Egwene estava deitada na cama de Nynaeve, o queixo apoiado nas mãos, observando-a andar de um lado para o outro. Elayne se encontrava esparramada diante da lareira, que ainda estava cheia das cinzas do fogo da noite anterior. Mais uma vez, Elayne estudava a lista de nomes que Verin havia fornecido, lendo cada palavra novamente, com muita paciência. As outras páginas, com a lista de ter’angreal, jaziam na mesa. Depois de uma única e chocante leitura, não voltaram a conversar a respeito dela, embora tenham falado sobre todo o resto. E discutido, também.
Egwene bocejou, cobrindo a boca com a mão. A manhã ainda estava na metade, mas nenhuma delas tinha dormido muito. Tiveram que levantar cedo. Para ajudar nas cozinhas e no café da manhã. Para outras coisas sobre as quais ela se recusava a pensar. As poucas horas de sono que conseguira foram repletas de sonhos desagradáveis. Talvez Anaiya pudesse me ajudar a entender os sonhos, aqueles que preciso entender, mas… e se ela for da Ajah Negra? Depois de olhar para cada mulher presente na noite anterior, perguntando-se qual delas seria da Ajah Negra, começava a achar muito difícil confiar em qualquer uma além de suas duas companheiras. No entanto, queria mesmo encontrar uma forma de interpretar aqueles sonhos.
Os pesadelos sobre o que havia acontecido dentro do ter’angreal na noite anterior eram muito fáceis de explicar, embora a tivessem feito acordar chorando. Ela também sonhara com os Seanchan, com mulheres em vestidos com raios bordados nos seios que encolaravam uma longa fileira de mulheres com anéis da Grande Serpente, forçando-as a lançar raios sobre a Torre Branca. Aquilo a fizera acordar suando frio, mas também devia ser só um pesadelo. E o sonho com os Mantos-brancos atando as mãos de seu pai. Um pesadelo causado pelas saudades de casa, supôs. Os outros, no entanto…
Ela olhou mais uma vez para as outras duas mulheres. Elayne ainda lia. Nynaeve ainda andava de um lado para o outro.
Houvera um sonho com Rand estendendo a mão para pegar uma espada que parecia feita de cristal, sem enxergar a fina rede que caía sobre ele. E outro dele ajoelhado em uma câmara onde um vento seco soprava poeira pelo chão, e figuras como a do estandarte do Dragão, porém menores, flutuavam e pousavam em sua pele. Houvera um sonho em que ele caminhava por um grande buraco dentro de uma montanha negra, um buraco repleto de um brilho avermelhado, como se grandes fogueiras ardessem lá embaixo, e até um sonho em que ele enfrentava os Seanchan.
Não estava certa a respeito desse último, mas sabia que os outros deviam significar alguma coisa. Quando ainda pensava que podia confiar em Anaiya, muito antes de ter deixado a Torre, antes de descobrir a verdade sobre a Ajah Negra, algumas perguntas que fizera com muito cuidado — muito, muito cuidado, para que Anaiya achasse que não passava da mesma curiosidade que ela demonstrava a respeito de outros assuntos — revelaram que os sonhos de uma Sonhadora com os ta’veren eram quase sempre significativos. E que, quanto mais forte o ta’veren, mais “quase sempre” se tornava “sempre”.
No entanto, Mat e Perrin eram ta’veren, e ela também havia sonhado com os dois. Sonhos estranhos, até mais difíceis de entender do que os com Rand. Perrin com um falcão no ombro, e Perrin com um gavião. Mas o gavião tinha as garras acorrentadas. Egwene estava convencida, de alguma forma, de que tanto o gavião quanto o falcão eram fêmeas. E o gavião tentava prender a corrente no pescoço de Perrin. Aquilo a fazia tremer mesmo acordada, não gostava de sonhar com correntes. E mais um sonho com Perrin — de barba! — conduzindo uma alcateia enorme, que se estendia até onde a visão alcançava.
Os sonhos com Mat tinham sido ainda piores. Mat colocando o próprio olho esquerdo no prato de uma balança. Mat enforcado em um galho de árvore. Também houve um sonho com o rapaz e os Seanchan, mas ela estava inclinada a descartá-lo como um pesadelo. Fora apenas um pesadelo. Assim como o outro, com Mat falando a Língua Antiga. Devia ter sonhado aquilo por conta do que ouvira durante a Cura dele.
Ela suspirou, e o suspiro transformou-se em outro bocejo. Depois do café da manhã, ela e as outras tinham ido até o quarto de Mat para ver como ele se sentia, mas o rapaz não estava lá.
Ele já deve estar bom até para dançar. Luz, eu provavelmente vou sonhar com danças com os Seanchan! Chega de sonhos, disse a si mesma, com firmeza. Não nesse momento. Pensarei neles quando não estiver tão cansada. Ela pensou nas cozinhas, na refeição do meio-dia que já se aproximava, e depois no jantar e no café da manhã do dia seguinte, e nas panelas, limpeza e esfregação que não acabavam mais. Se é que um dia eu não estarei tão cansada. Trocando de posição na cama, olhou outra vez para as amigas. Elayne ainda estava ocupada com a lista de nomes. Nynaeve andava mais devagar. A qualquer momento, Nynaeve dirá aquilo outra vez. A qualquer momento.
A mulher parou de supetão, encarando Elayne.
— Guarde isso. Já repassamos tudo mais de vinte vezes e não encontramos nada que ajudasse. Verin nos entregou um monte de lixo. A pergunta é: isso era tudo o que tinha ou ela nos deu esse monte de lixo de propósito?
Conforme o esperado. Talvez daqui a meia hora ela diga mais uma vez. Egwene encarou as mãos com a testa franzida, feliz por não poder vê-las direito. O anel da Grande Serpente parecia… deslocado… naquelas mãos enrugadas pela longa imersão em água quente e cheia de sabão.
— Saber os nomes delas ajuda — disse Elayne, ainda lendo. — Saber como elas são, também.
— Você entendeu muito bem o que eu quis dizer — retrucou Nynaeve, ríspida.
Egwene suspirou, cruzou os braços e apoiou o queixo neles. Quando saíra do gabinete de Sheriam naquela manhã, ainda sem um mísero lampejo de sol no horizonte, Nynaeve a aguardava com uma vela no corredor frio e escuro. Ela não pôde enxergar com muita clareza, mas teve certeza de que Nynaeve parecia prestes a explodir. E parecia saber que explodir não adiantaria de nada. Era por isso que estava tão irritada. Ela é tão orgulhosa quanto qualquer homem que já conheci. Mas não deveria descontar em Elayne ou em mim. Luz, se Elayne pode aguentar, ela também deveria poder. Ela não é mais a Sabedoria.
Elayne mal parecia notar se Nynaeve estava ou não irritada. Com a testa franzida, encarava o vazio, pensativa.
— Liandrin era a única Vermelha. Todas as outras Ajahs perderam duas mulheres.
— Ah, fique quieta, criança — resmungou Nynaeve.
Elayne balançou a mão esquerda para exibir o anel da Grande Serpente, lançou um olhar significativo a Nynaeve e prosseguiu.
— Não há duas nascidas na mesma cidade, e não mais que duas no mesmo país. Amico Nagoyin era a mais jovem, uns quinze anos mais velha que Egwene e eu. E Joiya Byir poderia ser a bisavó de nossa bisavó.
Egwene não apreciava o fato de uma Ajah Negra ter o mesmo nome de sua filha. Sua boba! Várias pessoas têm o mesmo nome, e você nunca teve uma filha. Não foi real!
— E o que isso nos diz? — Nynaeve tinha a voz tranquila demais: estava prestes a explodir feito uma carroça cheia de fogos de artifício. — Que segredos você descobriu que eu deixei passar? Estou mesmo ficando velha e cega!
— Isso nos diz que está tudo organizado demais — respondeu Elayne, com calma. — Quais são as chances de treze mulheres escolhidas unicamente por serem Amigas das Trevas estarem tão bem distribuídas entre países e Ajahs? Não deveria haver três Vermelhas, quatro nascidas em Cairhien, ou talvez duas da mesma idade, se fossem escolhidas ao acaso? Deveria haver muitas como opções, ou não conseguiriam tanta aleatoriedade. Ainda há Negras na Torre ou em algum outro lugar que desconhecemos. Só pode significar isso.
Nynaeve deu um puxão na trança, irritada.
— Luz! Acho que você pode estar certa. Realmente, encontrou segredos que eu não encontrei. Luz, esperava que todas tivessem ido embora com Liandrin.
— Nós sequer sabemos se ela é a líder — continuou Elayne. — Ela pode ter recebido a ordem de… se livrar de nós. — Ela comprimiu os lábios. — Acho que só consigo pensar em uma razão para terem escolhido mulheres tão diferentes entre si, para evitar qualquer padrão a não ser uma falta de padrão. Acho que isso significa que existe algum tipo de padrão na Ajah Negra.
— Se houver algum — disse Nynaeve, com firmeza —, nós vamos descobrir. Elayne, se observar sua mãe governar a corte fez você aprender a pensar assim, estou muito contente por ter prestado tanta atenção.
O sorriso que Elayne deu em resposta formou covinhas em suas bochechas.
Egwene olhou para a mulher mais velha com cautela. Parecia que Nynaeve enfim pararia de agir como um urso com dor de dente. Egwene ergueu a cabeça e disse:
— A não ser que queiram nos levar a pensar que estão escondendo algum padrão, para que percamos tempo procurando onde não existe nada. Não estou dizendo que não existe, só que ainda não sabemos. Vamos procurar, mas acho que precisamos procurar outras coisas também. Não acham?
— Até que enfim você decidiu se levantar — disse Nynaeve. — Pensei que tivesse pegado no sono. — A mulher ainda sorria.
— Ela está certa — concordou Elayne, enojada. — Construí uma ponte de palha. Pior que palha. De anseios. Talvez você também tenha razão, Nynaeve. De que adianta esse… lixo? — Ela pegou uma folha de papel da pilha à sua frente. — Rianna tem cabelos pretos com uma mecha branca acima da orelha esquerda. Se eu estiver enxergando isso, é porque estou mais perto dela do que gostaria. — Pegou outra folha. — Chesmal Emry é uma das Curandeiras mais talentosas que já se viu em anos. Luz, imagine só, ser Curada por uma Ajah Negra! — Ela pegou uma terceira folha. — Marillin Gemalphin gosta de gatos e para tudo o que está fazendo para socorrer um animal ferido. Gatos! Ora! — Ela espalhou as folhas e as amassou com as mãos. — É mesmo um monte de lixo.
Nynaeve ajoelhou-se ao lado dela e afastou delicadamente as mãos da jovem dos papéis.
— Talvez sim, talvez não. — Ela alisou as páginas com cuidado sobre o peito. — Você encontrou uma pista para seguirmos. Talvez encontremos outras, se formos persistentes. E ainda tem a outra lista. — Os olhos dela e os de Elayne saltaram para Egwene, olhos castanhos e azuis com a mesma expressão preocupada.
Egwene evitou olhar para a mesa onde estavam as outras folhas. Não queria pensar nelas, mas não podia evitar. A lista de ter’angreal já estava gravada em sua mente.
Item. Uma barra de cristal, lisa e perfeitamente límpida, com um pé de comprimento e uma polegada de diâmetro. Uso desconhecido. Última análise realizada por Corianin Nedeal. Item. A estatueta de uma mulher desnuda, de alabastro, uma mão de altura. Uso desconhecido. Última análise realizada por Corianin Nedeal. Item. Um disco, aparentemente de ferro simples, ainda não enferrujado, de três polegadas de diâmetro, com entalhes finos em ambos os lados, no formato de uma espiral compacta. Uso desconhecido. Última análise realizada por Corianin Nedeal. Muitos itens, e mais da metade com “uso desconhecido” e “última análise realizada por Corianin Nedeal”. Mais precisamente, treze.
Egwene estremeceu. Estou chegando ao ponto de não querer mais nem pensar nesse número.
Eram poucos os itens conhecidos da lista. Aparentemente, nem todos tinham utilidade real, mas ela imaginava que aquilo não era muito reconfortante. Um ouriço entalhado em madeira do tamanho da última junta do dedão de um homem. Uma coisa tão pequena, e sem dúvida inofensiva. Qualquer mulher que tentasse canalizar por esse objeto acabava dormindo. Meio dia de sono tranquilo e sem sonhos, mas era próximo demais para que Egwene não sentisse arrepios. Mais três tinham algo a ver com sono. Foi quase um alívio ler sobre uma barra estriada de pedra negra de um passo de comprimento que produzia fogo devastador, com o aviso PERIGOSO E QUASE IMPOSSÍVEL DE CONTROLAR, escrito à mão com tanta força que Verin havia chegado a rasgar o papel em dois lugares diferentes. Egwene ainda não fazia ideia do que era fogo devastador, mas, embora sem dúvida parecesse mais perigoso que tudo, também era certo que nada tinha a ver com Corianin Nedeal ou sonhos.
Nynaeve depositou as páginas alisadas na mesa. Hesitou antes de espalhar as outras e passar o dedo por uma, depois pela seguinte.
— Aqui tem uma coisa de que Mat iria gostar — disse, em uma voz leve e despreocupada demais. — Item. Um conjunto de seis dados entalhados, com junção nos cantos, de menos de duas polegadas. Uso desconhecido, salvo que canalizar por meio dele parece atrair a sorte de alguma forma ou causar uma reviravolta. — Ela começou a ler em voz alta. — “As moedas jogadas apresentavam a mesma face todas as vezes, e em um teste caíram de pé cem vezes seguidas. Mil lances do dado resultaram em cinco coroas mil vezes.” — Ela deu uma risada forçada. — Mat amaria isso.
Egwene suspirou, se levantou e caminhou, ereta, até a lareira. Elayne se levantou com dificuldade, observando em silêncio, assim como Nynaeve. Egwene puxou a manga para cima o máximo que pôde e enfiou a mão com cuidado pela chaminé. Seus dedos tocaram uma lã dentro da câmara de fumaça, e ela tirou um chumaço de meia fina, empelotado no dedão. Limpou a sujeira de fuligem do braço, levou a meia até a mesa e a sacudiu. O anel retorcido de pedra listrada e manchada rodopiou e caiu em uma página da lista de ter’angreal. Por alguns instantes as três ficaram paradas, observando-o.
— Talvez — disse Nynaeve, por fim — Verin apenas não tenha atentado para o fato de que tantos deles tiveram a última análise feita por Corianin. — Ela não parecia acreditar no que dizia.
Elayne assentiu, mas estava desconfiada.
— Eu a vi caminhando na chuva um dia, ensopada, e levei um manto para ela. Estava tão absorta, pensando em sei lá o quê, que acho que não percebeu que estava chovendo até eu envolvê-la com o manto. Talvez tenha deixado algo passar.
— Talvez — disse Egwene. — Se não tiver esquecido, ela deveria saber que eu perceberia assim que lesse a lista. Não sei. Às vezes acho que Verin percebe mais do que deixa transparecer. Simplesmente não sei.
— Então Verin é suspeita. — Elayne suspirou. — Se ela for da Ajah Negra, elas sabem exatamente o que estamos fazendo. E Alanna. — Lançou um olhar indeciso a Egwene, de esguelha.
A jovem havia contado tudo. Exceto o que acontecera dentro do ter’angreal durante o teste. Não podia se forçar a falar sobre o que se passara lá, não mais do que Nynaeve ou Elayne podiam contar sobre os próprios testes. Havia contado tudo o que acontecera na sala, o que Sheriam dissera sobre a terrível fraqueza conferida pela habilidade de canalizar, cada palavra que Verin dissera, fosse ou não importante. O único ponto que as três tiveram problemas em aceitar fora Alanna. Aes Sedai simplesmente não agiam daquele jeito. Ninguém em sã consciência agia assim, muito menos uma Aes Sedai.
Egwene as encarou, irritada, quase escutando as palavras.
— Uma Aes Sedai também não deve mentir, mas Verin e a Mãe parecem chegar muito perto disso. A Ajah Negra não deveria existir.
— Eu gosto de Alanna. — Nynaeve puxou a trança, depois deu de ombros. — Ah, está bem. Talv… Quer dizer, ela de fato se comportou de um jeito esquisito.
— Obrigada — disse Egwene, e Nynaeve meneou a cabeça em consentimento, como se não tivesse compreendido a ironia.
— De qualquer modo, a Amyrlin viu o que aconteceu, e ela tem muito mais facilidade que nós para ficar de olho em Alanna.
— E quanto a Elaida e Sheriam? — perguntou Egwene.
— Nunca gostei de Elaida — disse Elayne —, mas não acredito que ela seja da Ajah Negra de verdade. E Sheriam? Impossível.
Nynaeve bufou.
— Seria impossível para qualquer uma delas. Quando as encontrarmos, nada pode garantir que todas serão mulheres de quem não gostamos. Mas não pretendo levantar suspeitas, não desse tipo, sobre toda mulher. Precisamos de mais para seguir em frente, além do fato de que talvez tenham visto algo que não deveriam. — Egwene consentiu com a cabeça, tão depressa quanto Elayne, e Nynaeve prosseguiu: — Vamos contar isso à Amyrlin, mas sem dar um peso maior que o merecido. Se ela vier nos visitar como disse que faria. Elayne, se você estiver com a gente quando ela vier, lembre-se de que ela não sabe a seu respeito.
— Vai ser difícil esquecer — retrucou Elayne, enfática. — Mas precisamos encontrar outra forma de falar com ela. Minha mãe teria planejado isso melhor.
— Não se ela não pudesse confiar nas próprias mensageiras — retrucou Nynaeve. — Vamos esperar. Ou vocês acham que uma de nós deveria conversar com Verin? Ninguém acharia suspeito.
Elayne hesitou, então sacudiu a cabeça de leve. Egwene foi mais ligeira e mais vigorosa. Desatenta ou não, Verin omitira muitas coisas para ser alguém confiável.
— Bom. — Nynaeve soava mais do que satisfeita. — Estou muito contente por não podermos falar com a Amyrlin quando quisermos. Assim tomamos nossas próprias decisões e agimos quando e como decidimos, sem que ela conduza cada passo. — Correu a mão pelas páginas que listavam os ter’angreal roubados como se as lesse mais uma vez, depois apertou os olhos na direção do anel de pedra listrada. — A primeira decisão envolve isso. É a primeira coisa que vimos ter ligação real com Liandrin e as outras. — Ela franziu o rosto para o anel e respirou fundo. — Vou dormir com ele hoje à noite.
Egwene não hesitou em tirar o anel da mão de Nynaeve. Quis hesitar — quis manter as mãos onde estavam —, mas não o fez, e ficou satisfeita.
— Sou eu que dizem ser Sonhadora. Não sei se isso me dá alguma vantagem, mas Verin falou que é perigoso usar o anel. Qualquer uma de nós que o use vai precisar de todas as vantagens que tiver.
Nynaeve agarrou a trança e abriu a boca como se fosse protestar. Quando enfim se pronunciou, foi para dizer:
— Tem certeza, Egwene? Sequer sabemos se você é uma Sonhadora, e eu posso canalizar com mais força que você. Ainda acho…
— Você pode canalizar com mais força se estiver com raiva — Egwene a interrompeu. — Como pode ter certeza de que vai ficar com raiva no meio de um sonho? Será que vai ter tempo para ficar com raiva antes de precisar canalizar? Luz, nem ao menos sabemos se alguém é capaz de canalizar em um sonho. Se uma de nós tiver que fazer isso, e você está certa, é a única ligação que temos, esse alguém deveria ser eu. Talvez eu seja mesmo uma Sonhadora. Além disso, foi para mim que Verin deu o anel.
Nynaeve olhou como se quisesse discutir, mas enfim concordou, contrariada:
— Está bem. Elayne e eu estaremos perto. Não sei o que poderemos fazer, mas, se alguma coisa der errado, pelo menos poderemos acordá-la ou… estaremos perto.
Elayne também assentiu.
Agora que tinha o consentimento das outras, Egwene sentiu um embrulho no estômago. Eu as persuadi. Queria não desejar que elas me dissuadissem. Ela notou a presença de uma mulher parada diante da porta, uma mulher em trajes brancos de noviça, com os cabelos em tranças longas.
— Não a ensinaram a bater na porta, Else? — perguntou Nynaeve.
Egwene fechou o punho para esconder o anel de pedra. Teve a estranha sensação de que Else estava olhando para ele.
— Tenho um recado para vocês — respondeu a jovem, muito calma. Seus olhos observavam a mesa, com todos os papéis espalhados, e as três mulheres em volta. — Da Amyrlin.
As três trocaram olhares surpresos.
— Então, o que é? — inquiriu Nynaeve.
Else arqueou uma sobrancelha, divertindo-se.
— Os pertences deixados por Liandrin e as outras foram levados para o terceiro depósito à direita da escadaria principal no segundo porão debaixo da biblioteca. — Ela olhou mais uma vez para os papéis na mesa e saiu, nem devagar nem depressa.
Egwene sentiu dificuldade para respirar. Temos medo de confiar em qualquer uma, e a Amyrlin resolve confiar justo em Else Grinwell?
— Não dá para confiar que aquela idiota não vá soltar a língua para a primeira que encontrar! — Nynaeve correu para a porta.
Egwene agarrou as saias e disparou atrás dela. Seus sapatos derraparam nos azulejos do corredor, mas ela conseguiu ver a roupa branca desaparecendo pela rampa mais próxima e a seguiu correndo. Ela também deve estar correndo, para já estar tão longe. Por que está correndo? O lampejo de branco já desaparecia na descida de outra rampa. Egwene a seguiu.
Uma mulher virou-se na direção dela, na base da rampa, e Egwene parou, confusa. Quem quer que fosse, certamente não era Else. Toda vestida de seda branca e prateada, ela despertava sentimentos que Egwene jamais tivera. Era mais alta e muito mais bonita. Seus olhos negros faziam Egwene sentir-se pequena, franzina e meio suja. Além disso, ela deve conseguir canalizar muito mais Poder que eu. Luz, ela deve ser muito mais esperta que nós três juntas. Não é justo que uma mulher… De repente, deu-se conta de para onde seus pensamentos se encaminhavam. Sua face enrubesceu, e ela se recompôs. Nunca se sentira… menos… que outra mulher, e essa não seria a primeira vez.
— Que audácia — disse a mulher. — Que audácia a sua de sair correndo por aí, sozinha, com tantos assassinatos acontecendo. — Ela soava quase satisfeita.
Egwene se endireitou e ajeitou o vestido mais do que depressa, esperando que a outra mulher não houvesse percebido, mas, sabendo que ela percebera, desejando que não a tivesse visto correr feito uma criança. Pare com isso!
— Por favor, estou procurando uma noviça que veio nessa direção, suponho. Tem olhos grandes e escuros e o cabelo trançado. É gordinha e, de certa forma, bonita. A senhora viu para que lado ela foi?
A mulher alta olhou-a de cima a baixo de um jeito bem-humorado. Egwene não teve certeza, mas achou que ela poderia ter olhado de esguelha para seu punho cerrado, que ainda segurava o anel de pedra.
— Acho que não vai alcançá-la. Eu a vi, e ela estava correndo bem depressa. Suspeito que já esteja bem longe a essa altura.
— Aes Sedai — começou Egwene, mas não teve chance de perguntar para que lado Else havia ido. Algo que talvez fosse raiva ou irritação cintilou naqueles olhos negros.
— Já gastei muito tempo com você. Tenho assuntos mais importantes a tratar. Deixe-me. — Ela fez um gesto na direção de onde Egwene viera.
O comando em sua voz foi tão forte que Egwene se virou e já estava a três passos da subida da rampa quando percebeu o que estava fazendo. Indignada, deu meia-volta. Aes Sedai ou não, eu…
O corredor estava vazio.
Franzindo a testa, ela descartou as portas mais próximas: ninguém morava naqueles quartos, exceto talvez alguns ratos. Então disparou pela rampa, olhando para os dois lados e passando os olhos por todo o corredor. Até espiou, por cima do parapeito, o pequeno Jardim das Aceitas e observou os outros corredores, tanto os de cima quanto os de baixo. Viu duas Aceitas de vestidos enfaixados: uma era Faolain, e a outra, uma mulher que ela conhecia de vista, mas não de nome. Não havia ninguém de branco e prata, em lugar algum.