O Flechador seguia em direção ao píer de Tear, na margem oeste do Rio Erinin, mas Egwene não prestava a menor atenção na cidade. Inclinada no gradil, de cabeça baixa, ela mantinha os olhos fixos nas águas do Erinin que passavam depressa pelo casco robusto do navio e no remo dianteiro que balançava a seu lado, entrando e saindo do seu campo de visão, abrindo sulcos brancos no rio. Aquilo a deixava enjoada, mas sabia que levantar a cabeça só agravaria o enjoo ainda mais. Olhar a costa só deixaria o balanço espiralado do Flechador ainda mais evidente.
A embarcação balançava daquele jeito desde a partida de Jurene. Ela não queria saber como fora a navegação antes, queria mesmo era que o Flechador tivesse naufragado antes de chegar a Jurene. Queria que o capitão tivesse sido obrigado a atracar em Aringill, para que elas encontrassem outro navio. Queria que jamais tivessem posto o pé em um navio. Queria muitas coisas, a maioria apenas para desviar seus pensamentos do lugar onde estava.
Depois que os remos começaram a impulsionar a embarcação, os balanços se tornaram mais suaves do que antes, com as velas, mas muitos dias haviam se passado para que a alteração fizesse alguma diferença. Seu estômago parecia se remexer como leite em uma jarra de pedra. Ela engoliu em seco e tentou esquecer a imagem.
Não haviam avançado muito nos planos, dentro do Flechador. Nynaeve mal conseguia passar dez minutos sem vomitar, e ver aquilo sempre fazia Egwene pôr para fora o tanto de comida que tivesse conseguido engolir. O calor, que aumentava à medida que o navio descia o rio, também não ajudava. Nynaeve estava lá embaixo, e Elayne sem dúvidas segurava uma bacia na frente dela.
Ah, Luz, não! Não pense nisso! Campos verdes. Prados. Luz, prados não balançam desse jeito. Beija-flores. Não, beija-flores, não! Cotovias. Cotovias cantando.
— Senhora Joslyn? Senhora Joslyn!
Ela levou um momento para reconhecer o nome falso que dissera ao Capitão Canin, assim como a voz dele. Ergueu a cabeça devagar e fixou o olhar em seu rosto comprido.
— Estamos atracando, Senhora Joslyn. A senhora não parava de dizer o quanto ansiava para chegar em terra firme. Bem, chegamos. — A voz do homem não disfarçava a avidez que sentia de se livrar das três passageiras, duas das quais haviam feito pouco mais que refluxar, como ele chamava, e gemer a noite inteira.
Marinheiros descalços e sem camisa jogavam cordas para os homens no píer de pedra que chegava até o rio. Os doqueiros pareciam usar longos coletes de couro, em vez de camisas. Os remos já haviam sido recolhidos, exceto por um par que evitava qualquer batida forte do navio no desembarcadouro. As pedras planas do píer estavam molhadas, e o ar carregava uma sensação de chuva recém-caída, o que era um tanto reconfortante. O movimento cessara havia algum tempo, percebeu, mas seu estômago ainda se lembrava. O sol ia baixo em direção ao oeste. Ela tentou não pensar em jantar.
— Muito bom, Capitão Canin — disse, com toda a dignidade que conseguiu reunir. Ele não falaria assim se eu estivesse usando meu anel, nem mesmo que eu vomitasse em cima das botas dele. Ela estremeceu ao visualizar a cena.
O anel da Grande Serpente e o aro retorcido do ter’angreal pendiam em um cordão de couro em seu pescoço. Ela podia sentir o anel de pedra frio em contato com a pele, o que era quase o bastante para contrastar com a umidade abafada do ar, mas ela também descobrira que, quanto mais usava o ter’angreal, mais sentia vontade de tocá-lo sem qualquer bolsa ou tecido entre ele e a pele.
Tel’aran’rhiod ainda revelava pouca coisa de utilidade imediata. Às vezes ela tinha vislumbres de Rand, Mat ou Perrin, mais comuns em seus próprios sonhos sem o ter’angreal, porém nada fazia sentido. Os Seanchan, em quem ela se recusava a pensar. Pesadelos com um Manto-branco usando Mestre Luhhan como isca bem no meio de uma imensa armadilha dentada. Por que tinha um falcão no ombro de Perrin, e o que haveria de importante no fato de ele escolher entre aquele machado que passara a usar e um martelo de ferreiro? O que significava ver Mat jogando dados com o Tenebroso, e por que será que ele vivia gritando “Estou indo!”, e por que ela sempre pensava, no sonho, que ele estava gritando com ela? E Rand. Ele seguia furtivamente em direção a Callandor, avançando na completa escuridão, enquanto seis homens e cinco mulheres caminhavam ao redor dele, alguns caçando-o, outros ignorando-o. Alguns tentavam guiá-lo até a espada brilhante de cristal, outros queriam impedir que ele a alcançasse, e pareciam não saber onde ele estava, ou viam apenas lampejos dele. Um dos homens tinha chamas nos olhos, e seu desespero para ver Rand morto era tão grande que ela quase podia sentir. Ela achava que o conhecia. Ba’alzamon. Mas quem eram os outros? Rand mais uma vez naquela câmara seca e empoeirada, com as minúsculas criaturas invadindo sua pele. Rand confrontando uma horda Seanchan. Rand confrontando-a, junto com a mulher ao lado dela, e uma delas era Seanchan. Era tudo confuso demais. Ela precisava parar de pensar em Rand e nos outros e se concentrar no que estava bem ali, na sua frente. O que a Ajah Negra está tramando? Por que não sonho com elas? Luz, por que não consigo aprender a fazer os sonhos revelarem o que eu quero?
— Leve os cavalos para terra firme, capitão — pediu a Canin. — Vou avisar Senhora Maryim e Senhora Caryla. — Maryim era Nynaeve, e Caryla, Elayne.
— Já mandei um homem avisá-las, Senhora Joslyn. E seus animais estarão no píer assim que meus homens equiparem as hastes de apoio.
Ele soava muito satisfeito em se livrar delas. Egwene pensou em dizer ao homem que não se apressasse, mas rejeitou a ideia na mesma hora. O balanço do Flechador podia ter parado, mas ela queria pisar em terra firme outra vez. Imediatamente. No entanto, parou para fazer carinho no nariz de Bruma e deixou a égua cinza roçar sua mão, para mostrar a Canin que não tinha pressa.
Nynaeve e Elayne surgiram na escadaria das cabines carregando trouxas e alforjes, e Elayne praticamente carregava Nynaeve também. Quando sua conterrânea de Dois Rios viu que Egwene observava, empurrou a Filha-herdeira para longe e andou sozinha pelo resto do caminho, até onde alguns homens montavam uma estreita prancha de desembarque para o píer. Dois tripulantes vieram amarrar uma larga tipoia de lona sob a barriga de Bruma, e Egwene desceu correndo para recolher os próprios pertences. Quando retornou, a égua já estava no píer, e a ruana de Elayne balançava na tipoia de lona a meio caminho do chão.
Um instante depois de pôr os pés no píer, tudo o que ela sentiu foi alívio. Aquilo ali não iria girar e se inclinar. Só então começou a examinar a cidade aonde sofrera tanto para chegar.
Os compridos desembarcadouros eram ladeados por armazéns de pedra, e muitos navios, grandes e pequenos, estavam atracados ao longo do píer ou ancorados no rio. Mais que depressa ela evitou olhar os navios. Tear fora erguida em solo plano, sem quase nenhuma elevação. Nas ruas enlameadas entre os armazéns, dava para ver casas, estalagens e tavernas de madeira e pedra. Os telhados de ardósia ou azulejo tinham estranhos cantos acentuados, e alguns, topos pontudos. Mais além era possível ver uma muralha alta de pedras cinza-escuras, e ainda mais além havia os topos de torres com varandas altas e palácios de domos brancos. Os domos tinham um formato meio quadrado, e os topos das torres eram pontudos como alguns telhados do lado de fora da muralha. De modo geral, Tear parecia tão grande quanto Caemlyn ou Tar Valon e, ainda que não fosse bonita como as outras duas, era uma das grandes cidades. No entanto, ela achava difícil olhar para qualquer outra construção que não a Pedra de Tear.
Ela ouvira histórias sobre o lugar, sabia que era a maior fortaleza que existia, e também a mais antiga, a primeira construção erguida após a Ruptura do Mundo. Mas nada a havia preparado para aquela visão. A princípio, pensou que fosse uma gigantesca colina de pedras cinza, ou uma montanha baixa e inóspita, muito extensa, se estendendo desde o oeste do Erinin até atravessar a muralha, adentrando a cidade. Mesmo depois de notar o enorme estandarte drapejando bem no alto — com as três luas crescentes brancas inclinadas por cima de um campo metade vermelho, metade dourado; o estandarte drapejava a pelo menos trezentos passos acima do rio, mas era grande o bastante para ser visto com clareza —, mesmo depois de ver as muralhas e torres, era difícil acreditar que a Pedra de Tear era uma construção de pedra, não algo esculpido a partir de uma montanha.
— Feita com o Poder — murmurou Elayne. Ela também encarava a Pedra. — Fluxos de Terra combinados para puxar as pedras do solo, Ar para trazê-las de todos os cantos do mundo, e Terra e Fogo para unir tudo em um bloco só, sem junção, ligas ou argamassa. Atuan Sedai diz que a Torre não poderia fazer uma coisa dessas, hoje em dia. Estranho, se levarmos em conta como os Grão-lordes se sentem em relação ao poder.
— Eu acho — comentou Nynaeve em voz baixa, olhando para os doqueiros que circulavam ao redor delas — que, exatamente por causa disso, é melhor a gente não mencionar alguns outros fatos em voz alta. — Elayne parecia dividida entre ficar indignada, já que falara tão baixo, e concordar. A Filha-herdeira concordava com a antiga Sabedoria com muita frequência e prontidão, até demais para o gosto de Egwene.
Só quando Nynaeve está certa, admitiu para si mesma, ressentida. Qualquer mulher que usasse o anel ou sequer fosse associada a Tar Valon seria vigiada nesse lugar. Os doqueiros descalços, em seus coletes de couro, não prestavam qualquer atenção às três enquanto corriam de lá para cá carregando fardos e caixotes, tanto nas costas quanto em carrinhos. Um forte odor de peixe pairava no ar. Os três desembarcadouros seguintes abrigavam dezenas de barquinhos de pesca agrupados, exatamente como aquele desenho no gabinete da Amyrlin. Homens sem camisa e mulheres descalças carregavam cestas de peixes para fora dos barcos, montinhos cor de prata, bronze, verdes e de outras cores que ela jamais imaginara que peixes podiam ter, como vermelho vivo, azul-escuro e amarelo-ovo, além de alguns rajados ou com manchas brancas e de outros tons.
Ela baixou a voz para que apenas Elayne escutasse.
— Ela tem razão, Caryla. Lembre-se de por que se chama Caryla. — Ela não queria que Nynaeve escutasse esse tipo de confissão.
O rosto da mulher não se alterou ao ouvir suas palavras, mas Egwene sentiu uma satisfação irradiando dela como o calor emanando de um forno de cozinha.
O garanhão negro de Nynaeve estava sendo baixado até o píer. Os marinheiros já haviam tirado os equipamentos de montaria do navio e jogado de qualquer jeito nas pedras molhadas do píer. Nynaeve olhou para os cavalos e abriu a boca. Egwene tinha certeza de que a mulher mandaria os homens selarem os animais, mas a amiga logo fechou a boca outra vez, os lábios contraídos como se aquilo tivesse exigido esforço. Ela deu um puxão forte na trança. Antes que a tipoia estivesse totalmente baixada, Nynaeve jogou o cobertor de sela listrado de azul nas costas do cavalo e assentou a sela de cepilho alto por cima. Nem olhou para as outras mulheres.
Egwene não estava ansiosa para cavalgar, no momento — para seu estômago, o balanço de um cavalo talvez fosse muito próximo do balanço do Flechador —, mas outra olhadela para as ruas lamacentas a convenceu. Seus sapatos eram robustos, mas ela não gostaria de ter que limpar a lama depois, nem de ter que erguer as saias enquanto caminhava. Selou Bruma depressa e montou na égua, ajeitando as saias, antes de decidir que a lama talvez não fosse má ideia. Com algumas agulhadas a bordo do Flechador — Elayne quem fizera tudo, dessa vez, e o alinhavo da Filha-herdeira era muito bom — os vestidos das três foram divididos e adaptados para a montaria.
O rosto de Nynaeve empalideceu por um instante, logo que ela subiu na sela e o garanhão decidiu se agitar. Ela se controlou, a boca bem apertada e a mão firme nas rédeas, e logo controlou o animal. Quando as três já haviam ultrapassado os armazéns em uma cavalgada lenta, ela já conseguia falar:
— Temos que encontrar Liandrin e as outras sem que saibam que estamos à procura delas. Sem dúvida elas sabem que estamos vindo, ou pelo menos que alguém está vindo, mas gostaria que não descobrissem que estamos aqui até que seja tarde demais para elas. — A mulher respirou fundo. — Confesso que não pensei em nenhum jeito de conseguir isso. Ainda. Alguma de vocês tem uma sugestão?
— Um apanhador de ladrões — sugeriu Elayne, sem hesitar. Nynaeve franziu a testa para ela.
— Quer dizer alguém como Hurin? — perguntou Egwene. — Mas Hurin estava a serviço de seu próprio rei. Os apanhadores de ladrões daqui não servem aos Grão-lordes?
Elayne assentiu, e por um instante Egwene invejou o estômago da Filha-herdeira.
— Servem, sim. Mas apanhadores de ladrões não são iguais à nossa Guarda da Rainha ou aos Defensores da Pedra tairenos. Eles servem ao governante, mas muita gente que foi roubada paga a eles para recuperarem o que foi levado. E às vezes eles recebem para localizar pessoas. Pelo menos em Caemlyn. Acho que aqui em Tear não deve ser diferente.
— Então alugamos quartos numa estalagem — sugeriu Egwene — e pediremos ao estalajadeiro que encontre um apanhador de ladrões.
— Não numa estalagem — retrucou Nynaeve com firmeza, conduzindo o garanhão. Parecia jamais deixar o animal fugir de seu controle. Um instante depois, ela moderou um pouco o tom. — Liandrin conhece a gente, e temos que presumir que as outras também conheçam. Elas com certeza vão ficar de olho nas estalagens, à procura de quem seguiu o rastro que deixaram para trás. Quero acionar a armadilha bem na cara delas, mas não com a gente dentro. Não ficaremos em uma estalagem.
Egwene recusou-se a dar a ela a satisfação da pergunta.
— Onde, então? — Elayne franziu a testa. — Se eu revelar quem sou… Isso é, se alguém acreditar em mim, vestida nessas roupas e sem escolta… Se soubessem quem eu sou seríamos bem recebidas pela maioria das Casas nobres, e muito provavelmente dentro da própria Pedra, pois as relações entre Tear e Caemlyn são boas. Mas nossa presença não seria mais segredo. A cidade inteira ficaria sabendo antes mesmo do fim do dia. Não consigo pensar em nenhum outro lugar, exceto numa estalagem, Nynaeve. A não ser que esteja pensando em se hospedar em uma fazenda no meio do mato, mas não vamos encontrá-las aqui tão longe do interior.
Nynaeve olhou de relance para Egwene.
— Eu vou saber quando vir. Me deixem procurar.
Elayne desviou a testa franzida de Nynaeve para Egwene, então pelo caminho inverso.
— “Não corte as orelhas fora porque não gosta dos brincos” — murmurou.
Egwene manteve a atenção completamente focada na rua por onde estavam passando. Que me queime se vou permitir que ela pense que estou sequer refletindo a respeito!
As ruas não estavam muito cheias, não em comparação com as de Tar Valon. Talvez a lama desencorajasse o povo. Carros e carroções passavam sacudindo, a maioria puxada por bois com grandes chifres, os condutores ou carroceiros caminhando ao lado com aguilhões compridos de uma madeira pálida e cheia de farpas. Nenhuma carruagem ou liteira usava aquelas ruas. O odor de peixe também pairava no ar por ali, e não eram poucos os homens que passavam correndo levando enormes cestas cheias de peixes nas costas. As lojas não pareciam prósperas. Nenhuma exibia as mercadorias do lado de fora, e Egwene quase não via gente entrando nelas. A frente das lojas eram adornadas com placas — a agulha e o rolo de tecido do alfaiate, a faca e a tesoura do cuteleiro, o tear do tecelão e outras mais —, porém a maioria das pinturas estava descascando. As poucas estalagens tinham placas em estado igualmente terrível e também não pareciam muito cheias. Nos telhados das casas menores, espremidas entre as lojas e estalagens, com frequência faltavam telhas ou pedaços de ardósia. Aquela parte de Tear era pobre. E, pelo que ela via nos rostos das pessoas na rua, poucos ainda se davam ao trabalho de tentar. O povo se deslocava, trabalhando, mas a maioria já desistira. Poucos sequer deram atenção às mulheres que cavalgavam por onde todos os outros caminhavam.
Os homens usavam calças largas, em geral amarradas nos tornozelos. Apenas alguns tinham casacos, peças escuras e compridas justas nos braços e no peitoral e mais largas abaixo da cintura. Havia mais homens de sapatos baixos do que de botas, mas a maioria pisava na lama descalço. Uma boa quantidade não usava casaco ou camisa e prendia as calças com uma faixa larga, muitas vezes colorida e geralmente suja. Alguns usavam largos chapéus de palha cônicos, outros, boinas de tecido inclinados para um dos lados do rosto. Os vestidos das mulheres tinham golas altas que iam até o queixo e saias na altura dos tornozelos. Muitas usavam aventais curtos em tons pastel, às vezes dois ou três, cada um menor que o que estava embaixo, e a maioria usava os mesmos chapéus de palha dos homens, porém tingidos para combinar com os aventais.
Foi ao observar uma mulher que ela entendeu pela primeira vez como as pessoas que usavam sapatos lidavam com a lama. A mulher amarrara pequenas plataformas de madeira às solas dos sapatos, que ficavam elevadas a cerca de dois palmos da superfície da lama. Ela caminhava como se estivesse com os pés firmemente plantados no chão. Egwene viu outras pessoas com o mesmo tipo de plataformas, tanto homens quanto mulheres. Algumas mulheres andavam descalças, mas não tantas quanto os homens.
Ela estava se perguntando que loja venderia uma plataforma daquelas quando Nynaeve de repente girou o cavalo preto e entrou em um beco entre uma casa de dois andares comprida e estreita e a loja de um oleiro, com paredes de pedra. Egwene trocou olhares com Elayne, a Filha-herdeira deu de ombros, e as duas seguiram a mulher mais velha. Egwene não sabia onde Nynaeve estava indo, ou por quê — e pretendia conversar com ela a respeito daquilo —, mas também não queria que se separassem.
O beco de repente se abriu em um pequeno pátio atrás da casa, cercado pelos prédios que o rodeavam. Nynaeve já desmontara e amarrara as rédeas a uma figueira, em um lugar onde o garanhão não conseguiria alcançar a grama que brotava em um trecho de vegetação que ocupava metade do pátio. Uma fileira de pedras fora disposta formando um caminho até a porta dos fundos. Nynaeve o percorreu, resoluta, e bateu à porta.
— O que é isso? — inquiriu Egwene, por impulso. — Por que estamos parando aqui?
— Não viu as ervas nas janelas da frente? — Nynaeve bateu à porta outra vez.
— Ervas? — perguntou Elayne.
— Uma Sabedoria — explicou Egwene enquanto descia da sela e amarrava Bruma ao lado do garanhão preto. Gaidin é um péssimo nome para um cavalo. Será que ela acha que eu não sei a quem ela se refere? — Nynaeve encontrou uma Sabedoria, ou Buscadora, ou seja lá o nome que dão por aqui.
Uma mulher abriu a porta, apenas o suficiente para olhar para fora, desconfiada. No começo, Egwene pesou que ela fosse gorda, mas logo a mulher abriu a porta até o fim. Era de fato corpulenta, mas a forma como se movia revelava que havia músculos por baixo das roupas. A mulher parecia tão forte quanto a Senhora Luhhan, e alguns em Campo de Emond diziam que Alsbet Luhhan era quase tão forte quanto o marido. Não era verdade, mas não estava assim tão longe.
— Em que posso ajudar? — perguntou a mulher, em um sotaque similar ao da Amyrlin. O cabelo grisalho estava arrumado em cachos volumosos que caíam dos lados da cabeça, e os três aventais eram em tons de verde, cada um ligeiramente mais escuro que o mais abaixo, mas todos em tons claros. — Qual das três precisa de mim?
— Sou eu — explicou Nynaeve. — Preciso de algo para estômago embrulhado. E talvez uma das minhas companheiras precise também. Quer dizer, se tivermos vindo ao lugar certo.
— Vocês não são tairenas — constatou a mulher. — Eu devia ter percebido isso pelas roupas antes mesmo de falarem. Meu nome é Mãe Guenna. Também sou chamada de Sábia, mas já estou velha o bastante para não achar que esse título vai bastar para cauterizar as suturas. Podem entrar, vou preparar algo para os seus estômagos.
A cozinha era asseada, embora pequena, com panelas de cobre penduradas na parede, e ervas secas e linguiças penduradas no teto. Os diversos armários altos de madeira clara tinham entalhes de algum tipo de grama alta nas portas. A mesa era quase branca de tão esfregada, e os encostos das cadeiras tinham entalhes de flores. Uma panela cheia do que cheirava a sopa de peixe cozinhava lentamente sobre o fogão de pedra, e uma chaleira de bico estava começando a ferver. Não havia fogo na lareira de pedras, pelo que Egwene se sentiu muito agradecida. O fogão já aumentava bastante a temperatura, embora Mãe Guenna parecesse não perceber. Havia algumas louças enfileiradas na cornija da lareira, e outras empilhadas de forma organizada nas prateleiras de cada lado. O chão tinha um aspecto de recém-varrido.
Mãe Guenna fechou a porta atrás delas e já cruzava a cozinha até os armários quando Nynaeve perguntou:
— Que erva a senhora vai botar no chá? Folha-de-urdume? Ou erva-azul?
— Eu daria, se tivesse alguma dessas. — Mãe Guenna remexeu nas prateleiras por um momento e pegou uma jarra de pedra. — Como não tenho tido tempo para sair para colher, vou dar pra você um preparado de folhas de charco-branco.
— Não estou familiarizada com essas — comentou Nynaeve, devagar.
— Funcionam tão bem quanto folha-de-urdume, mas tem um gosto que nem todos apreciam. — A mulher grandalhona salpicou folhas secas e quebradas em um bule azul e o levou até a lareira para acrescentar água quente. — Conhece o ofício, então? Sente-se. — Ela apontou para a mesa com a mão que segurava duas canecas azuis esmaltadas que pegara da cornija. — Sente-se para conversarmos. Qual das outras está com o estômago ruim?
— Eu estou bem — respondeu Egwene, com um ar despretensioso, ao tomar uma cadeira. — Está enjoada, Caryla? — A Filha-herdeira negou com a cabeça com certa exasperação.
— Sem problemas. — A mulher de cabelos grisalhos serviu uma caneca de líquido escuro para Nynaeve, depois sentou-se à mesa diante dela. — Fiz o bastante para dois, mas chá de charco-branco dura mais que peixe salgado. Quanto mais velho estiver, mais bem funciona, mas também mais amargo fica. Vira uma disputa entre o quanto precisa ficar bem do estômago e o quanto sua língua consegue aguentar. Beba, garota. — Depois de um instante, ela serviu a segunda caneca e tomou um gole. — Está vendo? Não vai lhe fazer mal.
Nynaeve ergueu a própria caneca, fazendo um pequeno som de desagrado ao primeiro gole. No entanto, quando baixou a caneca outra vez, tinha o rosto tranquilo.
— Talvez seja só um pouquinho amargo. Diga, Mãe Guenna, será que vamos ter que aguentar essa chuva e essa lama por muito mais tempo?
A mulher mais velha fechou a cara, dividindo o descontentamento entre as três antes de fixar o olhar em Nynaeve.
— Não sou uma Chamadora de Ventos do Povo do Mar, garota — sussurrou. — Se eu pudesse prever o tempo, preferiria enfiar lúcios vivos debaixo do meu vestido do que admitir. Os Defensores consideram esse tipo de coisa similar ao trabalho das Aes Sedai. Agora, você conhece o ofício ou não? Parece que andaram viajando. O que é bom para fadiga? — vociferou a mulher, de repente.
— Chá de raiz-de-fadiga — respondeu Nynaeve —, ou raiz-de-andilay. Já que a senhora quer fazer perguntas, o que faria para aliviar as dores do parto?
Mãe Guenna bufou.
— Aplicaria toalhas quentes, criança, e quem sabe daria um pouco de funcho-branco, se fosse um parto especialmente difícil. Uma mulher não precisa de mais do que isso e de uma mão para acalmá-la. Não consegue pensar numa pergunta que não possa ser respondida por uma camponesa qualquer? O que você dá para dor no coração? Do tipo letal.
— Pó de flor-de-gheandin na língua — retrucou Nynaeve, irritada. — Se uma mulher sentir pontadas na barriga e cuspir sangue, o que você faz?
As duas continuaram testando os conhecimentos uma da outra, alternando perguntas e respostas cada vez mais depressa. O ritmo diminuía um pouco quando uma falava de alguma planta que a outra conhecia por um nome diferente, mas elas logo retomavam a velocidade, debatendo a superioridade das tinturas sobre os chás, dos unguentos sobre os cataplasmas, e quando cada um era melhor que o outro. Aos poucos, as perguntas ligeiras começaram a se encaminhar para as ervas e raízes que uma conhecia e a outra não, trocando conhecimentos. Egwene começou a ficar irritada enquanto ouvia.
— Depois de dar o liga-osso — dizia Mãe Guenna —, enrole o membro quebrado em uma toalha encharcada de água fervida em flor-de-cabra azul. Preste atenção, só a azul! — Nynaeve assentiu com impaciência. — Tem que ser o mais quente que der pra aguentar. Uma parte de flor-de-cabra azul para dez de água, não menos que isso. Substitua as toalhas assim que pararem de fumegar, e repita o procedimento o dia inteiro. O osso vai se curar duas vezes mais depressa do que só com o liga-osso, e duas vezes mais forte.
— Vou guardar isso — comentou Nynaeve. — Você disse que usava raiz de língua-de-ovelha para dor nos olhos. Eu nunca ouvi…
Egwene não aguentava mais.
— Maryim — interrompeu —, você acredita mesmo que ainda vai precisar saber dessas coisas? Você não é mais uma Sabedoria, ou já se esqueceu disso?
— Não me esqueci de nada — retorquiu Nynaeve, com rispidez. — Eu me lembro até mesmo da época em que você era tão ávida quanto eu para aprender coisas novas.
— Mãe Guenna — começou Elayne, com a voz suave —, o que a senhora faz quando duas mulheres não conseguem parar de discutir?
A mulher de cabelos grisalhos apertou os lábios e encarou a mesa com a testa franzida.
— Em geral, sejam homens ou mulheres, aconselho que se afastem um do outro. É a melhor coisa, e a mais fácil.
— Em geral? — perguntou Elayne. — E se não puderem se afastar por alguma razão? Digamos que sejam irmãs.
— Eu tenho um jeito de frear um brigão — começou a mulher, devagar. — Não é algo que eu encoraje ninguém a fazer, mas alguns vêm até mim. — Egwene pensou ter visto o indício de um sorriso no canto da boca de Mãe Guenna. — Eu cobro um marco de prata por mulher. Dois pra cada homem, porque eles são mais alvoroçados. Tem gente que paga o que for, se o preço for bom.
— Mas qual é a cura? — perguntou Elayne.
— Eu digo a cada um pra trazer o outro aqui, para trazer a pessoa com quem vive discutindo. Ambos esperam que eu sossegue a língua do outro. — Mesmo sem querer, Egwene escutava. Percebeu que Nynaeve também prestava bastante atenção. — Depois de recolher o pagamento — prosseguiu Mãe Guenna, erguendo o braço robusto —, eu levo os dois para os fundos e enfio as cabeças deles nos barris de água de chuva até eles concordarem em parar de discutir.
Elayne explodiu em gargalhadas.
— Acho que eu mesma já devo ter feito uma coisa dessas — comentou Nynaeve, em uma voz um tanto leve demais. Egwene torcia para que a expressão em seu rosto não parecesse com a de Nynaeve.
— Não me surpreenderia se tivesse feito. — Mãe Guenna exibia um grande sorriso. — Eu digo aos brigões que, da próxima vez que os vir discutindo, farei a mesma coisa de graça, mas usando o rio. É impressionante como a cura dá certo, principalmente para os homens. E é impressionante o que ela fez pela minha reputação. Por algum motivo, nenhuma das pessoas que passam por essa cura revela às outras os detalhes, e eu recebo novos pedidos todos os meses. Quando uma pessoa é burra o bastante para comer um amia, não sai por aí espalhando. Tenho certeza de que nenhuma de vocês quer gastar um marco de prata.
— Acho que não — respondeu Egwene, e olhou feio para Elayne quando a amiga irrompeu em gargalhadas outra vez.
— Bom — retrucou a mulher grisalha. — Os que eu curo das brigas tendem a me evitar feito espinho em suas redes, a não ser que de fato peguem alguma doença, e eu estou gostando da companhia de vocês. A maioria dos que me procuram hoje em dia querem algo para afastar os sonhos ruins, e ficam irritados quando digo que não tenho nada para lhes dar. — Ela franziu a testa por um momento, esfregando as têmporas. — É bom ver três rostos que não parecem crer que a única saída é se jogar do navio e se afogar. Se ficarem mais tempo em Tear, venham me ver outra vez. A garota chamou você de Maryim? Eu sou Ailhuin. Da próxima vez, conversaremos na companhia de um chá do Povo do Mar, em vez de algo que azede a língua. Mas Luz, eu detesto o gosto de charco-branco. Um peixe amia seria mais doce. Na verdade, se tiverem tempo de ficar mais um pouco, posso preparar uma erva preta de Tremalking. E também falta pouco para a hora do jantar. Só tenho pão, queijo e sopa, mas vocês são bem-vindas.
— Seria excelente, Ailhuin — respondeu Nynaeve. — Na verdade… Ailhuin, se tiver um quarto extra, eu gostaria de alugá-lo para nós três.
A mulher corpulenta encarou cada uma delas sem dizer uma palavra. Ela se levantou, enfiou o vaso de chá de folhas de pântano no armário de ervas, então pegou um bule vermelho e um saco de dentro de outro armário. A mulher só falou depois de coar um bule da erva preta de Tremalking, pôr quatro canecas limpas na mesa, uma vasilha com favo de mel e colheres de peltre e sentar-se de volta na cadeira.
— Tenho três quartos vazios lá em cima, agora que as minhas filhas estão todas casadas. Meu marido, que a Luz brilhe sobre ele, se perdeu numa tempestade nas Garras do Dragão há quase vinte anos. Não precisamos falar em alugar, se eu decidir deixar que fiquem nos quartos. Se, Maryim. — Mexendo o mel dentro do chá, ela examinou as três mais uma vez.
— O que fará a senhora decidir? — perguntou Nynaeve, baixinho.
Ailhuin continuou mexendo, como se tivesse se esquecido de beber.
— Três jovens mulheres guiando bons cavalos. Não entendo muito de cavalos, mas esses aí me parecem tão bons quanto os que lordes e ladies conduzem. Você, Maryim, entende tanto do ofício que deveria estar pendurando ervas na própria janela, ou escolhendo onde pendurar. Nunca ouvi falar de uma mulher que praticasse o ofício longe do local onde nasceu, mas, pelo seu modo de falar, você está muito longe. — Ela olhou para Elayne. — Não existem muitos lugares com essa cor de cabelo. Andor, eu diria, pelo seu modo de falar. Os homens tolos estão sempre querendo encontrar uma andoriana de cabelos amarelos. O que eu quero saber é por quê. Estão fugindo de alguma coisa? Só que não me parecem ladras, e nunca ouvi falar de três mulheres juntas para perseguir um homem. Então me contem o motivo, e, se eu gostar, os quartos são seus. Se quiserem me pagar, podem comprar alguma carne vez ou outra. Carne é sempre bem-vinda, desde que os negócios com Cairhien minguaram.
— Estamos atrás de algumas coisas, Ailhuin — explicou Nynaeve. — Ou melhor, umas pessoas. — Egwene se obrigou a ficar quieta e torceu para estar se saindo tão bem quanto Elayne, que bebericava o chá como se ouvisse uma conversa sobre vestidos. Egwene não acreditava que os olhos escuros de Ailhuin Guenna deixassem passar muita coisa. — Elas roubaram algumas coisas, Ailhuin — prosseguiu Nynaeve. — Da minha mãe. E cometeram assassinato. Estamos aqui para que a justiça seja feita.
— Que minha alma queime — respondeu a mulher corpulenta —, será que vocês não têm homens? Os homens não prestam para muito além de levantar peso e se meter no caminho, na maioria das vezes… E beijar, essas coisas… Mas, se existe uma batalha para lutar ou um ladrão para capturar, deixem que eles façam. Andor é tão civilizada quanto Tear. Vocês não são Aiel.
— Não tinha mais ninguém além de nós — explicou Nynaeve. — Os que talvez pudessem vir no nosso lugar foram mortos.
Três Aes Sedai mortas, pensou Egwene. Elas não poderiam ser da Ajah Negra. Mas, se não tivessem sido mortas, a Amyrlin não teria sido capaz de confiar nelas três. Ela está tentando obedecer aos malditos Três Juramentos, mas está bem no limite.
— Aaah — comentou Ailhuin, com tristeza. — Mataram seus homens? Irmãos, maridos, pais? — Um borrão de cor brotou nas bochechas de Nynaeve, e a mulher interpretou mal a emoção. — Não, garota, não me diga. Não quero revirar mágoas antigas. Deixe assentar no fundo até se dissolver. Isso, isso… fique tranquila. — Egwene se esforçou para não soltar um grunhido de repulsa.
— Preciso contar isso para você — retrucou Nynaeve, com a voz firme. O vermelho ainda coloria sua face. — Esses assassinos e ladrões são Amigos das Trevas. São mulheres, mas tão perigosas quanto qualquer espadachim, Ailhuin. Se você está se perguntando por que não procuramos uma estalagem, é esse o motivo. Elas não podem saber que estão sendo seguidas, e talvez estejam vigiando a cidade à nossa espera.
Ailhuin dispensou tudo aquilo com um fungado.
— Das quatro pessoas mais perigosas que eu conheço, duas são mulheres que não carregam sequer uma faca, e apenas um dos homens é espadachim. Quanto a Amigos das Trevas… Maryim, quando tiver a minha idade, vai aprender que falsos Dragões são perigosos, peixes-leão são perigosos, tubarões são perigosos, assim como as tempestades repentinas do sul. Mas Amigos das Trevas são paspalhos. Paspalhos imundos, mas paspalhos. O Tenebroso está preso onde o Criador o prendeu, e nenhum Espectro ou peixe-papão que assusta criancinhas pode tirá-lo de lá. Paspalhos não me assustam, a não ser que estejam operando meu barco. Suponho que não tenham provas que levem aos Defensores da Pedra? É só a palavra de vocês contra a delas?
O que é um Espectro?, pensou Egwene. E um peixe-papão, aliás?
— Teremos provas quando as encontrarmos — respondeu Nynaeve. — Elas estarão carregando as coisas que roubaram, e sabemos descrever todas elas. São coisas antigas e sem valor para ninguém além de nós e nossas amigas.
— Vocês ficariam surpresas com o valor de algumas coisas antigas — retrucou Ailhuin, seca. — O velho Leuese Mulan puxou três tigelas e uma caneca de pedra-do-coração em suas redes, no ano passado. Lá nas Garras do Dragão. Agora, em vez de um barquinho de pesca, ele é dono de um navio mercante que faz negócios pelo rio. O velho besta nem sabia o que tinha até eu contar pra ele. Devem ter outros de onde aqueles saíram, mas Leuese não conseguiu nem lembrar a localização exata. Não sei nem como era que ele conseguia pescar algum peixe naquela rede. Metade dos barcos de pesca de Tear passaram meses procurando cuendillar em vez de sargos e linguados, depois disso, e alguns até levavam lordes dizendo onde jogar as redes. Isso é o tanto que as coisas velhas podem valer, quando são velhas o bastante. Agora, decidi que vocês precisam mesmo de um homem metido nisso, e conheço o homem certo.
— Quem? — perguntou Nynaeve, mais do que depressa. — Se está pensando num lorde, um dos Grão-lordes, lembre-se de que não teremos provas antes de encontrá-las.
Ailhuin gargalhou até perder o fôlego.
— Garota, ninguém do Maule conhece um Grão-lorde ou qualquer outro tipo de lorde. Peixes amia e lagartos não se misturam. Vou trazer o homem perigoso que conheço que não é espadachim, mas é o mais perigoso dos dois. Juilin Sandar é um caçador de ladrões. O melhor deles. Não sei como isso funciona em Andor, mas aqui os caçadores de ladrões podem trabalhar tanto para você ou para mim quanto para um lorde ou mercador, e cobrando menos por isso. Juilin vai encontrar essas mulheres para vocês, se elas puderem ser encontradas, e vai trazer essas coisas de volta sem nem que vocês precisem chegar perto dessas Amigas das Trevas.
Nynaeve concordou, como se ainda não estivesse inteiramente certa, e Ailhuin amarrou aos sapatos um par daquelas plataformas — que ela chamava de tamancos — e correu para fora. Por uma das janelas da cozinha, Egwene observou a mulher passar pelos cavalos e fazer a curva do beco.
— Você está aprendendo a ser uma Aes Sedai, Maryim — comentou, virando as costas para a janela. — Manipula as pessoas tão bem quanto Moiraine.
O rosto de Nynaeve ficou branco.
Elayne caminhou duro pelo chão e deu um tapa no rosto de Egwene. A jovem ficou tão chocada, que só foi capaz de encará-la.
— Você foi longe demais — informou a mulher de cabelos dourados, com rispidez. — Longe demais. Temos que viver juntas, ou acabaremos morrendo juntas! Por acaso você deu seu nome verdadeiro a Ailhuin? Nynaeve contou a ela o que podia, que estamos caçando Amigas das Trevas. E já é arriscado demais ligar nossos nomes a Amigas das Trevas. Ela disse que as mulheres eram perigosas, assassinas. Preferia que dissesse que são da Ajah Negra? Em Tear? Arriscaria tudo sem saber se Ailhuin conseguiria guardar esse segredo?
Egwene esfregou o rosto, cautelosa. Elayne tinha um braço forte.
— Não sou obrigada a gostar de fazer isso.
— Eu sei. — A Filha-herdeira suspirou. — Nem eu. Mas é o que precisamos fazer.
Egwene se virou outra vez para espiar os cavalos pela janela. Sei que precisamos. Mas não sou obrigada a gostar.