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O trem que vinha de Positano estava cheio, e ao parar na pequena estação às margens do Lago Shakespeare, a meio do caminho para Beauvois, descarregou uma vasta mescla de humanos e biomas. Muitos carregavam sacolas com comida, cobertores e cadeiras dobradiças. Algumas das crianças menores correram da estação para a relva farta e recém-cortada que circundava o lago, rindo e escorregando pela suave encosta que cobria os 150 metros entre a estação e a borda da água.

Para os que não queriam sentar-se na relva, pequenas arquibancadas de madeira haviam sido construídas bem defronte ao estreito píer que se estendia por cinqüenta metros para dentro da água antes de formar uma plataforma retangular. Um microfone, uma espécie de púlpito e várias cadeiras estavam dispostos na plataforma; era dali que o governador Watanabe faria seu discurso comemorando o Dia do Assentamento, depois que terminasse a exibição de fogos de artifício.

Uns quarenta metros à esquerda das arquibancadas, os Wakefields e os Watanabes haviam colocado uma mesa comprida coberta com uma toalha azul e branca. Pratos com pequenas guloseimas estavam arrumados com muito gosto sobre a mesa, enquanto recipientes refrigerados guardavam embaixo as bebidas.

Suas famílias e amigos estavam reunidos nas imediações da área e comiam, ou se ocupavam com algum jogo ou apenas conversavam animadamente. Dois biomas Lincoln caminhavam em meio ao grupo, oferecendo bebidas e canapés aos que estavam longe demais para se servirem da mesa ou das geladeiras.

A tarde estava quente. Quente demais, na verdade, o terceiro dia seguido excepcionalmente quente. Mas quando o sol artificial completou seu miniarco na cúpula acima de suas cabeças e a luz começou lentamente a diminuir, a multidão que esperava nas margens do Lago Shakespeare esqueceu-se do calor.

O último trem chegou apenas alguns minutos antes de a luz desaparecer completamente. Chegava da Cidade Central, ao norte, trazendo coloniais que moravam em Hakone ou San Miguel. Não eram muitos os retardatários, pois a maioria chegara cedo para armar seus piqueniques na relva. Eponine estava nesse último trem. A princípio não tivera qualquer intenção de comparecer à comemoração, mudando de idéia no último instante.

Eponine ficou confusa quando saltou do trem para a relva. Havia tanta gente! Acho que todo o Novo Éden está aqui, pensou ela, e por um momento desejou não ter vindo. Estavam todos com família ou amigos, enquanto ela estava sozinha.

Ellie Wakefield estava jogando ferraduras com Benjy quando Eponine saltou do trem. Ele reconheceu imediatamente a professora, mesmo de longe, por causa de sua braçadeira vermelho vivo. “É Eponine, mamãe” disse Ellie, correndo até Nicole. “Posso convidá-la para ficar conosco?”

“É claro”, respondeu Nicole.

Uma voz no sistema de alto-falantes interrompeu a música tocada por uma pequena banda para anunciar que os fogos de artifício teriam início em dez minutos. Houve alguns aplausos esparsos. “Eponine! Olhe aqui!”, gritou Ellie, sacudindo os braços.

Eponine ouviu chamarem seu nome, mas não conseguia enxergar direito na penumbra. Depois de alguns momentos, ela começou a caminhar na direção de Ellie e, no caminho, sem querer tropeçou em um menininho que mal sabia andar e que estava sozinho na relva. “Kevin!”, gritou a mãe, “afaste-se dela!”

No mesmo instante, um homem grandão e louro agarrou o menininho e afastou-o de Eponine. “Você não devia estar aqui”, disse ele, “no meio de gente decente!”

Um tanto abalada, Eponine continuou na direção de Ellie, que vinha pela relva na direção dela. “Vá para casa, Quarenta e Um”, gritou uma mulher que observara o incidente. Um menino gordo de dez anos, com o nariz cheio de espinhas, apontou o dedo para Eponine, fazendo um comentário inaudível para sua irmã.

“Que bom ver você”, disse Ellie à professora. “Não quer vir comer alguma coisa conosco?”

Eponine concordou. “Tenho pena dessa gente”, disse Ellie, em tom suficientemente alto para que todos pudessem ouvir. “É lamentável que sejam tão ignorantes.”

Ellie conduziu Eponine para a grande mesa e apresentou-a a todos: “Olha aqui, pessoal; para quem não sabe, esta é minha professora e amiga Eponine. Ela não tem sobrenome, de modo que não adianta perguntar como é.”

Eponine e Nicole já se haviam encontrado várias vezes antes, e ficaram trocando amenidades, enquanto um Lincoln oferecia umas tiras de vegetais e uma soda a Eponine. Nai Watanabe trouxe arrastados seus filhos gêmeos, Kepler e Galileo, que haviam completado dois anos na semana anterior, para conhecer a recém-chegada. Um grupo grande de Positano ficou olhando quando Eponine pegou Kepler no colo e este disse, apontando para o rosto de Eponine: “Bonitinha.”

“Deve ser muito difícil”, disse Nicole em francês, com a cabeça indicando o grupo que olhava ofensivamente para Eponine.

“Oui”, respondeu ela. Difícil? refletiu. Esse é o cúmulo da delicadeza para descrever a situação. Que tal absolutamente impossível? Não basta eu ter alguma doença horrível que muito provavelmente vai me matar. Não, ainda tenho de usar uma braçadeira para que os outros me evitem, se assim o preferirem.

Max Puckett levantou os olhos do tabuleiro de xadrez e viu Eponine. “Olá, olá; você deve ser a professora a respeito de quem tenho ouvido falar tanto.”

“Esse é Max”, disse Ellie conduzindo Eponine até ele. “É muito namorador, mas inofensivo. E aquele mais velho que fica nos ignorando é o juiz Pyotr Mishkin… Pronunciei certo, juiz?” “Muito certo, minha jovem”, respondeu o juiz Mishkin, com os olhos presos ao tabuleiro de xadrez. “Raios, Puckett, o que é que você está querendo fazer com esse cavalo? Como sempre, sua jogada é estúpida ou brilhante, e eu não consigo decidir se é uma ou outra.”

O juiz acabou levantando os olhos do tabuleiro e, quando viu a braçadeira de Eponine, levantou-se imediatamente. “Desculpe, senhorita, sinto muito, mesmo. Já é forçada a suportar o suficiente sem ter de aturar desconsiderações de um velho esquisitão e egoísta.”

Um ou dois minutos antes de os fogos de artifício começarem, um grande iate foi visto aproximando-se da área do piquenique, vindo da parte oeste do lago.

Luzes coloridas e moças bonitas podiam ser vistas no deque. O nome Nakamura aparecia em grandes letras em um lado do barco. Ao alto, acima do deque principal, Eponine viu Kimberly Henderson com Toshio Nakamura, que estava ao leme.

O grupo a bordo acenou para quem estava na margem. Patrick correu, excitado, até a mesa. “Olhe só, mamãe, lá está Katie no barco.”

Nicole pôs os óculos para ver melhor. Era realmente sua filha que, de biquíni, acenava a bordo do iate. “Era só, o que faltava”, disse Nicole para si mesma, quando os primeiros fogos explodiram acima deles, enchendo o céu de cor e luz.


“Há três anos”, começou Kenji Watanabe em seu discurso, “uma equipe exploratória da Pinta pisou pela primeira vez neste mundo novo. Nenhum de nós sabia o que esperar. Todos nós nos perguntávamos, particularmente durante aqueles dois meses nos quais passávamos oito horas por dia no sonário, se alguma coisa semelhante a uma vida normal seria possível aqui no Novo Éden.

“Nossos temores iniciais jamais se concretizaram. Nossos anfitriões alienígenas, sejam eles quem forem, nem por uma só vez interferiram em nossas vidas. Pode ser verdade que, como Nicole Wakefleld e outros já sugeriram, que eles estejam continuamente, a nos observar, mas não sentimos suas presenças de forma alguma. Fora de nossa colônia a espaçonave Rama corre para a estrela que chamamos Tau Ceti em velocidade inacreditável. Aqui dentro, nossas atividades cotidianas mal são influenciadas pelas notáveis condições exteriores de nossa existência.

“Antes dos dias no sonário, enquanto ainda éramos viajantes dentro do sistema planetário que gira em torno de nossa estrela natal, o Sol, muitos de nós pensamos que nosso ‘período de observação’ seria breve. Acreditávamos que após alguns meses seríamos devolvidos à Terra, ou até mesmo ao nosso destino em Marte, ou que esta terceira espaçonave Rama desapareceria no espaço distante, como acontecera às outras duas. Aqui onde me encontro, hoje, neste momento, nossos navegadores me informam que continuamos a nos mover para longe do nosso sol, como vimos fazendo há dois anos e meio, a aproximadamente à velocidade da luz. Se, na verdade, será nossa boa sorte voltar um dia a nosso sistema solar primitivo, esse dia estará pelo menos a vários anos de distância no futuro.

“Tais fatores ditaram o tema principal deste meu último discurso do Dia do Assentamento. O tema é simples: meus companheiros coloniais, nós temos de assumir plena responsabilidade por nosso próprio destino. Não podemos esperar que os avassaladores poderes que criaram nosso pequeno mundo nos salvem de nossos erros. Temos de administrar o Novo Éden como se nós e nossos filhos fôssemos ficar aqui para sempre. Cabe a nós zelar pela qualidade de vida aqui, tanto agora como nas gerações futuras.

“No momento, nossa colônia enfrenta uma série de desafios. Reparem que os chamo de ‘desafios’ e não de problemas. Se trabalharmos juntos, poderemos enfrentar a tais desafios. Se pesarmos cuidadosamente as conseqüências a longo prazo de nossas ações, tomaremos as decisões acertadas. Mas se formos incapazes de compreender conceitos como ‘gratificação protelada’ ou ‘para o bem de todos’, então o futuro do Novo Éden está soturno.

“Permitam que tome um exemplo para ilustrar o que digo. Richard Wakefield explicou, tanto na televisão quanto em diversas ocasiões públicas, que o esquema principal que controla nosso clima baseia-se em certos pressupostos para as condições atmosféricas de nosso habitat. Mais especificamente, nosso algoritmo de controle do tempo supõe que tanto os níveis de dióxido de carbono quanto a concentração de partículas de fumaça sejam menores do que uma dada magnitude. Sem compreender exatamente como funciona a matemática da questão, podem perceber que as computações que governam os imputs externos de nosso habitat não ficarão corretos se os pressupostos básicos não forem exatos.

“Não é minha intenção fazer uma conferência científica a respeito de um assunto muito complexo. O que desejo falar realmente é sobre política. Já que a maioria de nossos cientistas acredita que o tempo estranho dos últimos quatro meses é resultado de índices indevidamente altos de dióxido de carbono e de partículas de fumaça na atmosfera, meu governo apresentou propostas específicas para tratar dessas questões. Todas as nossas recomendações foram rejeitadas pelo Senado.

“E por quê? Nossa proposta de impor uma proibição gradativa de lareiras — que de início são totalmente desnecessárias no Novo Éden — foi chamada de ‘restrição de liberdades individuais’. Nossa recomendação cuidadosamente detalhada em favor da reconstituição de parte da rede de ETG, para que a perda de superfície de plantas resultante do desenvolvimento de partes da Floresta de Sherwood e das pastagens no norte pudesse ser compensada, também foi derrotada pelo voto. A razão? A oposição argumentou que a colônia não tinha condições de pagar tal tarefa e, além disso, que a energia consumida pelas novas áreas de rede de ETG resultaria em severas medidas de conservação de eletricidade.

“Senhoras e senhores, é ridículo que enterremos nossas cabeças na areia e esperemos que tais problemas ambientais desapareçam. Cada vez que adiamos assumir uma ação positiva isso significa maiores dificuldades para a colônia no futuro. Não posso acreditar que tantos dos senhores aceitem os devaneios da oposição, de que de algum modo viremos a ser capazes de descobrir como efetivamente funciona o algoritmo do tempo alienígena alterando-o para que funcione adequadamente sob condições e níveis mais altos de dióxido de carbono e partículas de fumaça. Que hybris colossal!”

Tanto Nicole quanto Nai estavam observando a reação à fala de Kenji com muito cuidado. Vários de seus partidários o haviam aconselhado a fazer um discurso leve e otimista, sem discussão de problemas cruciais. O governador, no entanto, fora firme em sua resolução de fazer um discurso significativo.

“Pronto, ele perdeu o público”, sussurrou Nai, inclinando-se para Nicole.

“Está sendo pedante.”

As arquibancadas positivamente estavam ficando inquietas, e metade da platéia estava sentada nelas. O iate de Nakamura, que ancorara perto da margem durante os fogos, partira ostensivamente antes de o governador falar.

Kenji mudou do tópico do meio ambiente para o retrovírus RV-41. Já que essa era uma questão que provocava atitudes apaixonadas na colônia, a atenção da platéia aumentou acentuadamente. O governador explicou então que a equipe médica do Novo Éden, sob a liderança do dr. Robert Turner, fizera heróicos progressos na compreensão da moléstia, mas ainda precisava realizar pesquisas mais extensas para determinar como tratá-la. Passou então a criticar o nível de histeria que forçara a aprovação de uma lei, até mesmo derrubando seu veto, obrigando os coloniais com anticorpos RV-41 em seus sistemas a usar braçadeiras vermelhas em todos os momentos.

“Buuuu!”, gritou um grande grupo composto principalmente de orientais que faziam piquenique no lado oposto ao de Nicole e Nai, para além da arquibancadas.

“… essa pobre e infeliz gente já enfrenta angústias suficientes…”, começou ele a dizer.

“São putas e veados”, gritou um homem atrás do grupo WakefieldWatanabe. Os que estavam em tomo dele riram e aplaudiram.

“… O dr. Turner já afirmou repetidamente que esta doença, como a maior parte das retroviroses, só pode ser transmitida por sangue e sêmen…”

A multidão estava ficando agitada. Nicole esperou que Kenji estivesse atentando para o fato e resumisse seus comentários. Ele tinha a intenção de falar também a respeito da sabedoria (ou falta dela) em se falar de expandir a exploração de Rama para fora do Novo Éden, mas sentiu que perdera contato com o público.

O governador Watanabe parou por um momento e depois emitiu um assovio de arrebentar os tímpanos no microfone. Com isso, os ouvintes se aquietaram momentaneamente.

“Tenho mais alguns comentários a fazer que não devem ofender a ninguém…”

“Como sabem, minha mulher Nai e eu temos filhos gêmeos, que nos fazem sentir abençoados. Neste Dia do Assentamento peço a cada um de vocês que pensem a respeito de seus filhos e imaginem um outro Dia do Assentamento, daqui a cem anos ou até mesmo mil. Imaginem-se cara a cara com aqueles que geraram, seus filhos e os filhos de seus filhos. E ao falarem com eles, e segurá-los em seus braços, será que poderão dizer-lhes que fizeram tudo o que foi razoavelmente possível para deixar para eles um mundo do qual teriam boas probabilidades de encontrar felicidade?” com mulheres à vontade. Tudo o que fazia tinha sucesso. Planejando com muita esperteza seus investimentos, Nakamura já estava em posição, pouco depois da eleição de Kenji Watanabe para governador, de pleitear a compra de um quinto da Floresta de Sherwood do governo. Sua oferta permitiu ao Senado evitar um aumento de impostos que de outro modo seria indispensável para o financiamento das primeiras pesquisas sobre o RV-41.

Parte da floresta que germinava foi devastada e substituída pelo palácio pessoal de Nakamura, além de um novo e fulgurante hotel/cassino, uma área de entretenimento, um complexo de restaurantes e vários clubes. A fim de conciliar seu monopólio, Nakamura, por meio de um lobby vitorioso, conseguiu que fosse votada legislação restringindo o jogo à área em torno de Hakone. Seus capangas passaram então a convencer todo e qualquer empresário de que ninguém gostaria realmente de entrar em concorrência com o “rei Jap”, em matéria de jogatina.

Quando seu poder ficou imune aos ataques, Nakamura permitiu que seus sócios se expandissem nos ramos da prostituição e das drogas, nenhum dos quais era proibido no Novo Éden. Mas para o fim do mandato de Watanabe, quando as políticas do governo começavam a entrar em crescente conflito com sua agenda pessoal, Nakamura resolveu que deveria controlar o governo também, embora não quisesse se ver arcando com o tédio do cargo. Precisava de um testade-ferro manipulável, e recrutou Ian MacMillan, o infeliz ex-comandante da Pinta que fora o perdedor na primeira eleição para governador, vencida por Kenji Watanabe. Nakamura ofereceu a MacMillan o posto de governador em troca de sua fidelidade a ele.

Não havia nada sequer remotamente semelhante a Vegas em qualquer outra parte da colônia. A arquitetura básica desenhada pelos Wakefields e a Águia fora austera, extremamente funcional, com fachadas simples e geométricas. Vegas era exagerada, espalhafatosa, incoerente — uma mixórdia de estilos arquitetônicos. Mas era interessante, e o jovem Patrick O’Toole ficou visivelmente impressionado quando ele e Max Puckett cruzaram o portão externo do complexo.

“Uau!!!” disse ele, de olhos esbugalhados para o vasto anúncio luminoso que piscava acima do portal.

“Não quero diminuir seu entusiasmo, rapaz”, disse Max acendendo um cigarro, “mas a energia necessária para operar apenas esse anúncio seria suficiente para quase um quilômetro quadrado de ETGs.”

“Você parece minha mãe e meu tio”, respondeu Patrick.

Antes de entrar no cassino ou em qualquer dos clubes, cada pessoa tinha de assinar um registro central. Nakamura não perdia uma: tinha um arquivo completo sobre tudo o que cada visitante fizera em Vegas a cada vez que ali entrara. Desse modo, Nakamura ficava informado sobre que segmentos de seus negócios deveriam expandir-se e, melhor ainda, o vício ou vícios especiais de cada cliente.

Max e Patrick entraram no cassino. Enquanto ficavam parados junto à mesa de dados, Max tentou explicar ao rapaz como funcionava o jogo. Patrick, no entanto, não conseguia tirar os olhos das moças que serviam as bebidas em trajes reduzidíssimos.

“Você já trepou, rapaz?”, perguntou Max.

“Perdão, senhor?”, respondeu Patrick.

“Você algum dia já fez sexo, sabe como é, teve uma relação sexual com uma mulher?” “Não, senhor”, disse Patrick, corando.

Uma voz dentro da cabeça de Max disse-lhe que não era sua responsabilidade apresentar o rapaz ao mundo do prazer, enquanto a mesma voz também lembrava a Max que aquilo era o Novo Éden e não Arkansas, pois de outro modo ele teria levado Patrick até Xanadu e financiado sua primeira experiência sexual.

Havia mais de cem pessoas no cassino, uma multidão, levando-se em conta o tamanho da colônia, e todos pareciam estar se divertindo. As garçonetes estavam na verdade distribuindo bebidas grátis tão depressa quanto podiam. Max pegou uma margarita e ofereceu outra a Patrick.

“Não vejo nenhum bioma”, comentou Patrick.

“Não há nenhum no cassino”, respondeu Max. “Nem sequer operando as mesas, onde seriam mais eficientes do que os humanos. O rei Jap acredita que a presença deles inibe o instinto do jogo. Mas são usados com exclusividade em todos os restaurantes.”

“Max Puckett, mas parece mentira”.

Max e Patrick viraram-se. Uma moça bonita usando um vestido suave, cor-de-rosa, aproximou-se deles. “Há meses que não o vejo”, disse ela.

“Olá, Samantha”, disse Max, depois de um encabulado silêncio de vários momentos, bem pouco característico dele.

“E quem é esse jovem bonitão?”, disse Samantha, batendo os longos cílios e olhando para Patrick.

“Este é Patrick O’Toole”, respondeu Max. “Ele é…”

“Ora, vejam só”, exclamou Samantha. “Eu nunca tinha encontrado com nenhum dos colonizadores o-ri-gi-nais”, e ficou estudando Patrick por alguns segundos. “Diga-me, sr. O’Toole”, indagou ela, “é mesmo verdade que vocês todos dormiram durante anos?”

Patrick concordou com a cabeça, embaraçado.

“Minha amiga Goldie diz que essa história toda é uma porrada de mentira, e que você e toda a sua família são agentes da AEI. Ela não acredita nem que a gente tenha saído da órbita de Marte… E Goldie ainda diz mais que todo aquele tempo chatíssimo que nós passamos naqueles tanques também foi parte da mesma embromação.”

“Eu lhe garanto, minha senhora”, respondeu Patrick polidamente, “que nós realmente dormimos durante vários anos. Eu só tinha seis anos quando meus pais me colocaram no beliche. E tinha aspecto quase igual ao de hoje quando acordei”.

“Ora, eu acho isso fascinante, mesmo sem conseguir saber o que pensar de toda a história… Então, Max, o que é que você anda fazendo? E por falar nisso, você vai me apresentar oficialmente?”

“Desculpe… Patrick, está é a srta. Samantha Porter do grande estado de Mississipi. Ela trabalha no Xanadu…”

“Eu sou uma prostituta, sr. O”Toole. Uma das melhores… O senhor já tinha conhecido alguma prostituta antes?”

Patrick enrubesceu. “Não, senhora.” Samantha colocou um dedo debaixo do queixo dele. “Ele é engraçadinho”, disse ela a Max. “Traga ele lá. Se for virgem, eu faço o serviço de graça.” Deu um rápido beijo nos lábios de Patrick, fez meia-volta e foi embora.

Max não conseguiu pensar em nada apropriado para dizer depois que Samantha partiu. Pensou em pedir desculpas mas decidiu que não seria necessário. Max passou o braço nos ombros de Patrick e os dois caminharam para os fundos do cassino, onde as mesas de apostas mais altas ficavam atrás de um cordão de isolamento.

“Tudo bem, agora, yo”, gritou uma jovem de costas para eles. “Cinco e seis fazem um yo.”

Patrick olhou para Max, surpreendido. “Aquela é Katie”, disse ele, apressando o passo na direção dela.

Katie estava completamente absorta no jogo. Deu uma tragada rápida no cigarro, virou de uma vez a bebida que lhe foi servida por um homem moreno que estava a seu lado, depois segurou os dados bem alto, acima da própria cabeça.

“Todos os números”, disse ela, entregando as fichas ao crupiê. “Aqui estão 26 mais cinco marcos ou oito duro… Agora apareça, 44”, disse ela atirando os dados contra o outro extremo da mesa, com um rápido movimento do pulso.

“Quarenta e quatro”, gritou em uníssono todo o grupo que estava em torno da mesa.

Katie deu vários pulos no mesmo lugar, abraçou seu acompanhante, entornou outra bebida e tirou uma longa e lânguida baforada de seu cigarro.

“Katie”, disse Patrick, bem no momento em que ela se preparava para tornar a lançar os dados.

Ela parou em meio ao movimento e virou-se com expressão intrigada em seu rosto. “Raios me partam”, disse ela. “É o meu irmãozinho caçula.”

Katie veio tropeçando para onde Patrick estava, para saudá-lo, enquanto os crupiês e os outros jogadores gritavam para que ela continuasse.

“Você está bêbada, Katie”, disse Patrick baixinho, enquanto a segurava em seus braços.

“Não, Patrick”, respondeu Katie, sacudindo-se e indo aos trancos de volta para a mesa. “Eu estou voando. Estou na minha nave pessoal para as estrelas.”

Ela deu as costas à mesa dos dados e levantou o braço direito bem alto.

“Tudo certo agora, yo. Você está aí dentro, yo?”, gritou ela.

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