extras e um pedaço de barbante que ele havia achado que poderia ser útil.

— Eu tenho certeza, Sara — disse Mestre Fitch com cuidado —, de que tudo estará de acordo com a sua excelência de costume. — E, com isso, deu uma última olhada desconfiada para os ajudantes da cozinha e depois saiu com o máximo de dignidade possível.

Sara esperou até que ele se fosse antes de amarrar rapidamente seu avental, e então fixou o olhar em Rand.

— Acho que você quer algo para comer, não é? Bem, entre. — Ela lhe deu um sorriso ligeiro. — Eu não mordo, não mesmo, não importa o que você possa ter visto e que não devia. Ciel, pegue para o garoto um pouco de pão, queijo e leite. É tudo que temos agora. Sente-se, rapaz. Seus amigos saíram, tirando um rapaz que, pelo que entendi, não estava passando bem, e eu imagino que você vá querer fazer o mesmo.

Uma das empregadas trouxe uma bandeja, e Rand levou uma banqueta até a mesa. Ele começou a comer enquanto a cozinheira voltava a sovar a massa do pão, mas ela ainda não havia terminado de falar.

— Você não deve se preocupar com nada do que viu. Mestre Fitch até que é um homem bom, embora mesmo os melhores de vocês não sejam nada fáceis. As pessoas reclamando é que o deixam à beira de um ataque. E do que é que elas estão reclamando? Elas prefeririam encontrar ratos vivos aos mortos? Embora não seja do feitio de Cirri deixar trabalho para trás. E mais de uma dúzia? Cirri não deixaria tantos entrarem na estalagem, não mesmo. Além disso, aqui é um lugar limpo, e não era para ter tanto problema. E todos com as espinhas partidas. — Ela balançou a cabeça, estranhando aquilo tudo.

O pão e o queijo ficaram com gosto de cinza na boca de Rand.

— As espinhas deles estavam quebradas?

A cozinheira fez um gesto com a mão coberta de farinha.

— Pense em coisas mais felizes, é o meu jeito de encarar a vida. Tem um menestrel, sabia? No salão, neste exato instante. Bem, mas veio com ele, não é? Você é um daqueles que vieram com a Senhora Alys ontem à noite, não? Achei que fosse. Não vou ter muita chance de ver esse menestrel, estou aqui pensando, não com a estalagem cheia de gente do jeito que está, a maioria uma ralé que veio lá das minas. — Ela deu uma pancada especialmente pesada na massa. — Não são do tipo que normalmente deixamos entrar, só que a cidade inteira está repleta deles. Mas é melhor do que poderia ser com alguns outros tipos, eu acho. Ora, não vejo um menestrel desde antes do inverno, e…

Rand comeu mecanicamente, sem sentir o gosto de nada, sem escutar o que a cozinheira dizia. Ratos mortos, com as espinhas quebradas. Terminou o desjejum apressadamente, disse um obrigado gaguejado e saiu em disparada. Precisava falar com alguém.

O salão da Cervo e Leão tinha pouco em comum com a sala da Estalagem Fonte de Vinho, exceto o propósito. Tinha o dobro da largura e o triplo do comprimento, e imagens coloridas de prédios elaborados com jardins de árvores altas e flores de cores vivas pintadas bem alto nas paredes. Em vez de uma única e imensa lareira, uma de menores proporções ardia em cada parede, e dezenas de mesas ocupavam o espaço, com quase toda cadeira, banco ou banqueta ocupados.

Cada homem na multidão de fregueses com cachimbos nos dentes e canecas nas mãos se curvava para a frente atento a uma só coisa: Thom, de pé em cima de uma mesa no meio do salão, seu manto de muitas cores jogado em uma cadeira próxima. Até mesmo Mestre Fitch tinha um caneco de prata e um pano de polir nas mãos imóveis.

— …rampantes cascos de prata e pescoços arqueados e orgulhosos — proclamava Thom, enquanto de algum modo parecia não só estar montando um cavalo, mas fazendo parte de uma longa procissão de cavaleiros. — Crinas prateadas tremulam quando as cabeças se movem. Mil estandartes esvoaçam, lançando arco-íris contra um céu infinito. Cem trombetas com suas gargantas de bronze fazem o ar estremecer, e tambores rufam como trovões. Onda após onda, vêm as vivas dos espectadores, aos milhares, sobre os telhados e as torres de Illian, e quebram inauditos nos mil ouvidos dos cavaleiros cujos olhos e corações brilham em sua missão sagrada. A Grande Caçada à Trombeta avança, cavalga em busca da Trombeta de Valere, que invocará os heróis das Eras de volta do túmulo para batalhar pela Luz…

Isso era o que o menestrel havia chamado de Canto Simples naquelas noites à beira do fogo na cavalgada rumo ao norte. As histórias, disse ele, eram contadas em três vozes: Alto Canto, Canto Simples e Comum, que significava simplesmente contá-las do jeito que você poderia falar ao vizinho sobre sua roça. Thom contava histórias em Comum, mas não se importava em esconder seu desprezo por essa voz.

Rand fechou a porta sem entrar e desabou contra a parede. De Thom ele não conseguiria conselhos. Moiraine… o que ela faria se soubesse?

Ele se deu conta das pessoas que o encaravam ao passar e percebeu que estava resmungando baixinho. Ajeitando seu casaco, ele se endireitou. Precisava falar com alguém. A cozinheira dissera que um dos outros não havia saído. Controlar-se para não subir correndo lhe exigiu esforço.

Quando bateu à porta do quarto onde os outros rapazes haviam dormido e enfiou a cabeça lá dentro, apenas Perrin se encontrava ali, deitado em sua cama, ainda não vestido. Ele virou a cabeça no travesseiro para olhar para Rand e tornou a fechar os olhos. O arco e a aljava de Mat estavam encostados num canto.

— Eu soube que você não estava se sentindo bem — contou Rand, entrando e se sentando na cama ao lado. — Eu só queria conversar. E… — Não sabia como puxar o assunto, percebeu. — Se você estiver doente — disse ele, já meio de pé —, talvez seja melhor dormir. Vou embora.

— Não sei se vou conseguir dormir de novo algum dia. — Perrin suspirou. — Tive um sonho ruim, se você quer mesmo saber, e não consegui voltar a dormir. Mat vai lhe contar assim que puder. Ele riu hoje cedo, quando contei por que estava cansado demais para sair, mas ele também sonhou. A noite toda eu o ouvi se virando e resmungando, e não venha me dizer que ele teve uma boa noite de sono. — Ele jogou um braço grosso por cima dos olhos. — Luz, como estou cansado… Talvez se eu ficar aqui só por uma ou duas horas sinta vontade de levantar. Mat nunca vai me deixar em paz se eu deixar de ver Baerlon por causa de um sonho.

Rand voltou a se sentar na cama devagar. Passou a língua pelos lábios, depois disse, rápido:

— Ele matou um rato?

Perrin abaixou o braço e olhou fixo para ele.

— Você também? — perguntou finalmente. Quando Rand assentiu, ele disse: — Queria estar em casa. Ele me disse… ele disse… O que vamos fazer? Você contou a Moiraine?

— Não. Ainda não. Talvez nem conte. Não sei. E você?

— Ele disse… Sangue e cinzas, Rand, não sei. — Perrin se levantou subitamente e se apoiou no cotovelo. — Você acha que Mat teve o mesmo sonho? Ele riu, mas o riso soou forçado, e ele pareceu estranho quando eu disse que não tinha conseguido dormir por causa de um sonho.

— Talvez — disse Rand. Embora se sentisse culpado, ficou aliviado por não ser o único. — Eu ia pedir conselhos a Thom. Ele já viu muita coisa no mundo. Você… você não acha que devíamos contar a Moiraine, acha?

Perrin voltou a se recostar no travesseiro.

— Você já ouviu as histórias sobre as Aes Sedai. Acha que podemos confiar em Thom? Se é que podemos confiar em alguém… Rand, se sairmos disso vivos, se algum dia voltarmos para casa, e você me ouvir dizer qualquer coisa sobre sair de Campo de Emond, mesmo que seja para ir até a Colina da Vigília, você me dá um chute. Está certo?

— Isso não é jeito de falar — disse Rand. Ele conseguiu sorrir, o sorriso mais animado que pôde dar. — É claro que vamos voltar para casa. Vamos lá, levante-se. Estamos numa cidade e temos um dia inteiro para vê-la. Onde estão suas roupas?

— Vá você. Eu só quero ficar deitado aqui um tempo. — Perrin voltou a colocar o braço sobre os olhos. — Vá em frente. Eu o alcanço em uma ou duas horas.

— Você é quem sabe — disse Rand, levantando-se. — Pense no que pode perder. — Parou na porta. — Baerlon. Quantas vezes falamos em ver Baerlon um dia? — Perrin ficou ali deitado com os olhos cobertos e não disse palavra. Depois de um minuto, Rand saiu e fechou a porta.

No corredor, ele se encostou na parede, o sorriso desaparecendo de seu rosto. A cabeça ainda doía; estava pior, não melhor. Ele também não estava lá muito entusiasmado com Baerlon, não naquele momento. Não conseguia se entusiasmar com nada.

Uma empregada surgiu, os braços cheios de lençóis, e lhe dirigiu um olhar preocupado. Antes que ela conseguisse falar, ele continuou pelo corredor, encolhendo-se em seu manto. Thom não terminaria no salão por horas ainda. Rand podia muito bem ver o que fosse possível na cidade. Talvez conseguisse encontrar Mat e saber se Ba’alzamon havia estado nos sonhos dele também. Desceu mais devagar dessa vez, esfregando a têmpora.

A escada terminava perto da cozinha, e ele pegou esse caminho, cumprimentando Sara com um aceno de cabeça, mas se apressando quando pareceu que ela ia continuar de onde havia parado antes. O pátio do estábulo estava vazio, a não ser por Mutch, de pé na porta, e um dos outros tratadores carregando um saco no ombro para o interior do estábulo. Rand também cumprimentou Mutch com a cabeça, mas o homem lhe dirigiu um olhar truculento e entrou. Ele torceu para que o resto da cidade fosse mais parecido com Sara e menos com Mutch. Pronto para ver como era uma cidade de verdade, apertou o passo.

Nas portas abertas do pátio do estábulo, ele parou e olhou. Pessoas enchiam a rua como ovelhas num redil, pessoas embrulhadas até os olhos em mantos e casacos, chapéus abaixados contra o frio, ziguezagueando a passos rápidos como se o vento que assoviava sobre os telhados as soprasse, acotovelando-se quase sem falar nem olhar umas para as outras. Todos estranhos, pensou. Ninguém se conhece.

Os cheiros também eram estranhos, ácidos, amargos e doces — tudo misturado em um caldeirão que o fazia ficar esfregando o nariz. Mesmo no ápice do Festival, ele nunca tinha visto tanta gente tão amontoada. Nem mesmo metade daquilo. E era só uma rua. Mestre Fitch e a cozinheira tinham dito que toda a cidade estava cheia. A cidade toda… daquele jeito?

Ele recuou lentamente do portão, afastando-se da rua cheia de gente. Não era certo sair e deixar Perrin doente na cama. E se Thom terminasse de contar suas histórias enquanto Rand estivesse fora, na cidade? O menestrel poderia sair por conta própria, e Rand precisava falar com alguém. Muito melhor esperar um pouco. Deixou escapar um suspiro de alívio ao dar as costas para o enxame que tomava conta da rua.

Mas a ideia de retornar para a estalagem não lhe agradava, não com sua dor de cabeça. Sentou-se num barril virado de cabeça para baixo que estava encostado nos fundos da estalagem e torceu para que o ar frio pudesse ajudar.

Mutch aparecia na porta do estábulo de vez em quando e ficava olhando para ele, e mesmo do outro lado do pátio Rand conseguia ver a expressão de desaprovação do homem. Será que não gostava de gente do campo? Ou ficara constrangido quando Mestre Fitch os recebera depois que ele tentara expulsá-los por entrarem pelo lado errado? Talvez ele seja um Amigo das Trevas, pensou Rand, esperando rir da ideia, mas não era um pensamento engraçado. Passou a mão pelo punho da espada de Tam. Não havia sobrado muita coisa que fosse engraçada.

— Um pastor com uma espada com a marca da garça — disse uma voz baixinha de mulher. — Isso é quase o bastante para me fazer acreditar em qualquer coisa. Em que problemas você está metido, garoto do sul?

Assustado, Rand se levantou de um pulo. Era a jovem de cabelos curtos que estava com Moiraine quando ele saíra do banho, ainda vestida com casaco e calças de rapaz. Era um pouco mais velha que ele, pensou, com olhos escuros ainda maiores que os de Egwene, estranhamente intensos.

— Você é Rand, não é? — continuou ela. — Meu nome é Min.

— Eu não estou com nenhum problema — disse ele. Não sabia o que Moiraine dissera a ela, mas lembrava-se do aviso de Lan para não atrair atenção. — O que faz você pensar que estou com problemas? Os Dois Rios são um lugar tranquilo, e somos todos pessoas tranquilas. Lá não é lugar de problema, a menos que tenha a ver com a colheita, ou com ovelhas.

— Tranquilas? — disse Min com um leve sorriso. — Já ouvi homens falando sobre vocês, gente dos Dois Rios. Ouvi as piadas sobre pastores cabeça-dura, e há homens que realmente já estiveram nas bandas lá de baixo.

— Cabeça-dura? — perguntou Rand, franzindo a testa. — Que piadas?

— Os que sabem do que estão falando — continuou ela como se ele não tivesse falado — dizem que vocês andam por aí todos cheios de sorrisos e boas maneiras, mansos e macios feito manteiga. Pelo menos na superfície. Por baixo, eles dizem, vocês são todos duros feito raiz de carvalho velho. É cutucar com força, eles dizem, e você encontra pedra. Mas a pedra não está enterrada muito fundo em você, nem em seus amigos. É como se uma tempestade tivesse raspado quase toda a terra que a cobria. Moiraine não me contou tudo, mas eu vejo o que vejo.

Raízes de carvalho velho? Pedra? Dificilmente parecia o tipo de coisa que os mercadores ou a gente deles diria. Mas as últimas palavras o fizeram dar um pulo.

Olhou ao redor rapidamente; o pátio do estábulo encontrava-se vazio e as janelas mais próximas estavam fechadas.

— Eu não conheço ninguém chamado… como é mesmo?

— Senhora Alys, então, se você prefere — disse Min com um olhar divertido que fez suas bochechas corarem. — Não há ninguém por perto para ouvir.

— O que faz você pensar que a Senhora Alys tem outro nome?

— Porque ela me contou — explicou Min, com tanta paciência que ele corou mais uma vez. — Não que ela tivesse escolha, suponho. Vi que ela era… diferente… logo de cara. Quando ela parou aqui antes, a caminho do sul. Ela sabia sobre mim. Já falei com… outras como ela antes.

— “Viu”? — disse Rand.

— Bem, acho que você não vai sair correndo para contar aos Filhos. Não se considerarmos quem são seus companheiros de viagem. Os Mantos-brancos não gostariam do que faço nem um pouco mais do que daquilo que ela faz.

— Não estou entendendo.

— Ela diz que eu vejo partes do Padrão. — Min deu uma risadinha e sacudiu a cabeça. — Parece uma coisa grandiosa demais para mim. Eu apenas vejo coisas quando olho para as pessoas, e às vezes sei o que elas querem dizer. Olho para um homem e uma mulher que nunca nem falaram um com o outro e sei que vão se casar. E se casam. Esse tipo de coisa. Ela queria que eu olhasse para você. Todos vocês.

Rand estremeceu.

— E o que foi que você viu?

— Quando vocês estavam todos juntos? Fagulhas dançando em turbilhão ao redor de vocês, milhares delas, e uma sombra grande, mais escura que a meia-noite. É tão forte que fico quase espantada por ninguém conseguir ver. As fagulhas estão tentando preencher a sombra, e a sombra está tentando engolir as fagulhas. — Ela deu de ombros. — Vocês estão todos juntos em alguma coisa perigosa, mas mais do que isso eu não sei dizer.

— Todos nós? — murmurou Rand. — Egwene também? Mas eles não estavam atrás de… quero dizer…

Min não pareceu reparar no deslize dele.

— A garota? Ela faz parte disso. E também o menestrel. Todos vocês. Você está apaixonado por ela. — Ele ficou olhando fixo para Min. — Sei disso mesmo sem ver imagem nenhuma. Ela também o ama, mas ela não é para você, nem você para ela. Não do jeito que vocês dois querem.

— O que isso quer dizer?

— Quando olho para ela, vejo a mesma coisa que quando olho para… a Senhora Alys. Outras coisas também, coisas que não entendo, mas sei o que isso quer dizer. Ela não vai recusar.

— Isso é tudo bobagem — disse Rand, desconfortável. A dor de cabeça estava se transformando em dormência; sua cabeça parecia cheia de lã. Ele queria se afastar daquela garota e das coisas que ela via. E ao mesmo tempo… — O que você vê quando olha para… o resto de nós?

— Toda espécie de coisa — disse Min com um sorriso, como se soubesse o que ele realmente queria perguntar. — A Guerra… hã… Mestre Andra tem sete torres em ruínas ao redor da cabeça, e um bebê em um berço segurando uma espada, e… — Ela sacudiu a cabeça. — Homens como ele, sabe?… sempre têm tantas imagens que elas se amontoam umas sobre as outras. As imagens mais fortes ao redor do menestrel são um homem, mas não ele, fazendo malabarismos com fogo, e a Torre Branca, e isso não faz o menor sentido para um homem. As coisas mais fortes que vejo sobre o sujeito grande e de cabelos encaracolados são um lobo, e uma coroa quebrada, e árvores florescendo ao redor dele. E o outro, uma águia vermelha, um olho num prato de balança, uma adaga com um rubi, um chifre e um rosto que ri. Há outras coisas, mas você entende o que quero dizer. Desta vez eu não consigo entender nada disso. — Ela esperou então, ainda sorrindo, até ele finalmente pigarrear e perguntar.

— E eu?

O sorriso dela chegou a pouco menos que uma bela gargalhada.

— O mesmo tipo de coisa que o resto. Uma espada que não é uma espada, uma coroa dourada de folhas de louro, o cajado de um mendigo, você derramando água na areia, uma mão ensanguentada e um ferro branco de tão incandescente, três mulheres em pé ao lado de um esquife com você dentro, uma pedra negra molhada de sangue…

— Tudo bem — interrompeu ele, desconfortável. — Não precisa listar tudo.

— Mas principalmente vejo relâmpagos ao seu redor, alguns atingindo você, outros saindo de você. Não sei o que nada disso quer dizer, a não ser por uma coisa. Você e eu vamos nos encontrar novamente. — Ela lhe dirigiu um olhar intrigado, como se também não entendesse aquilo.

— Por que não deveríamos? — perguntou ele. — Vou passar outra vez por aqui, na volta para casa.

— Suponho que sim. — Subitamente o sorriso dela estava de volta, irônico e misterioso, e ela deu palmadinhas na bochecha dele. — Mas se eu lhe contasse tudo o que vi, seus cabelos ficariam tão encaracolados quanto os do seu amigo dos ombros largos.

Ele se afastou, como se a mão dela estivesse pegando fogo.

— Como assim? Você viu alguma coisa sobre ratos? Ou sonhos?

— Ratos! Não, ratos não. Quanto a sonhos, talvez essa seja a sua ideia de sonho, mas eu nunca achei que fosse a minha.

Ele ficou se perguntando se ela era louca, sorrindo assim.

— Tenho de ir — disse ele, dando a volta, desviando-se dela. — Eu… eu tenho de encontrar meus amigos.

— Então vá. Mas você não vai escapar.

Ele não chegou exatamente a sair correndo, mas cada passo que dava era mais rápido que o anterior.

— Corra, se quiser — gritou ela. — Você não pode fugir de mim.

O riso dela fez com que ele fugisse em disparada pelo pátio do estábulo e saísse para a rua, para o burburinho de gente. As últimas palavras dela eram muito parecidas com o que Ba’alzamon dissera. Ele esbarrou em pessoas enquanto corria pela multidão, recebendo olhares e palavras duros, mas não diminuiu a velocidade até estar a várias ruas da estalagem.

Depois de algum tempo começou a prestar atenção novamente em onde estava. Sua cabeça parecia um balão, mas ele olhava atentamente e aproveitava de qualquer maneira. Achava que Baerlon era uma cidade grandiosa, ainda que não exatamente do mesmo jeito que as cidades nas histórias de Thom. Ficou vagando por ruas largas, a maioria pavimentada com pedras, e descendo por becos estreitos e tortuosos, aonde quer que o acaso e o deslocamento das multidões o levassem. Havia chovido durante a noite, e as ruas que não eram pavimentadas haviam sido transformadas em lama pelas multidões, mas ruas lamacentas não eram novidade para ele. Nenhuma das ruas de Campo de Emond era pavimentada.

Ali certamente não havia palácios, e apenas algumas casas eram muito maiores do que as de sua região, mas todas tinham telhado de laje ou de telhas tão refinado quanto o da Estalagem Fonte de Vinho. Supôs que haveria um ou dois palácios em Caemlyn. Quanto a estalagens, ele contou nove, nenhuma menor que a Fonte de Vinho, e a maioria tão grande quanto a Cervo e Leão, e havia muitas ruas que ele ainda não tinha visto.

As ruas eram salpicadas de lojas, com toldos na frente protegendo mesas cobertas de todo tipo de artigo — de tecidos a livros, de panelas a botas. Era como se uma centena de carroções de mascates tivesse despejado seu conteúdo ali. Ele olhava tudo tão fixamente que mais de uma vez teve de sair apressado por causa dos olhares suspeitos de algum lojista. Não havia entendido o olhar da primeira vez. Quando entendeu, começou a ficar zangado, até se lembrar de que ali o estranho era ele. De qualquer maneira, ele não poderia comprar muita coisa. Perdeu o fôlego quando viu quantos cobres eram trocados por uma dúzia de maçãs mirradas ou um punhado de nabos murchos, do tipo que seria dado aos cavalos nos Dois Rios, mas aqui as pessoas pareciam ansiosas para pagar.

Havia certamente muita gente ali. Por algum tempo o número impressionante de pessoas o deixou atônito. Umas vestiam roupas de um corte mais fino que qualquer pessoa nos Dois Rios, quase tão finas quanto as de Moiraine, e muitas tinham casacos longos e forrados de pele que iam até o tornozelo. Os mineiros dos quais todos na estalagem não paravam de falar tinham o aspecto curvado de homens que trabalhavam no subterrâneo. Mas a maioria das pessoas não parecia nem um pouco diferente daquelas com as quais ele havia crescido, nem em termos de roupa nem de rosto. De algum modo, ele havia esperado que fossem. De fato, alguns tinham fisionomias tão semelhantes à da gente dos Dois Rios que ele podia imaginar que pertenciam a uma família ou outra que conhecia dos arredores de Campo de Emond. Um sujeito sem dentes, de cabelos grisalhos, com orelhas que pareciam alças de caneca, sentado num banco do lado de fora de uma das estalagens e olhando tristonho para uma caneca vazia, podia tranquilamente ser um primo próximo de Bili Congar. O alfaiate de queixo quadrado costurando na frente de sua loja poderia ser irmão de Jon Thane, idêntico até mesmo na coroinha calva. Uma imagem quase espelhada de Samel Crawe passou empurrando Rand ao virar uma esquina, e…

Sem acreditar, ele ficou olhando um homenzinho magricela, com braços compridos e nariz grande, abrir caminho apressado em meio à multidão, em roupas que pareciam um monte de farrapos. Os olhos do homem estavam fundos, e seu rosto era sujo e magro, como se não comesse nem dormisse havia dias, mas Rand podia jurar… O homem esfarrapado o viu, então, e ficou paralisado entre um passo e outro, sem se dar conta das pessoas que quase caíram por cima dele. A última dúvida na cabeça de Rand desapareceu.

— Mestre Fain! — gritou ele. — Pensamos que o senhor estivesse…

Rápido como um piscar de olhos, o mascate disparou em fuga, mas Rand o perseguiu, gritando pedidos de desculpas sobre os ombros para as pessoas nas quais esbarrava. No meio da multidão ele apenas vislumbrou Fain disparando para dentro de um beco, e foi atrás.

No beco, depois de alguns passos, o mascate havia parado. Uma cerca alta fazia dali um beco sem saída. Quando Rand parou, Fain se virou para encará-lo, agachando-se, desconfiado, e recuando. Ele movia as mãos imundas na direção de Rand, querendo mantê-lo afastado. Via-se mais de um rasgo em seu casaco, e seu manto estava gasto e esfarrapado, como se o uso tivesse sido muito mais pesado do que deveria.

— Mestre Fain? — perguntou Rand, hesitante. — Qual é o problema? Sou eu, Rand al’Thor, de Campo de Emond. Nós pensamos que os Trollocs o haviam apanhado.

Fain fez um gesto brusco e, ainda agachado, correu alguns passos tortos na direção da extremidade aberta do beco. Não tentou passar por Rand, nem sequer chegar perto.

— Não! — gritou ele com voz rouca. Sua cabeça virava constantemente enquanto ele tentava ver tudo na rua atrás de Rand. — Não mencione — sua voz baixou e se tornou um sussurro rouco, e ele virou a cabeça, observando Rand com olhares rápidos, de esguelha — …esse nome. Há Mantos-brancos na cidade.

— Eles não têm motivo para nos incomodar — disse Rand. — Venha para a Cervo e Leão comigo. Estou hospedado lá com amigos. O senhor conhece a maioria deles. Vão ficar felizes em vê-lo. Nós todos achávamos que o senhor estivesse morto.

— Morto? — repetiu o mascate, indignado. — Não Padan Fain. Padan Fain sabe para que lado pular e onde cair. — Ele endireitou seus farrapos como se fossem roupas de festa. — Sempre soube, e sempre saberá. Viverei um longo tempo. Mais do que… — Subitamente seu rosto se contorceu e suas mãos agarraram a frente do casaco. — Eles queimaram minha carroça e todos os meus artigos. Não tinham motivo para isso, tinham? Não consegui chegar aos meus cavalos. Meus cavalos, mas aquele estalajadeiro velho e gordo trancou todos no estábulo. Precisei ser rápido para não cortarem minha garganta, e de que isso me valeu? Tudo que me restou é a roupa do corpo. Então, isso é justo? É?

— Seus cavalos estão a salvo no estábulo do Mestre al’Vere. O senhor pode pegá-los quando quiser. Se vier à estalagem comigo, tenho certeza de que Moiraine ajudará o senhor a voltar aos Dois Rios.

— Aaaaah! Ela… ela é a Aes Sedai, não é? — Um olhar desconfiado tomou o rosto de Fain. — Talvez, embora… — Fez uma pausa, lambendo nervosamente os lábios. — Por quanto tempo você vai ficar nesta… Como é mesmo? Do que você chamou? Cervo e Leão?

— Vamos embora amanhã — disse Rand. — Mas o que isso tem a ver com…

— Você não faz ideia — gemeu Fain —, com essa barriga cheia e uma boa noite de sono numa cama macia. Minhas botas estão arruinadas de tanto correr, e as coisas que eu tive de comer… — Ele contorceu o rosto. — Não quero ficar nem a milhas de distância de uma Aes Sedai — cuspiu as últimas palavras —, nem sequer a milhas e milhas, mas talvez tenha de ser assim. Não tenho escolha, tenho? Pensar nos olhos dela em mim, nela sabendo onde estou… — Ele estendeu a mão para Rand como se quisesse agarrá-lo pelo casaco, mas suas mãos pararam rapidamente, tremendo, e ele chegou a dar um passo para trás. — Prometa que você não vai contar a ela. Ela me apavora. Não é necessário contar a ela, não há motivo para que uma Aes Sedai sequer saiba que estou vivo. Você tem de me prometer. Você precisa!

— Eu prometo — disse Rand num tom apaziguador. — Mas não há razão para ter medo dela. Venha comigo. O mínimo que o senhor vai conseguir será uma refeição quente.

— Talvez. Talvez. — Fain esfregou o queixo, pensativo. — Amanhã, você disse? Nesse tempo… Você não vai esquecer sua promessa? Você não vai deixar que ela…?

— Eu não vou deixar que ela o machuque — disse Rand, perguntando-se como conseguiria impedir uma Aes Sedai de fazer o que quer que ela quisesse.

— Ela não vai me machucar — afirmou Fain. — Não vai, não. Eu não vou deixar. — Como um relâmpago, ele disparou e passou por Rand na direção da multidão.

— Mestre Fain! — gritou Rand. — Espere!

Ele saiu do beco bem a tempo de avistar um casaco esfarrapado desaparecendo na próxima esquina. Ainda gritando, ele foi atrás, fazendo a curva, desabalado. Só teve tempo de ver as costas de um homem antes de trombar nela e ambos caírem na lama.

— Por que você não olha por onde anda? — veio um resmungo debaixo dele, e Rand se levantou, surpreso.

— Mat?

Mat se sentou com um olhar furioso e começou a limpar a lama do manto com as mãos.

— Você deve estar mesmo virando um homem da cidade. Dorme a manhã inteira e sai atropelando os outros. — Levantando-se, ele olhou para as mãos enlameadas, depois resmungou e limpou-as no manto. — Escute, você nunca vai adivinhar quem eu acho que acabei de ver.

— Padan Fain — respondeu Rand.

— Padan Fa… Como é que você sabia?

— Eu estava falando com ele, mas ele fugiu.

— Então os Tro… — Mat parou para olhar ao redor, desconfiado, mas a multidão passava por eles sem sequer os notar. — Então eles não o pegaram. Eu me pergunto por que ele deixou Campo de Emond sem dizer nada daquele jeito. Provavelmente começou a correr na hora do ataque e não parou até chegar aqui. Mas por que ele estava fugindo agora?

Rand balançou a cabeça e desejou não ter feito isso. Teve a sensação de que ela ia cair.

— Não sei, só que ele tem medo de M… da Senhora Alys. — Toda essa história de ficar tomando cuidado com o que se dizia não era fácil. — Ele não quer que ela saiba que está aqui. Ele me fez prometer que não diria a ela.

— Bem, o segredo dele comigo está seguro — disse Mat. — Queria que ela não soubesse onde eu estou, também.

— Mat? — As pessoas ainda passavam apressadas por eles sem prestar a menor atenção, mas Rand abaixou a voz de qualquer maneira e curvou-se, aproximando-se mais. — Você teve um pesadelo ontem à noite? Sobre um homem que matava um rato?

Mat o encarou sem piscar.

— Você também? — disse, por fim. — E Perrin, suponho. Quase perguntei a ele hoje cedo, mas… Ele deve ter sonhado, sim. Sangue e cinzas! Agora alguém está fazendo a gente sonhar coisas. Rand, eu queria que ninguém soubesse onde eu estou.

— Havia ratos mortos por toda a estalagem esta manhã. — Rand não sentiu tanto medo quando disse isso quanto teria sentido mais cedo. Não estava sentindo quase nada. — As espinhas deles estavam quebradas. — Sua voz soou alta nos próprios ouvidos. Se estava ficando doente, poderia ter de recorrer a Moiraine. Estava surpreso pelo fato de que mesmo pensar no Poder Único sendo usado nele não o incomodava.

Mat respirou fundo, ajustando o manto, e olhou ao redor como se procurasse algum lugar aonde ir.

— O que está acontecendo com a gente, Rand? O quê?

— Não sei. Vou pedir conselho a Thom. Sobre se eu devo contar… a mais alguém.

— Não! Ela não. Talvez a ele, mas não a ela.

A rispidez com que Mat falou pegou Rand de surpresa.

— Então você acreditou nele? — Não precisou dizer de que “ele” estava falando; a expressão no rosto de Mat deixava claro que ele entendia.

— Não — disse Mat lentamente. — São as probabilidades, só isso. Se contarmos a ela e ele estiver mentindo, então talvez nada aconteça. Talvez. Mas talvez só o fato de ele estar nos nossos sonhos seja o bastante para… Não sei. — Ele parou para engolir em seco. — Se não contarmos a ela, talvez tenhamos mais sonhos. Ratos ou não, sonhos são melhores do que… Lembra da barca? Eu acho que a gente deve ficar quieto.

— Tudo bem. — Rand se lembrava da barca, e da ameaça de Moiraine também, mas de algum modo aquilo parecia ter acontecido muito tempo atrás. — Está certo.

— Perrin não vai dizer nada, vai? — continuou Mat, o nervosismo fazendo-o balançar-se na ponta dos pés. — Precisamos voltar para falar com ele. Se contar a ela, ela vai descobrir sobre todos nós. Pode apostar. Vamos. — Ele começou a andar energicamente no meio da multidão.

Rand ficou ali parado olhando para Mat até que este voltou e o agarrou. Com o toque em seu braço, Rand piscou e então seguiu o amigo.

— Qual é o seu problema? — perguntou Mat. — Vai dormir de novo?

— Acho que estou resfriado — disse Rand. Sua cabeça estava tensa como um tambor, e quase tão vazia quanto.

— Você pode tomar um pouco de canja de galinha quando chegarmos à estalagem — disse Mat, que não parou de falar enquanto percorriam as ruas lotadas. Rand se esforçava para ouvir, e até mesmo para dizer alguma coisa de vez em quando, mas era mesmo um esforço. Não estava cansado; não queria dormir. Só tinha a sensação de que estava flutuando. Depois de um tempo se viu contando a Mat sobre Min.

— Uma adaga com um rubi, hein? — disse Mat. — Gostei. Mas não entendi nada sobre o olho. Tem certeza de que ela não estava inventando isso tudo? A mim, parece que ela saberia o que significa isso tudo se fosse realmente uma vidente.

— Ela não disse que é vidente — disse Rand. — Acredito que ela veja mesmo coisas. Lembre-se: Moiraine estava falando com ela quando terminamos o banho. E ela sabe quem Moiraine é.

Mat franziu a testa para ele.

— Pensei que não pudéssemos dizer esse nome.

— Não — murmurou Rand. Ele esfregou a cabeça com ambas as mãos. Era tão difícil se concentrar em qualquer coisa…

— Acho que talvez você esteja mesmo doente — disse Mat, ainda franzindo a testa. Subitamente ele puxou Rand pela manga do casaco e o fez parar. — Olha só para eles.

Três homens usando placas peitorais e elmos cônicos de aço, polidos até brilharem como prata, abriam caminho pela rua na direção de Rand e Mat. Até mesmo a malha nos seus braços reluzia. Seus mantos compridos, de um branco impecável e bordados no peito esquerdo com um sol radiante dourado, por pouco não alcançavam a lama e as poças na rua. Suas mãos descansavam sobre os punhos das espadas, e eles olhavam ao redor como se vissem coisas que haviam acabado de se esgueirar de debaixo de troncos podres. Mas ninguém retribuía seu olhar. Ninguém nem sequer parecia reparar neles. Mesmo assim, os três não precisavam abrir caminho à força pela multidão; o burburinho se abria para ambos os lados dos homens de mantos brancos como se por acaso, deixando que caminhassem em um espaço aberto que se movia com eles.

— Você acha que eles são Filhos da Luz? — perguntou Mat em voz alta. Um passante olhou com cara feia para ele, depois apertou o passo.

Rand assentiu. Filhos da Luz. Mantos-brancos. Homens que odiavam as Aes Sedai. Homens que diziam às pessoas como viver, criando problemas para quem se recusava a obedecer. Se é que incendiar fazendas e coisa pior poderia ser chamado de algo tão suave quanto “problemas”. Eu devia estar com medo, pensou. Ou curioso. Alguma coisa, de qualquer maneira. Em vez disso, ficou olhando fixa e passivamente para eles.

— Eles não me parecem grande coisa — disse Mat. — No entanto, parecem cheios de si, não?

— Eles não importam — afirmou Rand. — A estalagem. Precisamos falar com Perrin.

— Como Eward Congar. Ele sempre teve nariz empinado, também. — Subitamente Mat sorriu, um brilho no olhar. — Lembra de quando ele caiu da Ponte das Carroças e teve de voltar para casa todo encharcado? Aquilo baixou a crista dele por um mês.

— O que isso tem a ver com Perrin?

— Está vendo aquilo? — Mat apontou para uma carroça repousando em suas traves num beco logo à frente dos Filhos. Uma única estaca segurava uma dezena de barris empilhados no seu fundo achatado. — Observe. — Rindo, ele saiu correndo para dentro da loja de um cuteleiro à esquerda deles.

Rand ficou olhando para ele, sabendo que deveria fazer alguma coisa. Aquela expressão nos olhos de Mat sempre significava a iminência de um de seus truques. Mas, estranhamente, ele se descobriu querendo ver o que Mat ia fazer. Algo lhe dizia que aquele sentimento estava errado, que era perigoso, mas ele sorriu com a expectativa assim mesmo.

Em um minuto, Mat apareceu acima dele, com meio corpo para fora de uma janela de sótão sobre o telhado da loja. Estava com a funda nas mãos, já começando a girar. Os olhos de Rand voltaram à carroça. Quase imediatamente ouviu-se um ruído forte de algo rachando, e a estaca que segurava os barris quebrou justo quando os Mantos-brancos passavam pelo beco, um ao lado do outro. As pessoas pularam para fora do caminho enquanto os barris rolavam pela carroça com um barulho oco e quicavam na rua, espadanando lama e água suja em todas as direções. Os três Filhos pularam com a mesma rapidez dos outros, seus ares de superioridade substituídos pela surpresa. Alguns passantes caíram, provocando mais espadanadas, mas os três se moveram com agilidade, evitando os barris facilmente. Contudo, não puderam evitar a lama que voou e respingou em seus mantos brancos.

Um homem barbudo com um avental comprido saiu apressadamente do beco, agitando os braços e gritando, zangado, mas bastou um olhar para os três tentando em vão sacudir a lama de seus mantos e ele voltou para o beco, ainda mais rápido do que havia saído dele. Rand olhou de relance para o telhado da loja; Mat havia sumido. Fora um tiro fácil para qualquer rapaz dos Dois Rios, mas o efeito fora certamente tudo que se poderia esperar. Ele não pôde deixar de rir; o humor parecia amortecido, envolto em lã, mas ainda assim era engraçado. Quando se virou de volta para a rua, os três Mantos-brancos olhavam diretamente para ele.

— Está achando graça, é? — O que falou se destacava um pouco à frente dos outros. Tinha um olhar arrogante, sem piscar, com uma luz nos olhos, como se soubesse algo importante que mais ninguém sabia.

A risada de Rand foi interrompida no meio. Ele e os Filhos estavam sozinhos com a lama e os barris. A multidão que havia pouco os rodeava tinha encontrado negócios urgentes dos quais tratar rua acima ou abaixo.

— O medo da Luz está segurando sua língua? — A raiva fazia o rosto estreito do Manto-branco contrair-se ainda mais. Ele olhou de relance, sem dar a mínima, para o punho da espada que despontava do manto de Rand. — Talvez você seja o responsável por isso, hein? — Ao contrário dos outros, ele tinha um nó dourado sob o sol radiante em seu manto.

Rand se moveu para cobrir a espada, mas em vez disso jogou o manto de volta sobre o ombro. No fundo, no fundo, ele se perguntava freneticamente o que estava fazendo, mas era um pensamento distante.

— Acidentes acontecem — disse ele. — Até mesmo com os Filhos da Luz.

O homem de cara estreita ergueu uma sobrancelha.

— Você é assim tão perigoso, jovem? — Ele não era muito mais velho que Rand.

— A marca da garça, Lorde Bornhald — avisou um dos outros.

O homem de cara estreita olhou novamente de relance para o punho da espada de Rand, onde a garça de bronze era evidente, e seus olhos se arregalaram por um momento. Então seu olhar subiu até o rosto de Rand, e ele bufou em sinal de desprezo.

— Ele é jovem demais. Você não é daqui, é? — perguntou friamente a Rand. — Você vem de onde?

— Acabei de chegar a Baerlon. — Um formigamento percorreu os braços e pernas de Rand. Ele se sentiu corar, quase quente. — Você conhece uma boa estalagem por aqui?

— Você evita minhas perguntas — retrucou Bornhald. — Que mal existe em você que você não me responde? — Seus companheiros se aproximaram e puseram-se um de cada lado dele, rostos duros e sem expressão. Apesar das manchas de lama em seus mantos, não havia mais nada de engraçado neles.

O formigamento tomou conta de Rand; o calor havia se transformado em febre. Ele queria rir, de tão bom que era. Uma vozinha na sua cabeça gritava que havia algo errado, mas ele só conseguia pensar em como se sentia cheio de energia, quase explodindo com ela. Sorridente, ele balançou o corpo apoiado nos calcanhares e esperou o que ia acontecer. Vagamente, de modo distante, ficou se perguntando o que seria.

O rosto do líder tornou-se ainda mais sombrio. Um dos outros puxou a espada o bastante para exibir uma polegada de aço e falou com uma voz que tremia de fúria.

— Quando os Filhos da Luz fazem perguntas, seu moleque de olho cinza, esperam uma resposta ou… — Ele parou quando o homem de cara estreita colocou um braço na frente de seu peito. Bornhald acenou com a cabeça rua acima.

A Guarda da Cidade havia chegado, uma dezena de homens usando capacetes redondos de aço e coletes de couro com rebites, carregando bastões como quem sabe usá-los. Eles estavam parados observando, em silêncio, a dez passos de distância.

— Esta cidade perdeu a Luz — grunhiu o homem que havia começado a puxar a espada. Ele ergueu a voz para gritar para a Guarda. — Baerlon jaz na Sombra do Tenebroso! — Com um gesto de Bornhald ele enfiou a lâmina de volta na bainha.

Bornhald voltou a atenção para Rand novamente. A luz do conhecimento brilhou nos seus olhos.

— Amigos das Trevas não nos escapam, jovem, mesmo numa cidade que jaz na Sombra. Nós vamos nos encontrar novamente. Pode ter certeza disso!

Ele girou nos calcanhares e foi embora, seus dois companheiros logo atrás, como se Rand tivesse cessado de existir. Por ora, pelo menos. Quando alcançaram a parte lotada da rua, o mesmo bolsão aparentemente acidental se abriu à frente deles como antes. Os homens da Guarda hesitaram, de olho em Rand, depois puseram os bastões em cima dos ombros e seguiram os três Mantos-brancos. Tiveram de forçar passagem pela multidão, gritando:

— Abram caminho para a Guarda! — Poucos saíram da frente, e mesmo assim quem o fez foi de má vontade.

Rand ainda se balançava nos calcanhares, esperando. O formigamento era tão forte que ele quase tremia; tinha a sensação de estar queimando.

Mat saiu da loja, olhando fixo para ele.

— Você não está doente — disse por fim. — Você está louco!

Rand respirou fundo, e subitamente tudo desapareceu como uma bolha estourada. Ele cambaleou, a percepção do que havia acabado de fazer tomando conta dele. Passando a língua pelos lábios, olhou nos olhos de Mat.

— Acho que é melhor voltarmos à estalagem agora — disse ele sem firmeza.

— Sim — concordou Mat. — Sim. Acho que é melhor.

A rua havia começado a se encher novamente, e mais de um passante encarou os dois rapazes e murmurou alguma coisa a um companheiro. Rand tinha certeza de que a história se espalharia. Um louco havia tentado começar uma briga com três Filhos da Luz. Isso era algo a se comentar. Talvez os sonhos estejam mesmo me deixando louco.

Os dois se perderam diversas vezes nas ruas tortuosas, mas depois de um tempo encontraram Thom Merrilin fazendo uma grandiosa procissão por conta própria no meio da massa. O menestrel disse que havia saído para esticar as pernas e tomar um pouco de ar fresco, mas sempre que alguém olhava duas vezes para seu manto colorido ele anunciava com uma voz ressoante:

— Estou na Cervo e Leão, esta noite apenas.

Foi Mat quem começou a contar a Thom, de maneira atabalhoada, sobre o sonho e a preocupação deles quanto a se deviam ou não contar a Moiraine, mas Rand entrou no meio da conversa, pois havia diferenças na forma exata de como eles se lembravam do sonho. Ou quem sabe cada sonho fosse um pouco diferente, pensou. No entanto, a principal parte dos sonhos era a mesma.

Eles não haviam avançado muito na história antes que Thom começasse a prestar total atenção neles. Quando Rand mencionou Ba’alzamon, o menestrel agarrou cada um deles pelo ombro com uma ordem para que segurassem a língua, ergueu-se na ponta dos pés para olhar por cima das cabeças da multidão e, em seguida, os levou apressadamente para fora da balbúrdia até um beco sem saída vazio, a não ser por alguns caixotes e um cão amarelo bem magro, encolhido para se proteger do frio.

Thom ficou olhando para a multidão, procurando alguém que por acaso tivesse parado para ouvi-los, antes de voltar sua atenção para Rand e Mat. Seus olhos azuis cravaram-se nos deles, desviando-se de vez em quando para vigiar a entrada do beco.

— Jamais digam esse nome onde estranhos possam ouvir. — A voz dele era baixa, mas tinha um tom de urgência. — Nem mesmo onde exista a mera possibilidade de um estranho ouvir. É um nome muito perigoso, mesmo onde não há Filhos da Luz vagando pelas ruas.

Mat bufou.

— Filhos da Luz… Eu é que sei… — disse ele com um olhar cínico para Rand.

Thom o ignorou.

— Se apenas um de vocês tivesse tido esse sonho… — Ele ficou puxando furiosamente o bigode. — Contem-me tudo que puderem se lembrar a respeito. Cada detalhe. — Ele continuou mantendo sua cautelosa vigilância enquanto ouvia.

— …ele citou os homens que disse que haviam sido usados — contou Rand por fim. Achava que já tinha dito tudo o mais. — Guaire Amalasan. Raolin Algoz-das-trevas.

— Davian — acrescentou Mat antes que o outro pudesse prosseguir. — E Yurian Arco-de-pedra.

— E Logain — concluiu Rand.

— Nomes perigosos — murmurou Thom. Seus olhos pareciam perfurá-los com ainda mais intensidade do que antes. — Quase tão perigosos quanto aquele outro, de um jeito ou de outro. Todos mortos agora, com exceção de Logain. Alguns, mortos há muito tempo. Raolin Algoz-das-trevas, há quase dois mil anos. Mas perigosos mesmo assim. É melhor que vocês não os pronunciem em voz alta, mesmo sozinhos. A maioria das pessoas não reconheceria nenhum deles, mas se a pessoa errada ouvir…

— Mas quem foram eles? — perguntou Rand.

— Homens — murmurou Thom. — Homens que fizeram tremer os pilares do céu e abalaram as fundações do mundo. — Ele sacudiu a cabeça. — Não importa. Esqueçam-se deles. Agora são pó.

— Eles… eles foram usados, como ele disse? — perguntou Mat. — E mortos?

— Pode-se dizer que a Torre Branca os matou. Pode-se dizer isso. — A boca de Thom se crispou por um momento, e depois ele sacudiu a cabeça novamente. — Mas usados…? Não, não consigo ver isso. A Luz sabe que o Trono de Amyrlin tece muitas tramas, mas isso eu não consigo ver.

Mat estremeceu.

— Ele disse tantas coisas. Coisas loucas. Tudo aquilo sobre Lews Therin, o Fratricida, e Artur Asa-de-gavião. E o Olho do Mundo. O que, pela Luz, é isso, afinal?

— Uma lenda — disse o menestrel lentamente. — Talvez. Uma lenda tão grande quanto a Trombeta de Valere, pelo menos nas Terras da Fronteira. Lá em cima, os jovens saem à caça do Olho do Mundo como os jovens de Illian caçam a Trombeta. Talvez seja uma lenda.

— O que vamos fazer, Thom? — perguntou Rand. — Contamos a ela? Não quero ter mais sonhos como esse. Talvez ela possa fazer alguma coisa.

— Talvez a gente não goste do que ela possa fazer — grunhiu Mat.

Thom os estudou, pensando e cofiando o bigode com o nó de um dedo.

— Eu digo que vocês devem ficar calmos — sugeriu ele finalmente. — Não contem a ninguém, pelo menos por enquanto. Vocês sempre podem mudar de ideia, se for preciso, mas assim que contarem acabou, e vocês estarão mais amarrados do que nunca a… a ela. — Subitamente ele se endireitou, seu andar curvado quase desaparecendo. — O outro rapaz! Vocês disseram que ele teve o mesmo sonho? Será que ele tem bom senso suficiente para manter a boca fechada?

— Acho que sim — disse Rand ao mesmo tempo que Mat explicava:

— Estávamos voltando à estalagem para avisá-lo.

— A Luz permita que não cheguemos tarde demais! — Manto drapejando em torno dos tornozelos, Thom saiu a passos largos do beco, olhando para trás sem se deter. — Então? Seus pés estão grudados ao chão?

Rand e Mat correram atrás dele, mas Thom não esperou que eles o alcançassem. Dessa vez ele não parou para as pessoas que olhavam seu manto, nem aqueles que o saudavam como menestrel. Abriu caminho pelas ruas lotadas como se elas estivessem vazias, Rand e Mat quase correndo para segui-lo. Em muito menos tempo do que Rand esperava, estavam chegando à Cervo e Leão.

Assim que chegaram, Perrin veio correndo, tentando jogar seu manto por cima dos ombros. Quase caiu em seu esforço para não dar de cara com eles.

— Eu estava indo à procura de vocês dois — disse, ofegante, depois de recuperar o equilíbrio. Rand o agarrou pelo braço.

— Você contou a alguém a respeito do sonho?

— Diga que não — pediu Mat.

— É muito importante — disse Thom.

Perrin olhou para eles, confuso.

— Não, não contei. Só saí da cama há uma hora. — Seus ombros curvaram-se. — Ganhei uma dor de cabeça tentando não pensar nisso, que dirá se falasse a respeito. Por que vocês contaram a ele? — Indicou o menestrel com um gesto de cabeça.

— Precisávamos contar a alguém ou íamos enlouquecer — disse Rand.

— Eu explico mais tarde — acrescentou Thom com um olhar significativo para as pessoas que entravam e saíam da Cervo e Leão.

— Está certo — respondeu Perrin devagar, ainda parecendo confuso. — Subitamente, deu um tapa na própria testa. — Vocês quase me fizeram esquecer por que estava procurando vocês. Não que eu não quisesse esquecer… Nynaeve está aí dentro.

— Sangue e cinzas! — gritou Mat. — Como foi que ela chegou aqui? Moiraine… a barca…

Perrin resfolegou.

— Você acha que uma coisinha de nada como uma barca afundada deteria Nynaeve? Ela encontrou Torrealta… Não sei como ele atravessou o rio de volta, mas ela disse que ele estava se escondendo em seu quarto e não queria nem chegar perto da água… de qualquer maneira, ela o forçou a encontrar um barco grande o bastante para ela e seu cavalo e a levá-la até o outro lado remando. Ele mesmo. Ela só lhe deu tempo para encontrar um de seus puxadores para usar outro par de remos.

— Luz! — Mat soltou o ar.

— O que ela está fazendo aqui? — Rand quis saber. Mat e Perrin dirigiram a ele um olhar de desdém.

— Veio atrás da gente — disse Perrin. — Ela está com… com a Senhora Alys neste instante, e o frio lá dentro é bastante para fazer nevar.

— Será que a gente não podia simplesmente ir para algum outro lugar por um tempo? — sugeriu Mat. — Meu pai diz que só um tolo põe a mão num vespeiro sem que isso seja absolutamente necessário.

Rand interrompeu.

— Ela não pode obrigar a gente a voltar. A Noite Invernal deveria ter sido o bastante para fazê-la enxergar isso. Se não, vamos ter de fazê-la enxergar.

Mat erguia as sobrancelhas mais alto a cada palavra e, quando Rand terminou, ele deixou escapar um assovio baixinho.

— Você já tentou fazer Nynaeve enxergar alguma coisa que ela não queira? Eu já. Sugiro que a gente fique longe até a noite, e só então entre de fininho.

— Pelo que pude observar da jovem — disse Thom —, não acho que ela vá desistir até ter dito o que tem a dizer. Se não deixarem que ela faça isso logo, poderá continuar até atrair uma atenção que nenhum de nós deseja.

Isso bastou para que se detivessem. Trocaram olhares, respiraram fundo e marcharam para dentro como se fossem enfrentar Trollocs.

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