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Quando Kenji Watanabe desceu do trem em Hakone foi-lhe impossível não lembrar-se de um outro encontro com Toshio Nakamura, anos antes, em um planeta a bilhões de quilômetros de distância. Ele me telefonou naquela vez, também, pensou Kenji. Insistiu, que conversássemos sobre Keiko.

Kenji parou defronte à vitrine de uma loja e consertou a gravata. No reflexo distorcido pôde ele com facilidade imaginar-se como um idealista adolescente de Kioto a caminho de seu encontro com um rival. Mas isso foi há muito tempo, sem nada em jogo a não ser nossos egos. Agora todo o destino de nosso pequeno mundo…

Sua mulher, Nai, não queria que ele fosse encontrar-se com Nakamura.

Encorajara Kenji a pedir a Nicole uma segunda opinião. Nicole também se opusera a qualquer encontro entre o governador e Toshio Nakamura. “Ele é desonesto, um megalômano louco pelo poder”, dissera Nicole. “Nenhum bem poderá vir de um tal encontro. Ele quer apenas descobrir quais são os seus pontos fracos.”

“Mas ele disse que poderia reduzir a tensão na colônia.”

“A que preço, Kenji? Fique de olho no preço. Aquele homem jamais oferece alguma coisa por nada.”

E então por que razão viera? perguntou uma voz dentro de Kenji quando este olhou para o palácio que seu companheiro de infância construíra para si.

Não tenho certeza, exatamente, respondeu uma outra voz. Talvez por honra. Ou auto-respeito. Alguma coisa das profundezas de minha herança.

O palácio de Nakamura e as residências em torno dele eram construídos de madeira, em estilo clássico de Kioto. Telhados de telhas azuis, jardins cuidadosamente tratados, árvores frondosas, calçadas imaculadamente limpas — até o cheiro das flores lembravam Kenji de sua casa naquele planeta distante.

Foi recebido na porta por uma linda moça usando sandálias e quimono, que se curvou e saudou-o com toda a formalidade japonesa. Kenji deixou seus sapatos na prateleira e calçou sandálias também. Os olhos da moça ficaram no chão enquanto o guiava através de alguns dos poucos cômodos ocidentais do palácio até a área recoberta por tatames onde, dizia-se, Nakamura passava a maior parte de seu tempo, divertindo-se com suas concubinas.

Ao final de um curto caminho, a moça parou e afastou para um lado um biombo de papel decorado com garças voando. “Dozo” disse ela, apontando para que entrasse. Kenji entrou no cômodo de seis tatames e sentou-se, de pernas cruzadas, em uma das duas almofadas defronte de uma brilhante mesa de laca preta. Ele virá com atraso, pensou Kenji. É parte da estratégia.

Uma jovem diferente, também bonita, discretíssima e vestida com um quimono em tom pastel, entrou na sala sem fazer barulho, carregando água e chá japonês. Kenji tomou o chá lentamente enquanto passava os olhos pela sala. Em um canto havia um biombo de madeira de quatro painéis. A uma distância de poucos metros, Kenji pôde perceber que era delicadamente esculpido. Levantouse de sua almofada para observá-lo mais detalhadamente.

O lado virado para ele retratava as belezas do Japão, cada painel dedicado a uma das quatro estações. O quadro do inverno retratava uma estação de esqui nos alpes japoneses recobertos por metros de neve; a primavera mostrava cerejeiras em flor ao longo do Rio Kama em Kioto. O verão era um dia de cristalina clareza com o cume nevado do Monte Fuji a dominar uma paisagem verde. O outono apresentava um delírio de cores nas árvores que cercam o altar e o mausoléu da família Tokugawa em Nikko.

Toda essa espantosa beleza, refletiu Kenji, sentindo-se repentinamente tomado de saudades de seu país natal. Ele tentou recriar o mundo que deixou para trás. Mas por quê? Por que gastaria tanto de seu dinheiro sórdido em arte tão magnífica? Ele é um homem estranho e incoerente.

Os quatro painéis no reverso do biombo falavam de um outro Japão. A riqueza de cores mostrava a batalha do Castelo Osaka, no início do século XVII, depois da qual Ieysu Tokugawa ficou praticamente sem oposição como xogum do Japão. O biombo estava coberto de figuras humanas — guerreiros samurais na batalha, homens e mulheres da corte espalhados pelo terreno do castelo, até mesmo o próprio Senhor Tokugawa, maior do que os outros e parecendo contentíssimo com sua vitória. Kenji divertiu-se ao notar que o xogum esculpido ostentava semelhança mais do que casual com Nakamura.

Kenji estava a ponto de tornar a sentar-se na almofada quando o biombo se abriu e seu adversário entrou. “Omashido sama deshita” disse Nakamura, fazendo ligeiro cumprimento em sua direção.

Kenji curvou-se por sua vez, um tanto canhestramente porque não conseguia tirar os olhos de seu compatriota. Toshio Nakamura estava vestido em traje samurai completo, inclusive sabre e punhal! Tudo isso é parte de alguma manobra psicológica, disse Kenji a si mesmo. Foi concebido para confundir-me ou assustar-me.

“Ano, hajememashoka”, disse Nakamura, sentando-se na almofada defronte à de Kenji. “Kocha ga, oishii desu, ne?”

“Totemo oishii desu”, respondeu Kenji, tomando mais um gole. O chá era realmente excelente. Mas ele não é meu xogum, pensou Kenji. Tenho de alterar esta atmosfera antes de iniciar qualquer conversa séria.

“Nakamura-san, nós somos ambos homens ocupados”, disse o governador Watanabe em inglês. “É importante para mim que dispensemos as formalidades e entremos direto no essencial. Seu representante disse-me pelo telefone, hoje pela manhã, que você está ‘perturbado’ quanto aos acontecimentos das últimas vinte e quatro horas e tem algumas ‘sugestões positivas’ que poderiam reduzir a tensão no Novo Éden. É por isso que vim aqui conversar com você.”

O rosto de Nakamura não demonstrava nada; no entanto, um ligeiro sibilar enquanto falava expressava seu desprazer com a objetividade de Kenji.

“Está esquecido de suas maneiras japonesas, Watanabe-san. É gravemente impolido começar uma discussão de negócios antes de haver cumprimentado seu anfitrião pelo que o cerca e indagado sobre sua boa disposição. Esse tipo de impropriedade sempre leva a discordâncias desagradáveis, que podem ser evitadas…”

“Sinto muito”, disse Kenji com ligeiro traço de impaciência, “mas não preciso de lições, logo suas, sobre minhas maneiras. E além disso nós não estamos no Japão, não estamos sequer na Terra, e nossos costumes antigos japoneses são hoje em dia tão apropriados quanto o figurino que está usando…”

Kenji não tinha a intenção de insultar Nakamura, mas não poderia ter utilizado melhor estratégia para levar seu adversário a revelar suas verdadeiras intenções. O magnata pôs-se abruptamente de pé. Por um momento, o governador chegou a pensar que ele iria puxar da espada.

“Pois muito bem”, disse Nakamura, com olhos implacavelmente hostis, “vamos fazer tudo à sua moda… Watanabe, você perdeu o controle da colônia. Os cidadãos estão muito infelizes com a sua liderança e minha gente me informa de que há muitos boatos de impeachment e/ou insurreição. Você meteu os pés pelas mãos tanto na questão do RV-41 quanto na ambiental, e agora sua juíza preta, após uma série de adiamentos, anunciou que um crioulo estuprador não será julgado por júri. Alguns dos coloniais mais bem-pensantes, sabendo que você e eu temos antecedentes comuns, pediram-me que intercedesse, tentando convencê-lo de afastar-se antes que o derramamento de sangue e o caos se alastrem”.

Isto é inacreditável, pensou Kenji, enquanto ouvia Nakamura. O homem está absolutamente insano. O governador resolveu falar o menos possível na conversa.

“Então, você crê que eu deveria pedir demissão?”, perguntou Kenji após um prolongado silêncio.

“Creio”, respondeu Nakamura, com seu tom se tornando cada vez mais imperioso. “Porém, não imediatamente. Só amanhã. Hoje você tem de exercer seu privilégio executivo para tirar a jurisdição do caso Martinez das mãos de Nicole des Jardins Wakefield. Ela obviamente tem preconceitos quanto ao caso. Os juízes Ianella ou Rodriguez, um ou outro, seriam mais adequados. “Note”, disse ele forçando um sorriso, “que não estou sugerindo que o caso seja transferido para o tribunal do juiz Nishimura.”

“Mais alguma coisa?” perguntou Kenji.

“Só uma. Diga a Ulanov para retirar-se da eleição. Ele não tem qualquer possibilidade de ganhar e a continuação dessa campanha que divide a colônia só serve para tornar mais difícil trabalharmos todos juntos depois da vitória de MacMillan. Precisamos estar unidos. Prevejo uma séria ameaça à colônia por parte de seja qual for o inimigo que mora no outro habitat. Os pernudinhos, que você parece crer sejam ‘observadores inócuos’, são apenas seus sentinelas avançados…”

Kenji ficou perplexo diante do que estava ouvindo. Como teria Nakamura ficado tão deformado? Ou será que sempre fora assim?

“… Devo salientar que o tempo é essencial”, dizia Nakamura, “em particular com relação à questão Martinez e à sua demissão. Pedi a Kobayashi-san e a outros membros da comunidade asiática que não ajam com precipitação, porém depois da noite de ontem não sei se poderei controlá-los. Sua filha era uma jovem bonita e talentosa. Seu bilhete de suicídio deixa claro que não lhe era possível viver com a vergonha implícita nos repetidos adiamentos do julgamento de seu estuprador. Há uma raiva muito genuína e generalizada…”

O governador Watanabe esqueceu-se temporariamente de sua resolução de se manter em silêncio. “Você está ciente”, disse ele levantando-se também, “que o sêmen de dois indivíduos diferentes foi encontrado em Mariko Kobayashi depois da noite em que ela foi supostamente estuprada? E que tanto Mariko quanto Pedro Martinez repetiram insistentemente que estiveram juntos e sozinhos durante toda a noite?… Até mesmo quando Nicole sugeriu a Mariko, na semana passada, que havia provas de uma outra relação sexual a jovem ficou firme em sua versão.”

Nakamura perdeu momentaneamente sua segurança. Encarou Kenji sem expressão alguma. “Não pudemos identificar quem foi o outro participante”, continuou Kenji. “As amostras de sêmen desapareceram misteriosamente do laboratório do hospital antes que a análise integral de DNA fosse completada. Só o que temos são os registros do exame original.”

“Tais registros poderiam estar errados”, disse Nakamura, recobrando sua autoconfiança. “É muito pouco provável. Mas de qualquer modo, podemos assim compreender o dilema da Juíza Wakefield. Todo mundo na colônia já decidiu que Pedro é culpado. Ela não quis que um júri o condenasse erradamente.”

Houve um longo silêncio. O governador preparou-se para partir.

“Você me surpreende, Watanabe”, disse Nakamura finalmente, “pois não compreendeu de todo a razão deste nosso encontro. O fato daquele porcaria daquele Martinez ter ou não estuprado Mariko Kobayashi não tem realmente a menor importância… Eu prometi ao pai dela que o rapaz nicaragüense seria punido. E é isso o que conta”.

Kenji Watanabe olhou com repugnância para seu colega de infância. “Vou sair agora”, disse ele, “antes que me zangue realmente.”

“Você não terá outra oportunidade”, disse Nakamura, novamente com hostilidade nos olhos. “Esta foi minha primeira e última oferta.”

Kenji sacudiu a cabeça, abriu ele mesmo o biombo de papel e saiu para o corredor.


Nicole estava caminhando por uma praia linda e ensolarada. A cerca de cinqüenta metros à sua frente, Ellie estava parada ao lado do dr. Turner. Estava usando seu vestido de noiva, porém o noivo estava usando um calção de banho.

O bisavô de Nicole, Omeh, estava realizando a cerimônia vestido com sua linda túnica tribal verde.

Omeh colocou as mãos de Ellie nas do dr. Turner e começou um cântico Senoufo. Levantou os olhos para o céu. Uma ave extraterrestre sobrevoava o quadro, gritando no ritmo do cântico de bodas. Quando Nicole olhou para a ave, o céu escureceu. Nuvens de tempestade invadiram o quadro, substituindo o céu plácido.

O oceano começou a encapelar-se e o vento a soprar. O cabelo de Nicole, agora totalmente grisalho, estendeu-se para trás. O grupo das bodas ficou totalmente desorganizado. Todos correram para buscar abrigo e fugir da tempestade que se aproximava. Nicole não conseguia mover-se. Seus olhos estavam fixos em um grande objeto sendo batido pelas ondas.

O objeto era uma grande sacola verde, parecida com os sacos plásticos usados para lixo de jardim no século XXI. A sacola estava cheia e vinha em direção à praia. Nicole queria tentar agarrá-la mas tinha medo do mar bravio. Ela apontou para a sacola e gritou por socorro.

No canto esquerdo superior da tela de seu sonho viu uma grande canoa.

Quando esta se aproximou, Nicole se deu conta que seus oito ocupantes eram extraterrestres alaranjados, menores que os humanos. Pareciam ser feitos de massa de pão. Tinham olhos e rostos, mas eram glabros. Os alienígenas conduziram sua canoa até a sacola verde e pegaram-na.

Os extraterrestres alaranjados depositaram a sacola na praia e Nicole não se aproximou enquanto eles não tornaram a entrar em sua canoa e voltaram para o oceano. Ela acenou para eles como despedida e caminhou até a sacola, cujo zíper abriu cuidadosamente. Quando havia puxado aproximadamente metade, viu o rosto morto de Kenji Watanabe. Nicole teve um arrepio, gritou e sentou-se na cama. Estendeu a mão para Richard, porém a cama estava vazia. O relógio digital na mesa mostrava que eram 2:48 da manhã. Nicole tentou ralentar a respiração e libertar sua mente daquele sonho horrível.

A vivida imagem de Kenji Watanabe morto demorou-se em sua memória.

Andando até o banheiro, Nicole lembrou-se de seus sonhos premonitórios sobre a morte de sua mãe, nos tempos em que tinha dez anos. E se Kenji Watanabe realmente fosse morrer? pensou ela, sentindo uma primeira onda de pânico.

Forçou-se a pensar sobre outra coisa. Onde estaria Richard àquela hora da noite?

ficou imaginando. Enfiando um robe, Nicole saiu do quarto.

Caminhou silenciosamente, passou pelos quartos das crianças e foi para a parte da frente da casa. Benjy roncava, como de hábito. A luz estava acesa no escritório, mas Richard não estava lá. Dois dos novos biomas e o Príncipe Hal também tinham sumido. Um dos monitores na mesa de trabalho de Richard ainda tinha a tela ocupada.

Nicole sorriu e lembrou-se do acordo que tinha entre eles. Apertou as teclas Nicole no teclado e o quadro mudou. “Minha queridíssima Nicole”, leu ela na mensagem que apareceu, “se acordar antes de eu voltar, não se preocupe.

Planejo estar de volta de madrugada, o mais tardar amanhã às oito da manhã.

Venho fazendo um trabalho com os biomas da série 300 — você se lembra, aqueles que não foram inteiramente programados em firmware e portanto podem ser designados para tarefas especiais — e tenho motivos para pensar que alguém anda espionando meu trabalho. Portanto, acelerei a conclusão de meu projeto em curso e saí do Novo Éden para um teste final. Eu te amo. Richard.”


Estava escuro e frio na Planície Central. Richard tentou ser paciente. Ele mandara seu Einstein aprimorado (Richard referia-se a ele como o Super-A1) e Garcia 325 até o local de exploração do segundo habitat, na frente. Eles tinham explicado ao vigia noturno, um bioma Garcia standard, que a programação publicada de experiências fora mudada e que uma investigação especial estava a ponto de ser realizada. Com Richard ainda invisível, Al havia então retirado todo o equipamento da abertura que dava para o outro habitat e o colocado no chão. O processo consumira uma preciosa hora. Agora que o Super-A1 finalmente terminara, ele fez um sinal para que Richard se aproximasse. O Garcia 325 com grande habilidade levou o vigia bioma para uma outra área para além da sonda a fim de que ele não pudesse ver Richard.

Sem perder tempo, Richard tirou o Príncipe Hal do bolso e o colocou na abertura. “Vá depressa”, disse ele, montando seu pequeno monitor no chão da passagem. A abertura para o outro habitat fora gradativamente alargada ao longo daquelas semanas de modo que agora se tornara aproximadamente um quadrado com oitenta centímetros de lado. Havia mais do que espaço suficiente para o robozinho.

O Príncipe Hal precipitou-se para o outro lado. O desnível da passagem para o chão no interior era de mais ou menos um metro. Com eficiência, o robô ligou um pequeno cabo a uma escora que colou ao chão da passagem e depois abaixou-se por ele. Richard observava todos os movimentos em sua tela e transmitia por rádio suas instruções. Richard esperava que existisse um anel exterior de proteção do segundo habitat e estava correto. Então o desenho básico dos dois habitats é semelhante, pensou. Ele antecipara igualmente que houvesse algum tipo de abertura na parede interior, algum portão ou porta por onde os pernudinhos poderiam ir e vir, e o Príncipe Hal seria suficientemente pequeno para entrar no habitat pelo mesmo acesso.

Hal não demorou muito para encontrar a entrada para a área principal do habitat. No entanto, o que era obviamente uma porta estava mais de vinte metros acima do piso do anel. Tendo observado as gravações em vídeo dos pernudinhos a percorrerem superfícies verticais dos bulldozer bióticos no sítio de observação Avalon, Richard se havia preparado também para tal possibilidade.

“Escale”, ordenou ele ao Príncipe Hal depois de um olhar nervoso para o relógio. Eram quase seis horas. A aurora já estava para chegar no Novo Éden. Em breve, os cientistas regulares estariam voltando para o sítio de exploração.

A entrada para o interior do habitat era cem vezes a altura do Príncipe Hal acima do piso. A ascensão do robô seria o equivalente de um ser humano subir a parede de um edifício de sessenta andares. Em casa, Richard fizera o robozinho praticar, escalando a casa, porém ele sempre estivera ali, a seu lado. Haveria reentrâncias para apoio de mãos e pés na parede que Hal deveria subir? Pelo monitor não dava para Richard perceber. Estariam incluídas no subprocessador mecânico de engenharia do Príncipe Hal todas as equações corretas? Logo, logo eu vou descobrir, refletiu Richard quando seu aluno mais brilhante começou a subir.

O Príncipe Hal escorregou e ficou pendurado pelas mãos uma vez, mas acabou conseguindo chegar ao alto. Porém, a subida levou mais meia hora.

Richard sabia que seu tempo estava se esgotando. Quando Hal se suspendeu até o peitoril de uma vigia circular, Richard viu que o ingresso do robô no habitat propriamente dito estava bloqueado por uma tela. No entanto, uma pequena parte do interior podia ser mal e mal divisada à luz mortiça. Richard posicionou cuidadosamente a camerazinha de Hal de modo a poder olhar através da grade.

“O vigia insiste em ter de voltar para seu posto”, anunciou Garcia 325 pelo rádio. “Ele tem de fazer seu relatório diário às 6:30.”

Merda, pensou Richard, isso só me deixa mais seis minutos. Lentamente, ele girou Hal ao longo da beirada da vigia, para ver se conseguia identificar alguns objetos no habitat interior. Richard não conseguiu ver nada específico.

“Guinche”, ordenou Richard aumentando o volume do robô até o máximo.

“Guinche até eu lhe dizer para parar.”

Richard não havia testado o novo amplificador que instalara no Príncipe Hal em sua potência máxima. Ficou portanto atônito pelo alcance da imitação do grito das aves por Hal. Ela ressoou na passagem e Richard deu um pulo para trás. Está danado de bom, disse Richard depois de se recompor, pelo menos se a minha memória for precisa.

O vigia noturno bioma em pouco chegou onde estava Richard e, seguindo suas instruções programadas, pediu-lhe seus papéis pessoais e uma explicação do que estivera fazendo. Super-Al e Garcia 325 tentaram confundir o vigia, porém quando este viu que não conseguia obter a cooperação de Richard, insistiu em que teria de fazer um relatório de emergência. No monitor Richard viu toda a tela metálica abrir para um lado e seis pernudinhos pularem em torno do Príncipe Hal, enquanto o robô continuava a guinchar.

A Garcia vigia noturno começou a transmitir seu sinal de emergência.

Richard tomou consciência de que só teria alguns minutos antes de ser forçado a sair dali. “Venha embora, raios, venha embora” disse ele, observando o monitor entre rápidas olhadelas para a Planície Central atrás dele. Ainda não aparecera qualquer luz vinda do lado de sua cidade.

A princípio, Richard pensou que tivesse imaginado. Mas depois tornou a ouvir o rufar de grandes asas. Um dos pernudinhos estava obscurecendo parcialmente sua visão, mas momentos mais tarde viu uma garra familiar tentando alcançar o Príncipe Hal. O grito da ave que se seguiu confirmava o que vira. A imagem no monitor ficou confusa.

“Se tiver possibilidade”, gritou Richard no rádio, “tente voltar para a passagem. Eu volto para buscá-lo mais tarde.”

Virando-se, ele guardou o monitor em sua sacola. “Vamos”, disse ele a seus dois colaboradores biomas, e os três começaram a correr na direção do Novo Éden.

Richard estava triunfante ao correr para casa. Meu palpite estava certo, disse ele, exultante, para si mesmo. Isso muda tudo… mas agora eu tenho de ir casar uma filha.

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