A descida no elevador foi dolorosamente lenta. O imenso carro tinha um piso de cerca de trinta metros quadrados, com oito ou dez metros de pé direito. O piso era liso e plano em toda a área, a não ser por dois pares de sulcos paralelos, um a cada lado de Richard, que corriam da porta até o fundo do elevador. Sem dúvida, eles podem transportar cargas enormes nisto aqui, pensou Richard, olhando para o alto teto.
Tentou fazer uma estimativa da velocidade de descida, mas era impossível, pois não tinha qualquer ponto de referência. Segundo o mapa do cilindro feito por Richard, os depósitos de melão maná deviam ficar a mil e cem metros acima da base. De modo que se formos até embaixo, ao que seria a velocidade normal de um elevador na Terra, esta viagem demoraria vários minutos.
Foram os três minutos mais longos de sua vida. Richard não tinha absolutamente qualquer idéia do que encontraria quando as portas do elevador se abrissem. Talvez eu me veja do lado de fora, pensou de repente. Talvez esteja no limiar daquela região com as edificações brancas… Será que estão me mandando para casa?
Estava justamente começando a imaginar como a vida poderia ter mudado no Novo Éden, quando o elevador parou. As grandes portas se abriram e durante vários segundos Richard teve a sensação de que o coração lhe tinha saído pela boca. Paradas exatamente defronte dele, e claramente a observá-lo com todos os seus olhos, estavam duas criaturas muito mais estranhas do que qualquer coisa que ele já houvesse imaginado.
Richard não conseguia se mover. O que via era de tal modo inacreditável que ele ficou paralisado enquanto sua mente lutava com os bizarros dados que recebia por meio de seus sentidos. Cada um dos seres diante dele tinha quatro olhos em sua “cabeça”. Além dos ovais, grandes e leitosos, a cada lado de uma linha de simetria invisível, que dividia em dois a cabeça, cada criatura tinha dois olhos adicionais ligados a duas hastes que se elevavam uns dez ou doze centímetros acima da testa. Atrás das grandes cabeças, seus corpos tinham mais dois segmentos, com um par de apêndices para cada segmento, o que lhes dava um total de seis pernas. Os alienígenas estavam eretos, de pé nas patas traseiras, com os quatro apêndices frontais cuidadosamente recolhidos de encontro a seus ventres de cor creme.
Quando elas avançaram na direção dele no elevador, Richard recuou, assustado; as duas criaturas viraram-se uma para a outra e comunicaram-se entre si por meio de um ruído de alta freqüência que vinha de um pequeno orifício circular abaixo dos olhos ovais. Richard piscou, sentiu-se tonto, e caiu sobre um joelho para se reequilibrar, com o coração ainda batendo furiosamente.
Os alienígenas também mudaram de posição, pousando no chão suas pernas do meio. Em tal posição, eles pareciam formigas gigantes com as patas dianteiras recolhidas e a cabeça alta. Durante o tempo todo, as esferas pretas na ponta das hastes dos olhos continuaram a girar, varrendo os 360°, enquanto os materiais leitosos nos ovais marrons escuros se moviam de um lado para outro.
Por vários minutos as criaturas ficaram mais ou menos paradas, como que encorajando Richard a examiná-las. Lutando contra o medo, ele tentou estudá-las de forma objetiva, científica. As criaturas eram mais ou menos do tamanho de cães de porte médio, mas por certo pesariam muito menos. Seus corpos eram magros e muito firmes. Os segmentos das extremidades eram maiores do que o do meio, e as três divisões corporais ostentavam uma carapaça brilhante feita de alguma espécie de material duro.
Richard os classificaria como insetos muito grandes, se não fosse por seus extraordinários apêndices, que eram grossos, talvez até dotados de músculos e cobertos por um “cabelo” curto, muito denso e preto com listras brancas que fazia com que as criaturas parecessem estar usando meias-calças. Suas mãos, se fosse esse seu rótulo adequado, eram livres dessa camada de cabelo e tinham quatro dedos cada, inclusive um polegar com movimento de oposição no par dianteiro.
Richard conseguira tomar coragem suficiente para olhar novamente para aquelas cabeças inacreditáveis quando se ouviu um ruído agudo, como o de uma sirene, atrás dos dois alienígenas, que se viraram. Richard levantou-se e viu uma terceira criatura aproximando-se com passos rápidos. Seus movimentos eram fascinantes. Corria como um gato de seis pernas, esticando-se paralelamente ao chão e dando impulso com um par diferente de pernas a cada passada.
Os três puseram-se a conversar rapidamente e o recém-chegado, levantando a cabeça e as patas da frente, indicou com clareza a Richard que ele deveria deixar o elevador. Ele saiu e caminhou atrás do trio até entrar em um grande salão.
Este era, também, um depósito de melões manás, porém essa era sua única semelhança com o setor das aves no cilindro. Alta tecnologia e equipamento automatizado estavam em evidência por toda parte. No teto, a dez metros acima deles, uma coletora automática movia-se em um sistema de trilhos. Pegava um a um os melões e os empilhava em vagões de carga presos a sulcos no fundo do salão. Enquanto Richard e seus anfitriões observavam, um dos carros de carga correu pelo sulco e parou junto do elevador.
As criaturas saíram pulando por um dos caminhos que atravessavam o grande espaço e Richard apressou-se em segui-las. Elas o esperaram junto à porta, depois partiram correndo para a esquerda, olhando para trás a fim de verificar se ainda podiam vê-lo. Richard correu atrás delas por quase dois minutos, até chegarem a um grande átrio aberto, de muitos metros de altura, com um engenho para transporte no centro.
O engenho era uma espécie de primo distante de uma escada rolante. Na realidade havia dois deles, um subindo e um descendo, em espirais em torno de dois grandes eixos no centro do átrio. Eram rampas e moviam-se muito rapidamente e em ângulos muito inclinados. A cada cinco metros mais ou menos elas atingiam outro nível, ou andar, e o passageiro então andava mais ou menos um metro até a espiral em torno de outro eixo. O que fazia as vezes de corrimão era uma barra a apenas uns trinta centímetros de altura. Os alienígenas viajavam em posição horizontal, com as seis patas na rampa movediça. Richard, que a princípio ficara de pé, rapidamente ficou de gatinhas a fim de não cair da rampa. Durante o trajeto, cerca de uma dúzia de alienígenas, na metade descendente da rampa, passou por Richard e ficaram estarrecidos ao olhá-lo com suas caras espantosas. Mas como será que comem? pensou Richard, notando que o buraco circular que usavam para se comunicar certamente não seria suficientemente grande para a passagem de alimentos. Não havia outros orifícios em suas cabeças, e alguns botões e rugas cujos objetivos eram desconhecidos.
Eles estavam levando Richard para o oitavo ou nono nível. As três criaturas esperaram até que ele atingisse a plataforma desejada. Richard seguiu-as até um edifício hexagonal com marcas vermelho vivo na frente. Engraçado, pensou Richard, olhando para os estranhos rabiscos. Eu já vi essas escritas antes… É claro, no mapa ou documento que as aves estavam lendo.
Richard foi colocado em um cômodo bem iluminado e decorado com gosto, todo com desenhos geométricos em preto e branco. Em torno dele havia objetos de toda forma e tamanho, porém Richard não tinha a menor noção do que seria qualquer um deles. Os alienígenas recorreram a uma linguagem de sinais para indicar a Richard que era ali que ele ficaria. Depois foram embora. Um exausto sr. Wakefield estudou a mobília, tentando descobrir qual daquelas coisas poderia ser a cama, depois deitou-se no chão para dormir.
Myrmigatos. É assim que os vou chamar. Richard acordara depois de dormir durante quatro horas, e não podia parar de pensar naquelas criaturas alienígenas. Queria dar-lhes um bom nome. Depois de desistir de gat-ormiga e de gatosseto, lembrou-se de que quem estuda formigas é chamado de myrmecólogo.
Escolheu myrmigato porque em sua mente o i soava melhor do que o e no meio da palavra.
O quarto de Richard era bem iluminado. De fato, em todos os pontos que vira do habitat dos myrmigatos havia boa iluminação, em contraste com os corredores escuros, sugerindo catacumbas, das partes superiores do cilindro marrom. Não vi mais nenhuma ave desde minha viagem de elevador. De modo que parece que estas duas espécies não vivem juntas. Ao menos, não completamente.
Mas ambas usam melões manás… Qual exatamente será a ligação entre elas?
Um par de myrmigatos entrou pulando pela porta, colocou cuidadosamente um melão cortado e uma caneca de água em frente a ele, depois desapareceu. Richard estava faminto e sedento. Vários segundos depois de ele terminar seu desjejum, o par de criaturas voltou. Usando as mãos de suas pernas dianteiras, os myrmigatos sugeriram que ele se levantasse. Richard ficou olhando para eles. Serão estas as mesmas criaturas que vi ontem? Será este o mesmo par que me trouxe melão e água? Tentou lembrar-se de todos os myrmigatos que vira, inclusive os com que cruzara na rampa. Não conseguiu lembrar-se de uma única característica que distinguisse ou identificasse qualquer indivíduo. Será que todos são iguais? Mas, nesse caso, como poderão saber qual é qual?
Os myrmigatos levaram-no para o corredor e saíram disparados para o lado direito. Isso é ótimo, disse Richard a si mesmo, começando a correr depois de passar alguns segundos apreciando a beleza do andar dos outros. Eles devem pensar que os humanos sejam todos atletas. Um dos myrmigatos parou uns quarenta metros à frente dele. Não se virou, mas Richard sabia que o estava observando, porque ambas as hastes de olhos estavam dobradas para trás, na direção dele. “Já vou”, gritou Richard. “Mas não posso correr tanto assim.” Não levou muito tempo até Richard perceber que o par de alienígenas estava levando-o para um tour pelo habitat dos myrmigatos. O tour fora planejado com grande lógica. A primeira parada, muito rápida, foi em um depósito de melão maná. Richard viu dois carros de carga cheio de melões deslizar por sulcos para um elevador semelhante (ou igual) ao que ele usara para descer, na véspera.
Depois de outra corrida de cinco minutos, Richard entrou em setor radicalmente diferente do antro dos myrmigatos. Enquanto que as paredes na outra seção eram em sua maioria metálicas, em branco e cinzento a não ser pelo seu quarto, aqui tanto as salas quanto os corredores eram profusamente decorados, seja com cores, seja com desenhos geométricos, ou com ambos. Um vasto salão do tamanho de um teatro tinha em seu piso três piscinas. Cerca de cem myrmigatos estavam nessa sala, metade aparentemente nadando nas piscinas (só com as hastes de olhos e a metade superior de suas carapaças fora da água) e a outra metade ou sentada nas divisórias que separavam as piscinas ou perambulando por um estranho edifício na outra extremidade da sala.
Mas estariam realmente nadando? Um exame mais detalhado fez Richard notar que as criaturas não se mexiam na água — elas simplesmente submergiam em um ponto dado e ficavam debaixo da água por vários minutos. O líquido em duas das piscinas era bastante grosso, mais ou menos com a consistência de uma sopa cremosa na Terra, enquanto que a terceira, clara, quase que certamente continha água. Richard ficou seguindo um único myrmigato em seu percurso de uma das piscinas cremosas para a de água, depois novamente para a outra cremosa. E por que razão será que me trouxeram aqui?
Na mesma hora, um myrmigato bateu de leve no ombro de Richard. Ele apontou para Richard, depois para as piscinas, depois para a boca de Richard, que não conseguiu ter a menor idéia do que lhe estava sendo dito. A seguir, o myrmigato guia desceu a inclinação no sentido das piscinas e afundou-se em uma delas, de líquido mais grosso. Quando voltou, ficou de pé no par de pernas traseiras e apontou para os sulcos entre os segmentos de seu baixo-ventre macio, de cor creme.
Obviamente, era importante para os myrmigatos que Richard compreendesse o que acontecia nas piscinas. Na parada seguinte, ele observou uma combinação de myrmigatos e algumas máquinas de alta tecnologia a moer um material fibroso para depois misturá-lo com água e outros líquidos a fim de criar uma pasta fina parecida com o que havia dentro das piscinas. Finalmente, um dos alienígenas pôs o dedo dentro da pasta e depois tocou com o material os lábios de Richard. Eles devem estar me dizendo que as piscinas são para alimentação. Quer dizer então que eles não comem melões manás, afinal? Ou pelo menos que têm uma dieta mais variada? Isto é tudo muito fascinante.
Em breve, eles partiram para mais uma corrida até outro recanto distante do antro. Lá Richard viu trinta ou quarenta criaturas menores, obviamente myrmigatos juvenis, engajados em atividades supervisionadas por adultos. Em aparência física, os pequenos assemelhavam-se a seus maiores, a não ser por uma diferença significativa — não tinham carapaça. Richard concluiu que a camada dura que os recobria não era elaborada pela criatura enquanto seu crescimento não estivesse completo. Embora Richard imaginasse que aquilo que via acontecer com os jovens fosse o equivalente aproximado de um colégio, ou talvez de uma escola maternal, é claro que não tinha meios de sabê-lo com certeza. Mas a certa altura ficou certo de ouvir os jovens repetirem em uníssono uma seqüência de sons emitidos por um myrmigato adulto.
A seguir, viajou na rampa automática com seu par de guias turísticos.
Mais ou menos no vigésimo nível, as criaturas deixaram o corredor principal e o átrio aberto, seguindo por um corredor que terminava em uma vasta fábrica cheia de myrmigatos e máquinas engajados em um impressionante conjunto de tarefas.
Seus guias pareciam sempre estar com pressa, de modo a tornar difícil para Richard estudar qualquer processo em particular. A fábrica era semelhante à sua equivalente na Terra. Havia toda espécie de barulhos, cheiros de elementos químicos e metais, com os tons agudos da comunicação dos myrmigatos perpassando todo o espaço. Em um ponto Richard viu um par de myrmigatos consertando uma máquina para colheita, semelhante à que vira em operação no depósito de melões manás no dia anterior.
Em um canto da fábrica havia uma área especial, separada do resto.
Embora seus guias não o conduzissem naquela direção, a curiosidade de Richard foi provocada. Ninguém o parou quando atravessou a porta da área especial.
Dentro do grande cubículo um operador myrmigato presidia um processo automatizado de manufatura.
Peças longas e finas de metal leve ou de plástico entravam na sala por uma esteira transportadora em determinado ponto. Pequenas esferas de uns dois centímetros de diâmetro vinham de um outro cubículo, ao lado, por uma outra esteira transportadora. Onde as duas esteiras se uniam, uma máquina grande e retangular, montada em uma armação pendurada do teto, descia até os componentes com um som peculiar de sucção. Trinta segundos depois, o operador myrmigato levantava de novo a máquina e um par de pernudinhos saltavam da esteira, encolhia as longas pernas em torno de si e pulava para seu lugar em uma caixa que parecia um vasto invólucro de ovos.
Richard observou o processo se repetindo várias vezes. Ficou fascinado, e também um tanto perplexo. Então os myrmigatos fazem os pernudinhos. E os mapas. E provavelmente também a nave espacial, lá onde for o lugar de onde vêm as aves. Então isto aqui o que é? Alguma espécie avançada de simbiose?
Ele sacudiu a cabeça, enquanto o processo de montagem de pernudinhos continuava a ter lugar à sua frente. Momentos mais tarde, Richard ouviu um barulho de myrmigato atrás de si. Quando se virou, um dos guias ofereceu-lhe uma fatia de melão maná.
Richard estava ficando exausto. Não tinha idéia de há quanto tempo vinha fazendo seu tour, mas tinha a sensação de que já seriam várias horas.
Não havia a menor possibilidade de ele conseguir sintetizar tudo o que estava vendo. Depois de viajar no pequeno elevador até as áreas superiores da região dos myrmigatos, onde Richard não só visitou o hospital das aves, dirigido e operado por myrmigatos, como também viu aves saindo de ovos marrons, parecendo de couro, sob os olhos de médicos myrmigatos, ele ficou certo da existência de uma complexa relação simbiótica entre as duas espécies. Mas por quê? ficou pensando, quando seus guias permitiram-lhe descansar perto do alto da rampa rolante. As aves claramente beneficiam-se dos myrmigatos. Mas o que recebem das aves esses gigantescos gatos-formigas? Seus guias levaram-no por um corredor largo na direção de uma grande porta a várias centenas de metros de distância. Várias, desta vez, não correram.
Ao se aproximarem da porta, três outros myrmigatos entraram na passagem vindos de corredores menores, laterais, e as criaturas começaram a conversar em sua linguagem de alta freqüência. A certa altura, as cinco pararam e Richard imaginou que algum tipo de debate estivesse tendo lugar. Estudou-os cuidadosamente enquanto falavam, particularmente os rostos. Até mesmo as rugas e dobras em torno do orifício para a emissão de ruídos e os olhos ovais eram idênticos de criatura para criatura. Não havia qualquer maneira de se distinguir um myrmigato do outro.
Finalmente, todo o grupo recomeçou a andar para a porta. De longe, Richard subestimara seu tamanho. Ao chegar perto, constatou que tinha de doze a quinze metros de altura, e mais de três de largura. Sua superfície era toda esculpida, de forma intrincada e magnífica, sendo o foco central do trabalho artístico uma decoração quadrada, de quatro painéis, com uma ave voando no quadrado esquerdo do alto, um melão maná no da direita ao alto, um myrmigato correndo na esquerda baixa e algo que parecia algodão-doce em flocos grandes e densos, na direita baixa.
Richard parou para admirar todo aquele trabalho artístico. A princípio, teve uma vaga sensação de já ter visto aquela porta antes, ou pelo menos seu desenho, mas disse a si mesmo que isso era impossível. No entanto, ao correr os dedos pela figura esculpida do myrmigato, sua memória repentinamente despertou. É claro, disse excitadíssimo a si mesmo. No fundo da toca das aves em Rama II. Foi lá que houve o incêndio.
Momentos mais tarde, a porta abriu-se e Richard foi escoltado para dentro do que parecia uma grande catedral subterrânea. O cômodo no qual se viu tinha mais de cinqüenta metros de altura. A forma básica de seu piso era um círculo, com cerca de trinta metros de diâmetro, e seis naves separadas saíam para os lados, em torno do círculo. As paredes eram deslumbrantes. Virtualmente, cada centímetro quadrado era coberto por esculturas ou afrescos criados com meticulosa atenção para os detalhes. Era de beleza avassaladora.
No centro da catedral ficava uma plataforma elevada na qual, de pé, falava um myrmigato. Abaixo dele, havia uma dúzia de outros, todos sentados sobre as quatro pernas traseiras e observando o orador, com fascinada atenção.
Andando em torno do salão, Richard percebeu que a decoração nas paredes, em uma faixa de um metro de largura que ficava a uns oitenta centímetros do chão, contava uma história ordenada. Richard seguiu a faixa em silêncio até atingir o que julgou ser o início da história. A primeira decoração era um retrato esculpido de um melão maná. Nos três painéis seguintes, percebeu que havia uma coisa crescendo dentro do melão. Fosse o que fosse o que estava crescendo era mínimo no segundo painel, porém à altura da quarta escultura já ocupava quase todo o interior do melão.
No quinto painel, uma cabecinha mínima com dois olhos ovais e leitosos, brotos de hastes e um pequeno orifício circular abaixo dos olhos podiam ser vistos forçando sua saída do melão. A sexta escultura, que apresentava um jovem myrmigato muito semelhante aos que Richard vira naquele mesmo dia, confirmou o que vinha deduzindo ao seguir a série de decorações. Mas que merda! disse Richard para si mesmo, então um melão maná é um ovo de myrmigato! Mas isso não faz sentido. As aves comem os melões… De fato, os próprios myrmigatos até os servem a mim… O que será que está acontecendo por aqui?
Richard ficou tão espantado com sua descoberta (e tão cansado de tanto correr durante o seu tour) que se sentou defronte da escultura dos jovens myrmigatos. Tentou compreender qual seria a relação entre os myrmigatos e as aves. Não conseguiu referir-se a qualquer outra simbiose paralela na Terra, embora tivesse perfeita consciência de que espécies muitas vezes trabalhavam juntas a fim de melhorar as possibilidades de sobrevivência de uma e outra.
Porém como poderia uma espécie continuar a manter relações amigáveis com outra quando seus ovos constituíam a única alimentação da segunda espécie?
Richard concluiu que o que ele julgava serem princípios fundamentais biológicos não se aplicavam a aves e myrmigatos.
Enquanto Richard refletia sobre as estranhas coisas que tinha aprendido, um grupo de myrmigatos reuniu-se em torno dele. Todos fizeram-lhe gestos para que se levantasse. Um minuto mais tarde, ele os estava seguindo por uma rampa circular do outro lado do salão para uma cripta especial no porão de sua catedral.
Pela primeira vez desde que entrara no habitat, a luz era mortiça. Os myrmigatos a seu lado moviam-se lenta, quase que reverentemente, enquanto desciam por uma passagem larga com o teto em arco. No outro extremo da passagem havia um par de portas que se abriram para uma grande sala cheia de um material branco e macio. Embora o material, que de longe lembrava algodão, parecesse denso pela quantidade, cada filamento individual era de modo geral muito fino, a não ser pelo fato de eles se apresentarem em bolos, ou gânglios, espalhados sem qualquer plano definido pela grande massa branca.
Richard e os myrmigatos pararam na entrada, cerca de um metro de onde o material branco começava. Aquela teia parecendo algodão estendia-se em todas as direções, no que foi possível a Richard ver. Enquanto estudava sua intrincada construção de malha, os elementos do material começaram a mover-se lentamente, afastando-se para formar uma trilha que continuaria o caminho do corredor para o interior daquela rede. Está vivo, pensou Richard, cujo pulso disparou enquanto olhava tudo fascinado.
Cinco minutos mais tarde, a trilha se abrira o bastante para que Richard entrasse dez metros para dentro do material. Os myrmigatos à sua volta estavam todos apontando no sentido da teia de algodão. Richard começou a abanar a cabeça. Desculpe, pessoal, quis dizer, mas há qualquer coisa a respeito desta situação que eu não gosto. De modo que vou pular esta parte do tour, se não se importam.
Os myrmigatos continuavam apontando. Richard sabia que não tinha escolha. O que será que isso me fará? indagou-se, ao dar o primeiro passo à frente. Me comer? Será que tudo afinal leva a isso? Mas não faria sentido.
Virou-se. Os myrmigatos não tinham se mexido. Richard respirou fundo e caminhou os dez metros da trilha, até chegar a um ponto no qual podia tocar um dos estranhos gânglios daquela malha viva. Enquanto examinava cuidadosamente o gânglio, o material à sua volta começou a se mover novamente, Richard girou e viu que a trilha atrás dele estava se fechando. Momentaneamente frenético, ele tentou correr naquela direção, de volta para o corredor, mas foi uma perda de energia. A teia o apanhou e ele resignou-se a aceitar o que quer que estivesse para acontecer a seguir. Richard ficou perfeitamente imóvel enquanto a teia o envolvia. Os elementos minúsculos, com fios, tinham mais ou menos um milímetro de largura.
Lenta e inexoravelmente, eles começaram a cobrir-lhe o corpo. Espere, pensou Richard. Esperem, vocês vão me sufocar. Porém, surpreendentemente, muito embora centenas de filamentos já se estivessem enrolando em torno de sua cabeça e seu rosto, ele não tinha a menor dificuldade em respirar.
Antes que suas mãos ficassem imobilizadas, Richard tentou puxar um daqueles elementos minúsculos de seu braço. Era quase impossível. Do mesmo modo que iam se enrolando em torno dele, faziam pequenas inserções em sua pele. Depois de puxar muito, ele finalmente conseguiu libertar os filamentos brancos de uma pequena área de seu braço, porém ficou sangrando na área que libertou. Richard olhou para seu corpo e calculou que provavelmente estava com cerca de um milhão de unidades daquela malha viva na camada externa de sua pele. Estremeceu.
Richard continuava espantado por não se sentir sufocado. Quando sua mente começou a se perguntar como o ar estaria chegando até ele através daquela teia, ouviu uma outra voz dentro de sua cabeça. Pare de tentar analisar tudo, dizia ela. Jamais chegará a compreender, de qualquer modo. Ao menos uma vez na vida, simplesmente experimente essa aventura inacreditável.