A festa do reencontro foi um sucesso. Benjy abraçou sua amada Simone no momento em que ela entrou no apartamento, e em menos de um minuto Katie já estava embolada com Patrick no chão.
“Viu”, disse ela, “ainda consigo ganhar de você.”
“Mas só um pouquinho”, reagiu Patrick. “Eu estou ficando mais forte, e é melhor você se cuidar.”
Nicole abraçou tanto Richard quanto Michael antes que a pequena Ellie corresse e pulasse em seus braços. Já era noite, duas horas após o jantar, segundo o relógio de 24 horas adotado pela família, e Ellie já estava quase pronta para sé deitar quando a mãe e as irmãs chegaram. A menina puxou a mãe com muito orgulho pelo corredor até seu quarto, para mostrar que agora já sabia ler “gato”, “cão” e “menino”.
Os adultos deixaram Patrick ficar acordado até cair de exausto, quando Michael o carregou para sua cama e Nicole o foi cobrir. “Que bom que você voltou, mamãe; estava com muitas saudades” foram suas últimas palavras sonolentas.
“Eu também senti; mas acho que não vamos mais ficar longe assim tanto tempo”, respondeu Nicole.
“Espero que não; eu gosto quando você está aqui.”
Lá pela uma hora já estavam todos dormindo, menos Nicole, que não estava cansada. Afinal, acabara de passar cinco semanas dormindo. Depois de ficar deitada ao lado de Richard, inquieta, por meia hora, resolveu fazer um passeio.
Embora o apartamento deles propriamente dito não tivesse janelas, o pequeno átrio logo fora do hall de entrada tinha uma janela que oferecia uma deslumbrante vista dos dois outros vértices do Nodo. Nicole caminhou para o átrio, vestiu seu traje espacial e parou junto à porta exterior, que não se abriu.
Sorrindo para si mesma, pensou: Katie talvez esteja certa. Talvez sejamos apenas prisioneiros aqui. Ficara claro desde o início de sua estada ali que a porta exterior era trancada intermitentemente. A Águia explicara que era “necessário”, a fim de impedir que eles vissem coisas “que não poderiam compreender” o computador de Richard. O veículo tornou a partir imediatamente, assustando até mesmo os adultos com a rapidez de seu desaparecimento. Menos de um minuto mais tarde eles ouviram a primeira voz sem corpo.
“Bem-vindos”, dissera esta em tom destituído de modulações. “Vocês chegaram ao Módulo de Habitação. Sigam diretamente em frente e parem ao atingir a parede cinzenta.”
“De onde vem essa voz?”, perguntou Katie, cuja voz expressava o medo que todos estavam sentindo.
“De todo lugar”, respondeu Richard. “Ela está em cima, em volta, e até embaixo de nós”; e todos ficaram examinando as paredes e o teto.
“Mas como é que ela sabe inglês?”, indagou Simone. “Há mais gente por aqui?”
Richard deu um riso nervoso. “É pouco provável”, respondeu. “É possível que este lugar tenha estado em contato com Rama, de algum modo, e tenha um algoritmo central de línguas. Fico imaginando…”
“Por favor, avancem”, interrompeu a voz. “Estão em um complexo de transporte. O veículo que os transportará a seu setor do módulo está aguardando em um nível mais abaixo.”
Levaram alguns minutos até chegar à parede cinzenta. As crianças jamais haviam estado em imponderabilidade não confinada antes. Katie e Patrick pularam da plataforma e deram cambalhotas e parafusos no ar. Benjy, vendo a farra, tentou copiar suas travessuras, mas infelizmente não conseguiu descobrir como usar o teto e as paredes para voltar à plataforma. Já estava completamente desorientado quando Simone o resgatou.
Quando toda a família e sua bagagem ficaram devidamente posicionadas em frente à parede, uma larga porta abriu-se e eles entraram em um cômodo pequeno. Trajes especiais bem justos, capacetes e sapatilhas estavam cuidadosamente arrumados sobre um banco. “O centro de transporte e a maioria das áreas comuns aqui no Nodo”, disse a voz em perfeito monocórdio, “não têm atmosfera adequada à sua espécie. Terão de usar essas roupas, a não ser que estejam dentro de seu apartamento.”
Quando já estavam todos vestidos, abriu-se uma porta do outro lado da sala e eles entraram no salão principal do centro de transporte do Módulo de Habitação. A estação era idêntica à que mais tarde conheceriam no Módulo de Engenharia. Nicole e sua família desceram dois andares, segundo instruções da voz, depois seguiram pela plataforma periférica circular até onde seu “ônibus” os aguardava. O veículo fechado era confortável e bem iluminado, mas não puderam olhar para fora durante a hora e meia em que ele atravessou um labirinto de passagens. Finalmente, o ônibus parou e sua parte superior abriu-se.
“Tomem o saguão à sua esquerda”, uma outra voz, do mesmo tipo, instruiu-os tão logo os oito pisaram no chão metálico. “O saguão divide-se em dois corredores depois de mais ou menos quatrocentos metros. Tomem o caminho à sua direita e parem em frente à terceira marca quadrada à sua esquerda. É a porta de seu apartamento.”
Patrick saiu correndo por um dos saguões. “Saguão errado”, anunciou a voz, sem qualquer inflexão. “Volte à plataforma e vire para o primeiro saguão à sua esquerda.”
Não havia nada para ver na caminhada da plataforma até seu novo apartamento. Nos meses seguintes eles percorreriam o mesmo caminho muitas vezes, indo para a sala de exercícios ou, vez por outra, para teste no Módulo de Engenharia, mas continuariam a não ver nada senão paredes, tetos e as marcas quadradas que viriam a identificar como portas. O lugar era obviamente todo monitorado. Nicole e Richard tiveram a certeza, desde o início, de que alguns, talvez muitos, dos apartamentos em sua área eram ocupados por alguém ou alguma coisa, porém jamais viram qualquer dos Outros nos corredores.
Depois de encontrar e atravessar a porta especificada como sendo de seu apartamento, Nicole e sua família tiraram as roupas especiais no átrio e guardaram-nas em armários concebidos para esse determinado fim. As crianças sucediam-se para olhar pela janela para os outros dois módulos esféricos enquanto esperavam a abertura da porta interior. Alguns minutos mais tarde viram o interior de seu novo lar pela primeira vez.
Ficaram deslumbrados. Comparado com as condições relativamente primitivas em que tinham vivido em Rama, o apartamento da família no Nodo era um paraíso. Cada uma das crianças tinha seu próprio quarto. Michael tinha uma suíte só para ele em uma extremidade do corredor, enquanto o quarto de dormir principal, que tinha até uma vasta cama de casal, de Nicole e Richard, ficava no extremo oposto do apartamento, bem junto ao hall de entrada. Havia ao todo quatro banheiros, mais cozinha, sala de jantar e até mesmo uma sala de jogos para as crianças. A mobília de cada cômodo era surpreendentemente adequada e desenhada com gosto. O apartamento tinha mais de quatrocentos metros quadrados para eles viverem.
Até os adultos ficaram atônitos. “Mas como é, neste mundo, que eles puderam fazer isto?”, perguntara Nicole a Richard naquela primeira noite, longe dos ouvidos das crianças que vibravam de alegria.
Richard lançou um olhar perplexo em volta. “Só posso supor que de algum modo todas as nossas ações em Rama tinham sido monitoradas e telemetradas aqui para o Nodo. Eles devem também ter acesso a nosso banco de dados e deduziram nosso modo de vida daquele conjunto de informações.” Richard sorriu.
“E é claro que mesmo aqui, se tiverem receptores sensíveis, poderiam estar captando sinais de televisão da Terra. Não é embaraçoso pensar que estejamos sendo representados por tais…”
“Bem-vindos”, outra voz idêntica interrompeu o pensamento de Richard com um som que parecia vir de todas as direções. “Esperamos que tudo em seu apartamento esteja satisfatório. Se não, espero que nos digam. Não nos é possível entender tudo o que vocês dizem, em todos os momentos. Portanto, um método simples de comunicação foi estabelecido. No balcão de sua cozinha há um botão branco. O pressuposto será o de que tudo o que for dito depois de o botão ser apertado seja dirigido a nós. Quando terminarem sua comunicação, tornem a apertar o botão. Desse modo…”
“Primeiro eu tenho uma pergunta”, interrompeu Katie, que correra até a cozinha para apertar o botão. “Exatamente quem são vocês?”
Uma demora mínima de cerca de um segundo antecedeu a resposta. “Nós somos a inteligência coletiva que governa o Nodo. Estamos aqui para ajudá-los, torná-los mais confortáveis e fornecer-lhes tudo o que seja essencial para sua vida. De tempos em tempos, também pediremos a vocês que executem determinadas tarefas que nos ajudarão a compreendê-los melhor…”
Nicole já não via mais o metrô que estivera observando pela janela. Na verdade, estivera tão profundamente imersa em suas lembranças da chegada ao Nodo que se esquecera temporariamente dos recém-chegados. Agora, voltando ao presente, com os olhos da mente imaginou um grupo de criaturas estranhas desembarcando em uma plataforma e ficando espantadas quando uma voz se dirigisse a elas em sua própria língua. A experiência do deslumbramento deve ser universal, pensou ela, e pertencer a todos os elementos químicos conscientes.
Seus olhos levantaram-se do seu campo imediato de visão e focalizaram o Módulo de Administração, lá longe. O que acontecerá ali? Nós, pobres criaturas sem rumo, temos de ficar indo e vindo entre a Habitação e a Engenharia. Todas as nossas atividades parecem ser orquestradas com lógica. Mas por quem? E para quê? Por que será que alguém trouxe todos esses seres para este mundo artificial?
Nicole não tinha respostas para tais indagações infinitas. Como sempre, elas lhe deram uma poderosa consciência de sua própria insignificância. Seu impulso imediato foi o de voltar para dentro e abraçar um de seus filhos. Riu-se de si mesma. Ambas as imagens são indicadores verdadeiros de nossa posição no cosmos, pensou. Somos ao mesmo tempo desesperadamente importantes para nossos filhos e absolutamente nada no esquema maior das coisas. É necessário uma grande sabedoria para perceber que não há qualquer incoerência entre esses dois pontos de vista.