45 Depois da tempestade

Sentado em um pequeno pedregulho no pé da encosta, Mat se encolheu ao puxar o chapéu de aba larga para baixo e, assim, evitar o sol da manhã. Em parte, para proteger os olhos da luz. Havia outra coisa que não queria ver, apesar de os cortes e machucados não o deixarem esquecer — principalmente o talho de flecha ao longo da têmpora, pressionado pelo chapéu. Um unguento dos alforjes de Daerid estancara o sangramento no local e nas outras partes do corpo, mas tudo ainda doía, e a maioria das lesões ardia. Essa parte ainda pioraria. O calor do dia só estava começando a apertar, mas o suor formava gotículas em seu rosto e já umedecia as roupas de baixo e a camisa. Mat se perguntou se o outono algum dia chegaria a Cairhien. Pelo menos o desconforto evitava que ficasse pensando no quanto estava cansado. Mesmo após uma noite insone — não conseguiria dormir nem em uma cama de penas, e menos ainda em cobertores no chão. Não que Mat quisesse voltar para perto de sua tenda, de qualquer modo.

Que bela de uma maldita confusão. Quase morto, suando feito um porco, sem conseguir encontrar um lugar confortável para esticar as pernas, e sem poder nem ousar ficar bêbado. Sangue e malditas cinzas! Parou de passar o dedo por um talho no casaco que percorria toda a extensão do peito — uma polegada de diferença e aquela lança teria lhe atravessado o coração; Luz, o sujeito era bom! — e afastou do pensamento aquela parte da história. Não que fosse fácil, com tudo que estava acontecendo ao redor.

Pela primeira vez, tairenos e cairhienos não pareciam se importar de ver tendas Aiel por todos os lados. Havia Aiel até no próprio acampamento, e, em um milagre quase tão grande quanto, tairenos se misturavam a cairhienos em meio às fogueiras fumacentas. Não que alguém ali estivesse comendo. As chaleiras não haviam sido postas no fogo, embora Mat sentisse o cheiro de carne assando em algum lugar. Em vez disso, a maioria estava tão bêbada de vinho, conhaque ou do oosquai Aiel quanto possível, gargalhando e comemorando. Perto de onde Mat estava sentado, uma dezena de Defensores da Pedra trajando apenas camisas suadas de manga curta dançava ao som das palmas de dez vezes mais espectadores. Em fila, uns com os braços nos ombros dos outros, dançavam em passos tão velozes que era incrível que nenhum tropeçasse ou chutasse o homem ao lado. Em outro círculo de espectadores próximos a um poste de dez pés — Mat tratou de logo desviar os olhos —, o mesmo número de Aiel estava se divertindo à sua maneira. Mat presumiu que fosse uma dança, já que outro Aiel tocava foles para eles. Saltavam o mais alto que podiam, lançavam um dos pés ainda mais para cima e então pousavam com aquele mesmo pé, voltando a saltar imediatamente, cada vez mais rápido, por vezes rodopiando em pleno ar feito peões, ou dando cambalhotas e mortais para trás. Sete ou oito tairenos estavam sentados tratando de ossos que haviam quebrado ao tentar os movimentos, mas sempre celebrando e gargalhando ensandecidos, passando e repassando um jarro de pedra contendo algum líquido. Em outros pontos, mais homens dançavam e talvez cantavam. Com tanto alvoroço, era difícil dizer. Sem o menor esforço, Mat contou dez flautas, isso sem falar no dobro de flautins, além de um cairhieno magricela com um casaco esfarrapado que tocava um instrumento que parecia metade flauta, metade trompa, com alguns outros formatos estranhos aqui e ali. E havia incontáveis tambores, a maior parte meras panelas golpeadas com colheres.

Em resumo, o acampamento era uma mistura de baile e bagunça. Mat reconhecia a situação, principalmente das memórias que, caso se concentrasse o suficiente, ainda era capaz de atribuir a outros homens. Uma celebração por terem sobrevivido. Uma vez mais, haviam andado nas barbas do Tenebroso e vivido para contar. Mais uma dança no fio da navalha que se encerrava. Quase mortos na véspera, talvez mortos amanhã, mas, naquele dia, vivos, gloriosamente vivos. Mat não estava no clima de celebrações. Para que servia estar vivo, se isso significava viver em uma gaiola?

Balançou a cabeça quando Daerid, Estean e um Aiel ruivo e compacto passaram, trôpegos, um se apoiando no outro. Mal audíveis em meio a todo aquele clamor, Daerid e Estean se revezavam tentando ensinar ao homem mais alto a letra de “Dançando com Jak das Sombras”.

— O dia todo beber, a noite inteira cantar

e com as garotas moedas gastar.

E quando tudo acabar, ir dançar

com Jak das Sombras.

O sujeito bronzeado não demonstrava o menor interesse em aprender, claro — só aprenderia se os dois o convencessem de que se tratava de um hino de guerra —, mas ouvia, e não era o único. Quando os três saíram de vista, em meio à multidão que se amontoava, já estavam sendo seguidos por outros vinte homens balançando copos amassados e canecas de couro, todos berrando a canção a plenos pulmões.

— Eu também gosto de cerveja e de vinho,

e de garotas com um belo sorriso,

mas meu maior prazer, infinito,

é dançar com Jak das Sombras.

Mat queria nunca ter ensinado a canção a nenhum deles. Mas ensiná-la manteve sua mente ocupada enquanto Daerid impedia que ele sangrasse até a morte. Aquele unguento ardia tanto quanto os próprios cortes, e as habilidades de Daerid com a agulha e a linha jamais deixariam costureira nenhuma com inveja. Só que a canção se espalhara entre aqueles primeiros doze homens como fogo em vegetação seca. A cavalo e a pé, tairenos e cairhienos estavam cantando-a quando retornaram, ao nascer do dia.

Retornaram. De volta para o vale em meio às colinas de onde haviam partido, sob as ruínas da torre de madeira, e sem nenhuma chance de ir embora. Mat tinha se oferecido para ir cavalgando à frente, e Talmanes e Nalesean quase saíram no tapa para decidir quem lhe serviria de escolta. Nem todos haviam se tornado melhores amigos. Só faltava Moiraine aparecer para fazer perguntas sobre onde ele tinha estado e por quê, dando sermão sobre ta’veren e seus deveres, sobre o Padrão e Tarmon Gai’don, até deixá-lo tonto. Ela estava com Rand, sem dúvida, mas acabaria vindo atrás de Mat.

Ergueu os olhos para o topo da colina e o emaranhado de troncos destruídos entre as árvores quebradas. Aquele cairhieno que confeccionara as lunetas para Rand estava lá em cima, fuçando tudo com seus aprendizes. Os Aiel já não queriam mais saber daquilo. Com certeza já passava da hora de Mat ir embora. O medalhão com a cabeça de raposa o protegia de mulheres canalizando, mas Mat já ouvira o bastante de Rand para saber que era diferente quando um homem canalizava. Não tinha interesse em descobrir se o objeto o protegeria de Sammael e sua laia.

Fazendo caretas a cada pontada de dor, ele usou a lança de cabo preto como apoio ao ficar de pé. Ao seu redor, a comemoração continuava. Se ele partisse em direção às fileiras de lanças… Não estava ansioso para encilhar Pips.

— O herói não deve se sentar sem beber.

Levando um susto e grunhindo por conta das pontadas de dor, Mat se virou para encarar Melindhra. Ela trazia um grande jarro de barro em uma das mãos em vez de uma lança, e o rosto estava sem véu, mas os olhos pareciam analisá-lo.

— Escute, Melindhra. Eu posso explicar.

— Explicar o quê? — perguntou ela, passando o braço livre pelos ombros de Mat. Mesmo com o choque repentino, ele tentou manter a postura ereta. Ainda não estava acostumado a ter de olhar para cima para falar com uma mulher. — Eu sabia que você iria procurar sua própria honra. O Car’a’carn projeta uma grande sombra, mas homem nenhum deseja passar toda a vida na penumbra.

Fechando a boca depressa, ele ainda conseguiu murmurar:

— Claro. — Então ela não ia tentar matá-lo. — É exatamente isso.

Aliviado, tomou o jarro da mão dela e sorveu sofregamente, mas quase cuspiu. Aquele era o conhaque de destilação dupla mais puro que ele já havia provado.

Melindhra retomou o jarro por tempo suficiente para beber um gole, então suspirou, agradecida, e o empurrou de volta para Mat.

— Ele era um homem de muita honra, Mat Cauthon. Seria melhor tê-lo capturado, mas, mesmo matando-o, você adquiriu muito ji. Você fez bem em ter ido atrás dele.

A contragosto, Mat olhou para o que estivera evitando encarar e estremeceu. Uma tira de couro prendia a cabeça de Couladin pelos cabelos ruivos no alto do poste perto de onde os Aiel dançavam. Aquele troço parecia sorrir. Para ele.

Ter ido atrás de Couladin? Mat fizera o possível para manter os piqueiros entre ele e qualquer Shaido. Mas aquela flecha lhe tosquiara a lateral da cabeça e, antes mesmo que percebesse, já estava no chão, lutando para se pôr de pé, cercado pelo combate furioso. Usara a lança com a marca do corvo para atacar tudo que o cercava enquanto tentava dar um jeito de voltar para Pips. Couladin surgira do nada, o rosto velado, pronto para matar, mas não havia como confundir aqueles braços nus enlaçados com Dragões em dourado e vermelho. O homem andara fazendo um grande estrago nos piqueiros, usando as próprias lanças, enquanto berrava para que Rand aparecesse e que ele era o verdadeiro Car’a’carn. Talvez acreditasse mesmo nisso, àquela altura. Mat ainda não sabia se Couladin o reconhecera ou não, mas isso não tinha feito nenhuma diferença, não quando o sujeito decidiu passar por cima dele para chegar até Rand. Ele também não sabia quem havia decapitado Couladin, depois da luta.

Eu estava ocupado demais tentando sobreviver para assistir, pensou, com amargura. E torcendo para que não sangrasse até a morte. Nos tempos de Dois Rios, ele fora tão habilidoso no manejo de um cajado quanto qualquer outro, e um cajado não era tão diferente de uma lança, mas Couladin já devia ter nascido com aquelas coisas nas mãos. Claro que, no fim das contas, aquela habilidade toda não adiantara de muita coisa. Talvez eu ainda tenha um pouco de sorte. Por favor, Luz, faça com que ela apareça agora!

Estava pensando em como se livrar de Melindhra para que pudesse encilhar Pips quando Talmanes se apresentou com uma reverência formal, a mão sobre o coração à moda cairhiena.

— Que a sorte lhe sorria, Mat.

— E a você — respondeu Mat, distraído.

Melindhra não iria embora só com um pedido. Pedir certamente seria como pôr uma raposa no galinheiro. Talvez se dissesse a ela que queria dar uma cavalgada… Diziam que os Aiel conseguiam correr mais rápido que cavalos.

— Uma delegação chegou da cidade durante a noite. Haverá uma procissão triunfal para o Lorde Dragão como agradecimento, da parte de Cairhien.

— Ah, é?

A droga da mulher tinha de ter algum tipo de tarefa a fazer. As Donzelas estavam sempre em torno de Rand. Talvez ela fosse convocada para fazer isso. Olhando para Melindhra, no entanto, ele achou que seria melhor não contar com aquilo. O sorriso largo dela era… possessivo.

— A delegação era do Grão-lorde Melian — informou Nalesean, juntando-se à conversa. Sua reverência foi igualmente formal, com os braços se abrindo, mas apressada. — É ele quem está oferecendo a procissão ao Lorde Dragão.

— Lorde Dobraine, Lorde Maringil e Lady Colavaere, entre outros, também procuraram o Lorde Dragão.

Mat se concentrou de novo no presente. Os dois fidalgotes tentavam, cada um fingir que o outro não existia — ambos encarando apenas Mat, sem nem esboçar um olhar para o lado —, mas a tensão deixava seus rostos tão constritos quanto as vozes, as mãos com as juntas esbranquiçadas nos punhos da espada. Se os dois saíssem no tapa, seria como fechar tudo aquilo com chave de ouro, e com Mat provavelmente ainda tentando dar um jeito de ficar de fora quando um deles o acertasse por acaso.

— Que diferença faz quem mandou uma delegação, desde que Rand tenha a procissão dele?

— Faz diferença porque você deveria solicitar a ele nosso lugar de direito bem à frente — respondeu Talmanes, mais do que depressa. — Você matou Couladin e conquistou essa posição para nós. — Nalesean fechou a boca e fez uma careta. Ficou claro que ele estivera a ponto de dizer o mesmo.

— Tratem vocês dois de pedir — devolveu Mat. — Não tenho nada a ver com isso.

Melindhra apertou sua nuca, mas Mat não se importou. Moiraine decerto estava com Rand. Ele não queria enfiar o pescoço em um segundo laço enquanto ainda descobria como sair do primeiro.

Talmanes e Nalesean ficaram de queixo caído, como se Mat fosse demente.

— Você é nosso líder nessa batalha — protestou Nalesean. — Nosso general.

— Meu criado vai lustrar suas botas — emendou Talmanes, com um sorrisinho que ele tomou o cuidado de não dirigir ao taireno de rosto quadrado —, e vai esfregar e remendar suas roupas. Assim, sua aparência estará impecável.

Nalesean alisou a barba oleada, os olhos disparando em direção ao outro homem antes que conseguisse freá-los.

— Se me permite oferecer, tenho um bom casaco que acredito que lhe cairá bem. De cetim dourado e carmesim. — Foi a vez do cairhieno encará-lo.

— General! — exclamou Mat, usando o cabo da lança para se manter de pé. — Não sou nenhum maldito… Quer dizer, eu não quero usurpar seu lugar de direito. — Eles que decidissem a qual dos dois Mat se referia.

— Que minha alma queime — indignou-se Nalesean —, foi sua habilidade no combate que garantiu nossa vitória e nos manteve vivos. Sem falar na sua sorte. Já ouvi falar sobre como você sempre vira a carta certa, mas foi mais que isso. Eu o seguiria mesmo que você jamais tivesse conhecido o Lorde Dragão.

— Você é nosso líder — reafirmou Talmanes logo depois, com uma voz mais sóbria, ainda que não menos segura. — Até ontem, segui homens de outras terras porque precisei. No seu caso, eu o sigo porque quero. Talvez você não seja um lorde em Andor, mas, aqui, afirmo que é, e me comprometo a ser um de seus homens.

O cairhieno e o taireno se entreolharam como se estivessem assustados por externar o mesmo sentimento, e então, devagar, com relutância, trocaram breves meneios. Mesmo não se gostando — e só um tolo apostaria no contrário —, podiam concordar com aquele ponto. Em algum nível.

— Vou mandar meu cavalariço preparar seu cavalo para a procissão — informou Talmanes, que mal franziu o rosto quando Nalesean prosseguiu:

— O meu pode dividir o trabalho. Sua montaria deve nos deixar orgulhosos. E que a minha alma queime, mas precisamos de um estandarte. O seu estandarte. — Ao ouvir aquilo, o cairhieno aquiesceu de maneira enfática.

Mat não tinha certeza se gargalhava histericamente ou se simplesmente se sentava e chorava. Aquelas malditas memórias. Não fosse por elas, teria continuado a cavalgar. Não fosse por Rand, não teria nada daquilo. Era capaz de identificar cada passo que o levara ali; cada um deles parecera necessário e sem perspectivas, mas todos levaram inevitavelmente ao seguinte. No começo de tudo estava Rand. E o maldito ta’veren. Mat não entendia por que fazer algo absolutamente necessário e tão inofensivo quanto possível sempre parecia afundá-lo ainda mais no atoleiro. Melindhra começara a alisar sua nuca, em vez de apertá-la. Tudo o que ele precisava, agora…

Mat ergueu os olhos para a colina, e lá estava ela: Moiraine, em sua égua branca de passadas delicadas, com Lan em seu garanhão negro, erguendo-se feito uma torre ao lado dela. O Guardião se inclinou na direção da mulher, como que para ouvi-la, e os dois pareceram ter uma breve discussão, com o homem protestando firmemente, mas, após um momento, a Aes Sedai puxou as rédeas de Aldieb e a fez dar a volta, cavalgando para fora de vista em direção à encosta contrária. Lan permaneceu onde estava, montado em Mandarb, observando o acampamento abaixo. Observando Mat.

Mat estremeceu. A cabeça de Couladin realmente parecia sorrir para ele. Quase ouvia a voz do homem. Você pode até ter me matado, mas enfiou seu pé em cheio na armadilha. Estou morto, mas você nunca será livre.

— Mas que maravilha — resmungou, dando um gole longo e sufocante no forte conhaque. Talmanes e Nalesean pareceram pensar que ele falara sinceramente, e Melindhra gargalhou em concordância.

Uns cinquenta ou mais tairenos e cairhienos haviam se reunido para assistir à sua conversa com os dois lordes, e entenderam aquela golada como um sinal para que lhe fizessem uma serenata, à qual deram início com versos que eles mesmos tinham inventado:

— Lançar os dados e vê-los rodar,

Altas ou baixas, garotas amar

Seguir o jovem Mat quando ele chamar

E dançar com Jak das Sombras.

Mat não conseguiu conter uma gargalhada. Tornou a se acomodar no pedregulho e tratou de esvaziar o jarro. Devia haver um jeito de sair dali. Devia.


Rand abriu os olhos bem devagar, encarando o teto da tenda. Estava nu debaixo de um único cobertor. A ausência de dor foi quase preocupante, ainda que se sentisse mais fraco do que se lembrava. E ele lembrava. Dissera coisas, pensara… Sentiu um calafrio. Não posso deixar que ele assuma o controle. Eu sou eu! Eu! Mexendo-se sob o cobertor, encontrou a suave cicatriz redonda na lateral do corpo, sensível, porém fechada.

— Moiraine Sedai Curou você — disse Aviendha, assustando-o.

Não a vira sentada de pernas cruzadas nos tapetes perto da fogueira, bebericando de um copo de prata entalhado com leopardos. Asmodean estava estirado nas almofadas borladas, o queixo apoiado nos braços. Nenhum dos dois aparentava ter dormido. Ambos estavam com olheiras profundas.

— Isso não deveria ter sido necessário — prosseguiu Aviendha, com voz tranquila.

Cansada ou não, o cabelo estava arrumado, e as roupas limpas faziam enorme contraste com o veludo escuro amarrotado de Asmodean. De vez em quando, ela girava distraidamente o bracelete de marfim entalhado com rosas e espinhos que ele lhe dera. Também estava usando o colar com o floco de neve de prata. Ainda não dissera a Rand quem lhe dera aquilo, embora parecesse se divertir ao perceber que ele fazia muita questão de saber. Mas ela certamente não parecia estar se divertindo agora.

— A própria Moiraine Sedai estava a ponto de desmaiar de tanto Curar os feridos. Aan’allein precisou carregá-la para a tenda. Por sua causa, Rand al’Thor. Porque Curar você sugou as últimas forças dela.

— A Aes Sedai já está de pé — avisou Asmodean, suprimindo um bocejo. O homem ignorou o olhar penetrante de Aviendha. — Já esteve aqui duas vezes desde o nascer do sol, embora tenha dito que você se recuperaria. Acho que ontem à noite ela não tinha tanta certeza. Nem eu. — Ele puxou a harpa dourada para o colo e distraiu-se com ela, falando em um tom displicente: — Eu fiz o que pude por você, claro. Minha vida e minha fortuna estão atadas às suas, mas meus talentos não estão exatamente na Cura, você sabe. — O homem dedilhou algumas notas para demonstrar. — Sei que um homem pode acabar se matando ou amansando a si mesmo fazendo o que você fez. Ter força com o Poder é inútil se o corpo estiver exaurido. Saidin pode matar fácil caso o corpo esteja exausto. Foi o que ouvi dizer.

— Terminou de compartilhar sua sabedoria, Jasin Natael? — O tom de voz de Aviendha foi ainda mais gélido, e ela não esperou por uma resposta antes de desviar o olhar de gelo azul-esverdeado de volta para Rand. Parecia que a interrupção fora culpa dele. — Um homem às vezes pode se comportar como um tolo, e isso não tem tanto problema, mas um chefe deve ser mais que um homem, e o chefe dos chefes, mais ainda. Você não tinha o direito de se forçar até quase a morte. Egwene e eu tentamos fazer você vir conosco quando ficamos cansadas demais para continuar, mas você não deu ouvidos. Até pode ser muito mais forte do que nós duas, como Egwene diz, mas, ainda assim, é feito de carne e osso. Você é o Car’a’carn, não um novo Seia Doon em busca de honra. Você tem toh, uma obrigação para com os Aiel, Rand al’Thor, e não há como cumpri-la se estiver morto. Você não pode fazer tudo sozinho.

Por um momento, a única coisa que ele pôde fazer foi ficar boquiaberto. Mal fizera qualquer coisa, deixara a batalha para outras pessoas enquanto andava aos tropeções tentando ser útil. Não fora capaz nem de impedir que Sammael atacasse quando e como quisesse. E ela o repreendia por exagerar.

— Vou tentar lembrar — respondeu, por fim. Mesmo assim, Aviendha parecia pronta para mais sermões. — Alguma novidade sobre os Miagoma e os outros três clãs? — indagou, tanto para desviá-la do assunto quanto porque de fato queria saber. Mulheres raramente se mostravam dispostas a parar antes de esmagar o oponente, a menos que fossem distraídas.

Funcionou. Ela estava ansiosa para contar o que sabia, claro, tanto quanto para dar broncas. O dedilhar suave de Asmodean — para variar, algo agradável, até pastoril — criou um estranho pano de fundo para as palavras dela.

Os Miagoma, os Shiande, os Daryne e os Codarra estavam acampados um à vista do outro a algumas milhas a leste. Um fluxo constante de homens e Donzelas andava entre os acampamentos, incluindo o de Rand, mas apenas entre sociedades, e Indirian e os demais chefes não se moviam. Já não havia dúvida de que acabariam aderindo a Rand, mas não antes de as Sábias terminarem suas conversas.

— Ainda estão conversando? — perguntou Rand. — Pela Luz, o que elas têm para discutir que demora tanto? Os chefes estão vindo para aderir a mim, não a elas.

Aviendha lhe lançou um olhar sério digno dos de Moiraine.

— As palavras das Sábias são para as Sábias, Rand al’Thor. — Ela hesitou e completou, como se fizesse uma concessão: — Egwene talvez lhe conte alguma coisa. Quando tiverem acabado. — Seu tom de voz também insinuava que Egwene talvez não dissesse nada.

Ela resistiu às tentativas dele de descobrir mais e, por fim, Rand deixou para lá. Talvez acabasse descobrindo antes que o afetasse, talvez não, mas, de qualquer maneira, não arrancaria de Aviendha nenhuma palavra que ela não quisesse falar. As Sábias Aiel não perdiam em nada para as Aes Sedai quando o assunto era guardar segredos e se cercar de mistérios. Aviendha vinha absorvendo muito bem aquela lição em particular.

A presença de Egwene na reunião das Sábias foi uma surpresa, bem como a ausência de Moiraine — Rand esperaria vê-la no meio de tudo, mexendo os pauzinhos para favorecer seus planos — , mas o fato era que uma coisa era consequência da outra. As Sábias recém-chegadas quiseram se reunir com uma das Aes Sedai que seguiam o Car’a’carn, e, embora ela já tivesse se recuperado de tê-lo Curado, Moiraine afirmara não ter tempo. Egwene fora arrancada dos cobertores para substituí-la.

Aquilo fez Aviendha gargalhar. Estivera por perto quando Sorilea e Bair praticamente arrastaram Egwene da tenda, tentando enfiar as roupas nela enquanto a levavam às pressas.

— Eu vi a cena e gritei que dessa vez ela teria que cavar buracos no chão com a boca se estivesse para ser punida por alguma desobediência, e Egwene estava com tanto sono que acreditou. Começou a reclamar que não faria nada disso, e reclamou tanto que Sorilea quis saber o que ela tinha feito para achar que merecia um castigo. Você tinha que ter visto a cara da Egwene. — Aviendha gargalhou tanto que quase caiu.

Asmodean a encarava com desconfiança — embora o motivo para isso, sendo ele o que e quem era, estivesse além da compreensão de Rand —, mas Rand apenas esperou pacientemente até ela recuperar o fôlego. Para o humor Aiel, aquilo não era nada. O tipo de coisa que ele teria esperado mais de Mat que de qualquer mulher, mas, ainda assim, nada.

Quando ela se endireitou, enxugando os olhos, ele disse:

— Então, e os Shaido? Ou as Sábias deles também estão neste conclave?

Aviendha respondeu ainda dando risinhos contra o copo de vinho. Considerava os Shaido caso encerrado, algo de que já mal valia a pena falar. Milhares de pessoas haviam sido feitas prisioneiras, umas últimas ainda estavam sendo trazidas aos poucos, e os confrontos estavam encerrados, exceto por algumas pequenas escaramuças aqui e ali. Porém, quanto mais ele extraía dela, menos via os Shaido como página virada. Com os quatro clãs mantendo Han ocupado, o grosso do povo de Couladin cruzara o Gaelin em boas condições, até levando consigo a maior parte dos prisioneiros cairhienos que haviam capturado. Pior, tinham destruído as pontes de pedra ao passar.

Aquilo não preocupava Aviendha, mas a ele, sim. Dezenas de milhares de Shaido ao norte do rio, nenhuma maneira de chegar a eles até que as pontes fossem reconstruídas, e até usando madeira isso levaria tempo. Um tempo que Rand não tinha.

Quando parecia que já não havia mais nada a ser dito do assunto, Aviendha lhe contou algo que fez com que Rand se esquecesse da preocupação com os Shaido e dos problemas que poderiam causar. Ela mencionou casualmente, como se já tivesse quase esquecido.

— Mat matou Couladin? — perguntou ele, incrédulo, quando ela terminou. — Mat?

— Não foi isso que eu disse? — As palavras foram ásperas, mas não muito. Espiando-o por cima do copo de vinho, ela parecia mais interessada em como ele assimilaria a novidade do que se estava duvidando de suas palavras.

Asmodean dedilhou alguns acordes de uma marcha. A harpa parecia ressoar tambores e trompetes.

— De certa maneira, ele é um jovem tão surpreendente quanto você. Eu realmente não vejo a hora de conhecer o terceiro de vocês, o tal de Perrin.

Rand balançou a cabeça. Então Mat não escapara da atração que um ta’veren exercia sobre outro, no fim das contas. Ou talvez tivesse sido o Padrão que o apanhara, já que ele próprio era ta’veren. De um jeito ou de outro, suspeitava que Mat não estivesse muito feliz naquele exato momento. Não aprendera a lição. Quando a pessoa tentava fugir, o Padrão o puxava de volta, frequentemente com violência. Quando corria na direção em que a Roda tecia, às vezes era possível ter algum controle sobre a própria vida. Às vezes. Com sorte, talvez mais controle do que o esperado, ao menos a longo prazo. Mas Rand tinha preocupações mais urgentes que Mat ou os Shaido.

Uma olhadela para a entrada lhe mostrou que o sol estava bem alto, embora tudo o que visse além disso fosse duas Donzelas agachadas junto à porta, as lanças atravessadas sobre os joelhos. Uma noite toda e a maior parte de uma manhã com ele inconsciente, e Sammael ou não tinha tentado encontrá-lo ou não tinha conseguido.

Rand foi cuidadoso ao usar aquele nome, mesmo só para si, apesar de outro começar a flutuar no fundo de seu pensamento: Tel Janin Aellinsar. História nenhuma o registrava, nenhum fragmento da biblioteca de Tar Valon. Moiraine lhe contara tudo o que as Aes Sedai sabiam sobre os Abandonados, e era pouco mais do que o narrado nas histórias. Até Asmodean sempre se referira a ele como Sammael, ainda que por outro motivo. Muito antes do término da Guerra da Sombra, os Abandonados haviam adotado os nomes pelos quais passaram a ser conhecidos, como se fossem símbolos do renascimento na Sombra. O nome verdadeiro do próprio Asmodean, Joar Addam Nessosin, o fazia vacilar, e ele afirmava ter se esquecido dos demais ao longo dos três mil anos.

Talvez não houvesse razão para esconder o que estava acontecendo dentro de sua cabeça — talvez não passasse de uma tentativa de negar a realidade —, mas continuaria chamando o homem de Sammael. E Sammael pagaria por todas as Donzelas que matara. As Donzelas que Rand não fora capaz de manter em segurança.

Mesmo enquanto se decidia, Rand fez careta. Dera um primeiro passo ao mandar Weiramon de volta para Tear — se a Luz quisesse, só ele e Weiramon sabiam a extensão desse primeiro passo —, mas não podia sair em perseguição a Sammael, independentemente do que desejasse ou jurasse fazer. Ainda não. Havia questões a serem tratadas ali em Cairhien primeiro. Aviendha até podia pensar que Rand não compreendia o ji’e’toh, e talvez não compreendesse, mas sabia o que era uma obrigação, e tinha uma com Cairhien. Além do mais, havia maneiras de acompanhar o andamento das coisas com Weiramon.

Sentando-se — e tentando não demonstrar o esforço para fazê-lo —, Rand se cobriu com o máximo possível de decência e se perguntou onde estariam suas roupas. Não tinha visto nada além das botas, que repousavam logo atrás de Aviendha. Ela provavelmente sabia. Os gai’shain deviam tê-lo despido, mas também podia muito bem ter sido ela.

— Preciso entrar na cidade. Natael, mande encilhar Jeade’en e trazê-lo até aqui.

— Amanhã, talvez — respondeu Aviendha com firmeza, segurando Asmodean pela manga do casaco quando o homem começou a se levantar. — Moiraine Sedai disse que você precisa descansar para…

— Hoje, Aviendha. Agora. Não sei por que Meilan não está aqui, caso esteja vivo, mas pretendo descobrir. Natael, e o meu cavalo?

A mulher fez uma expressão teimosa, mas Asmodean libertou o braço, alisou o veludo amarrotado e disse:

— Meilan esteve aqui, outros também.

— Ele não deveria saber… — protestou Aviendha, com raiva, mas fechou a boca antes de terminar. — Ele precisa descansar.

Então as Sábias pensavam que podiam esconder coisas dele. Bem, não estava tão fraco quanto elas acreditavam. Segurando o cobertor junto ao corpo, tentou se levantar e acabou se contentando em mudar de posição quando suas pernas se recusaram a cooperar. Talvez estivesse tão fraco quanto elas pensavam. Mas não pretendia deixar que aquilo o parasse.

— Vou poder descansar quando morrer — afirmou Rand, desejando voltar atrás quando Aviendha se encolheu como se tivesse levado um tapa. Não, Aviendha não teria se encolhido por causa de um mero tapa. Ela considerava Rand importante para o bem dos Aiel, e uma ameaça à sua vida a feriria mais que um soco. — Me fale sobre Meilan, Natael.

Aviendha manteve o silêncio carrancudo, embora Asmodean também tenha ficado atônito, se seu olhar servia de indicativo.

Um cavaleiro viera em nome de Meilan, à noite, trazendo elogios floreados e garantias de lealdade eterna. Na alvorada, o próprio Meilan aparecera, junto com os seis outros Grão-lordes de Tear que estavam na cidade, além de um pequeno exército taireno que tocava os punhos das espadas e segurava as lanças como se esperasse lutar contra os Aiel que observavam silenciosamente a aproximação do grupo.

— Foi por pouco — disse Asmodean. — O tal Meilan não está acostumado a ser contrariado, eu acho, e os outros só estão um pouco mais. Ainda mais aquele do rosto encaroçado… Torean? E Simaan, que tem os olhos tão afiados quanto o nariz. Você sabe que estou acostumado a companhias perigosas, mas esses homens são tão perigosos, à maneira deles, quanto qualquer outro que eu já tenha conhecido.

Aviendha bufou.

— Não importa com o que eles estão acostumados, não tiveram escolha tendo Sorilea, Amys, Bair e Melaine de um lado, e Sulin e mil Far Dareis Mai do outro. E havia alguns Cães de Pedra — admitiu —, e uns poucos Buscadores das Águas e alguns Escudos Vermelhos. Se você serve mesmo ao Car’a’carn como afirma, Jasin Natael, deveria guardar o descanso dele como elas guardam.

— É o Dragão Renascido que eu sigo, jovem. O Car’a’carn eu deixo para você.

— Continue, Natael — ordenou Rand, impaciente, recebendo uma bufada também.

Aviendha estava certa a respeito de os tairenos não terem escolha, embora as Donzelas e outros Aiel tocando os véus tivessem preocupado os homens mais que as Sábias. Em todo caso, mesmo Aracome, um homem esbelto, já ficando grisalho, dono de um temperamento controlado, estivera a ponto de explodir enquanto conduziam os cavalos até ali. E Gueyam, careca feito uma pedra e largo como um ferreiro, estava com o rosto pálido de tanta raiva. Asmodean não sabia se o motivo era estarem em menor número, o que os impedira de sacar as espadas, ou a noção de que, mesmo que conseguissem abrir caminho e chegar a Rand, era improvável que fossem bem recebidos com o sangue de seus aliados nas lâminas dos homens.

— Os olhos de Meilan estavam saltando para fora da cabeça — concluiu Asmodean. — Antes de ir embora, porém, ele bradou sua lealdade e fidelidade a você. Talvez tenha pensado que você escutaria. Os outros logo trataram de repetir, mas Meilan acrescentou algo que deixou os outros surpresos. Ele disse “vou oferecer um presente de Cairhien ao Lorde Dragão”. E então anunciou que prepararia um grande desfile triunfal quando você estivesse pronto para entrar na cidade.

— Temos um velho ditado em Dois Rios — disse Rand, seco. — “Quanto mais alto um homem alardeia sua honestidade, mais firme você deve segurar sua bolsa”. — E outro dizia “A raposa sempre se oferece para dar sua lagoa ao pato”. Cairhien era dele, sem nenhum presente de Meilan.

Rand não tinha dúvidas quanto à lealdade do homem. Ela duraria enquanto Meilan acreditasse que seria destruído caso o pegassem traindo Rand. Caso o pegassem. A isca era essa. Aqueles sete Grão-lordes em Cairhien haviam sido os mais empenhados em vê-lo morto, em Tear. Por isso Rand os mandara para Cairhien. Se tivesse executado todos os nobres tairenos que tramaram contra ele, talvez já não restasse nenhum. Na época, dar a eles anarquia, fome e uma guerra civil para resolver a mil milhas de Tear parecera uma boa forma de interromper seus planos enquanto fazia algum bem onde era necessário. Claro que, então, Rand nem sabia da existência de Couladin, e menos ainda que o homem o faria ir até Cairhien.

Seria mais fácil se isto fosse uma história, pensou. Nas histórias, havia apenas umas poucas surpresas antes de o herói descobrir tudo o que precisava. Rand nunca parecia saber nem um quarto de tudo.

Asmodean hesitou — aquele velho ditado sobre homens alardeando honestidade também poderia se aplicar a ele, e o homem estava consciente disso, sem dúvida —, mas, quando Rand não disse mais nada, ele acrescentou:

— Acho que ele quer ser Rei de Cairhien. Subordinado a você, claro.

— E de preferência comigo bem longe. — Era provável que Meilan esperasse que Rand voltasse a Tear e a Callandor. Meilan decerto nunca teria medo de ter Poder demais.

— Claro. — Asmodean soou ainda mais seco do que Rand. — Houve outra visita entre essas duas.

Uma dúzia de lordes e ladies cairhienos tinham aparecido, sem seus empregados, cobertos por mantos e com os rostos escondidos em capuzes, apesar do calor. Sabiam com certeza que os Aiel desprezavam os cairhienos, e o sentimento era claramente recíproco, ainda que ficassem tão nervosos com a possibilidade de Meilan descobrir que eles tinham ido até lá quanto com a dos Aiel decidirem matá-los.

— Quando me viram — relatou Asmodean, com ironia —, metade pareceu pronta para me matar por medo de que eu fosse taireno. Você deve um agradecimento às Far Dareis Mai por ainda ter um bardo.

Mesmo sendo poucos, os cairhienos haviam sido mais difíceis de fazer recuar do que Meilan, ficando mais pálidos e suados a cada minuto, mas insistindo teimosamente em falar com o Lorde Dragão. Quando as exigências não deram certo, tinham chegado a suplicar despudoradamente, o que demonstrava o tamanho desse desejo. Asmodean podia até achar o humor dos Aiel estranho ou grosseiro, mas deu risadas dos nobres com vestidos de montaria e casacos de seda tentando ignorar sua presença enquanto se ajoelhavam para agarrar as saias de lã das Sábias.

— Sorilea ameaçou mandar despi-los e açoitá-los de volta até a cidade. — A risada muda se transformou em descrença. — Chegaram até a discutir entre si. Se isso permitisse que eles chegassem até você, eu realmente acredito que alguns teriam aceitado.

— Sorilea devia ter cumprido a ameaça — opinou Aviendha, em um tom surpreendentemente agradável. — Os quebradores de promessa não têm honra nenhuma. Pelo menos Melaine mandou as Donzelas jogarem todos em cima dos cavalos como se fossem sacos e enxotou os animais para fora do acampamento, com os quebradores de promessa mal se segurando.

Asmodean aquiesceu.

— Mas, antes disso, dois deles falaram comigo quando se convenceram de que eu não era um espião taireno. Lorde Dobraine e Lady Colavaere. Deixaram tudo tão nebuloso com pistas e insinuações maldosas que eu não tenho muita certeza, mas não me surpreenderia se pretendessem lhe oferecer o Trono do Sol. Seriam capazes de espalhar boatos para… algumas pessoas que eu conhecia.

Rand soltou uma gargalhada rouca.

— Talvez ofereçam. Se conseguirem os mesmos termos que Meilan.

Não precisava que Moiraine lhe dissesse que os cairhienos jogavam o Jogo das Casas até dormindo, nem que Asmodean o alertasse de que eles tentariam a sorte com os Abandonados. Os Grão-lordes à esquerda e os cairhienos à direita. Uma batalha terminada e outra, de um tipo diferente, mas não menos perigosa, começando.

— Seja como for, entendo que o Trono do Sol deva ficar com alguém que tenha direito a ele.

Rand ignorou a dúvida no rosto de Asmodean. Talvez o homem tivesse tentado ajudá-lo na noite anterior, talvez não, mas não confiava o suficiente no sujeito para deixá-lo a par de todos os seus planos. Independentemente de quanto do futuro de Asmodean estivesse amarrado ao dele, sua lealdade era pura necessidade, e ele ainda era o mesmo homem que escolhera entregar sua alma à Sombra.

— Meilan quer me oferecer uma entrada magnífica quando eu estiver pronto, é? Então é melhor eu entender os detalhes do que ele espera. — Rand compreendeu por que Aviendha se tornara tão agradável, até participando da conversa: enquanto ele estivesse ali sentado, estaria fazendo exatamente o que ela queria. — Você vai buscar meu cavalo, Natael, ou vou ter que ir eu mesmo?

A reverência de Asmodean foi profunda, formal e, ao menos na superfície, sincera.

— Eu sirvo ao Lorde Dragão.

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