A mansão do Lorde Barthanes parecia um enorme sapo agachado no escuro da noite, ocupando uma área quase tão extensa quanto a de uma fortaleza, com todos os anexos e muros. No entanto, não era uma fortaleza, pois janelas compridas espalhadas por todos os lados deixavam escapar a luz e o som de música e risadas do interior. Ainda assim, Rand pôde ver guardas se movendo nos topos das torres e pelas passarelas nos telhados, e nenhuma das janelas ficava perto do chão. Ele desmontou de Vermelho, ajeitou o casaco e ajustou o cinturão da espada. Os outros também desmontaram ao redor dele, ao pé de uma larga escadaria de pedra branca que levava às enormes portas da mansão, cobertas de entalhes.
Havia uma escolta de dez shienaranos, sob o comando de Uno. O caolho trocou leves acenos de cabeça com Ingtar antes de levar seus soldados para se juntarem às outras escoltas, junto a uma grande fogueira onde assava um boi inteiro preso em um espeto e cerveja era oferecida aos homens.
Os outros dez shienaranos haviam sido deixados para trás, junto com Perrin. Cada uma das pessoas presentes estaria lá com um propósito, explicara Verin, e não havia motivos para Perrin participar. Aos olhos cairhienos, uma escolta era necessária para transmitir dignidade, mas pareceria suspeita se fosse composta por mais de dez pessoas. Rand iria porque recebera o convite. Ingtar, para acrescentar o prestígio de seu título de lorde ao grupo. Loial os acompanharia porque os Ogier eram cobiçados na alta nobreza cairhiena. Hurin fingiria ser o serviçal pessoal de Ingtar, mas seu verdadeiro propósito era farejar os Amigos das Trevas e Trollocs, se pudesse, pois a Trombeta de Valere não deveria estar muito longe de onde eles estivessem. Mat, ainda resmungando, fingiria ser o serviçal pessoal de Rand, já que conseguia sentir a adaga quando ela estava por perto. Se Hurin falhasse, talvez ele conseguisse encontrar os Amigos das Trevas.
Quando Rand perguntou a Verin por que ela iria, ela se limitou a sorrir e responder:
— Para manter vocês longe de problemas.
Enquanto subiam a escada, Mat murmurou:
— Ainda não entendo por que tenho que fingir ser um serviçal. — Ele e Hurin caminhavam atrás dos demais. — Que me queime. Se Rand pode ser um Lorde, eu também posso colocar um casaco metido a besta desses.
— Um serviçal — respondeu Verin, sem olhar para trás —, pode entrar em muitos lugares que outros homens não conseguiriam, e muitos nobres sequer vão reparar em sua presença. Você e Hurin têm objetivos a cumprir.
— Fique quieto agora, Mat — acrescentou Ingtar —, a menos que queira nos entregar.
Estavam chegando às portas, onde havia meia dúzia de guardas com a Árvore e a Coroa da Casa Damodred estampada no peitoral, e mais meia dúzia de homens vestindo uniformes verde-escuros com a Árvore e a Coroa na manga.
Respirando fundo, Rand apresentou o convite.
— Sou Lorde Rand, da Casa al’Thor — recitou, bem depressa, para acabar logo com aquilo. — E estes são meus convidados. Verin, Aes Sedai da Ajah Marrom. Lorde Ingtar, da Casa Shinowa, de Shienar. Loial, filho de Arent, filho de Halan, do Pouso Shangtai. — Loial pedira para deixarem seu pouso fora daquilo, mas Verin insistira que precisavam apresentar toda a formalidade que conseguissem.
O serviçal, que recebera o convite com a reverência exigida pela situação, sobressaltou-se de leve ao ouvir o nome de cada acompanhante. No de Verin, seus olhos se arregalaram. Com uma voz abafada, ele respondeu:
— Sejam bem-vindos à Casa Damodred, milordes. Seja bem-vinda, Aes Sedai. Seja bem-vindo, amigo Ogier.
Ele gesticulou para que os outros serviçais abrissem bem as portas e fez uma reverência enquanto Rand e os outros entravam. Lá dentro, ele se apressou em entregar o convite a outro homem uniformizado, sussurrando algo em seu ouvido.
O homem tinha a Árvore e a Coroa em um grande bordado no peito do casaco verde.
— Aes Sedai — disse, usando o longo cajado para fazer a reverência, quase levando a cabeça aos joelhos a cada cumprimento que fazia. — Milordes. Amigo Ogier. Me chamo Ashin. Por favor, sigam-me.
No salão externo havia apenas serviçais, mas Ashin os levou até um grande aposento repleto de nobres, com um malabarista se apresentando em uma ponta e acrobatas na outra. Vozes e música vinham de outros lugares, indicando que aqueles não eram os únicos convidados, nem o único entretenimento. Os nobres conversavam em pares, trios ou quartetos. Às vezes os grupos eram compostos tanto de homens quanto de mulheres, às vezes apenas de um ou de outro sexo. No entanto, sempre havia um espaço calculado com muito cuidado entre eles, para que ninguém pudesse entreouvir a conversa de outro grupo. Os convidados usavam as roupas escuras típicas dos cairhienos, a maioria com listras brilhantes que iam até pelo menos a metade do peito, uns poucos com listras que iam até a cintura. As mulheres usavam os cabelos presos em altas torres de cachos, cada uma diferente da outra, e suas saias escuras eram tão armadas nas laterais que elas precisariam se virar de lado para passar por portas mais estreitas que as da mansão. Nenhum dos homens tinha a cabeça raspada característica dos soldados. Todos usavam chapéus de veludo preto sobre os cabelos longos, alguns com formato de sino, outros de topo reto. E, assim como as mulheres, tinham as mãos parcialmente ocultas por camadas de renda que lembrava marfim negro.
Ashin bateu seu cajado no chão e os anunciou em voz alta, começando por Verin.
O grupo atraiu todos os olhares. Verin usava seu xale de franjas marrons com bordados de parreiras. Um murmúrio percorreu a multidão de nobres quando a presença de uma Aes Sedai foi anunciada, e o malabarista deixou cair uma das argolas, mas ninguém reparou, pois ninguém mais olhava para ele. Loial recebeu quase a mesma quantidade de olhares, antes mesmo de Ashin dizer seu nome. A despeito dos bordados prateados no colarinho e nas mangas, o casaco quase completamente preto de Rand o fazia parecer quase austero perto dos cairhienos, e sua espada e a de Ingtar atraíram muitos olhares. Nenhum dos lordes parecia estar armado. Rand ouviu as palavras “marca da garça” mais de uma vez. Alguns dos olhares que recebia pareciam irritados, e ele suspeitava de que vinham de homens que insultara ao queimar seus convites.
Um homem belo e esbelto se aproximou. Tinha cabelos longos, já meio grisalhos, e listras de diversas cores cruzavam a frente de seu casaco cinza-escuro, indo do pescoço até quase a bainha, logo acima dos joelhos. Era extremamente alto para um cairhieno, apenas cerca de meia cabeça mais baixo que Rand, e sua postura o fazia parecer ainda mais alto. Ele mantinha o queixo empinado, o que dava a impressão de que sempre estava olhando a todos de cima. Seus olhos eram completamente pretos. No entanto, o homem olhou para Verin com cautela.
— A Graça me honra com sua presença, Aes Sedai. — A voz de Barthanes Damodred era grave e segura. Seu olhar passou pelos demais. — Não esperava companhia tão distinta. Lorde Ingtar. Amigo Ogier. — A mesura que fez a cada um foi pouco mais que um cumprimento com a cabeça: Barthanes sabia bem qual era a dimensão de seu poder. — E você, meu jovem Lorde Rand. Sua presença na cidade gerou muitos comentários, até mesmo nas Casas. Talvez tenhamos a oportunidade de conversar hoje à noite. — Seu tom dizia que, se a conversa não acontecesse, também não lhe faria falta, e que não se interessara pelos comentários, mas seus olhos desviaram de modo quase imperceptível antes de encontrar os de Rand, examinando Ingtar, Loial e Verin. — Sejam bem-vindos. — Ele se deixou ser levado por uma bela mulher, que pôs a mão cheia de anéis e coberta de rendas em seu braço, mas voltou a olhar para Rand enquanto se afastava.
As conversas recomeçaram, e o malabarista voltou a jogar suas argolas, em um arco estreito que quase chegava ao teto ornamentado, umas boas quatro braças acima. Os acrobatas não haviam sequer interrompido a apresentação: uma mulher saltou dos braços de um de seus companheiros. Sua pele untada com óleo brilhava à luz de cem lampiões enquanto ela girava no ar, até aterrissar com os pés bem nas mãos de um outro homem apoiado nos ombros de um terceiro. Ele a ergueu nos braços estendidos enquanto o homem abaixo o erguia da mesma forma, e ela abriu os braços como se esperasse aplausos. Nenhum dos cairhienos pareceu notar.
Verin e Ingtar se misturaram à multidão. O shienarano recebeu alguns olhares desconfiados. Algumas pessoas fitavam a Aes Sedai de olhos arregalados, e outras, com uma expressão preocupada, como se estivessem perto demais de um lobo raivoso. Estes últimos eram mais homens do que mulheres, e algumas das mulheres chegaram a conversar com ela.
Rand percebeu que Mat e Hurin já haviam sumido cozinha adentro, onde todos os serviçais que acompanhavam os convidados aguardavam até serem chamados. Torcia para que os dois não tivessem problemas em sair despercebidos.
Loial se curvou, de modo a falar apenas para os ouvidos de Rand:
— Rand, há um Portal dos Caminhos aqui por perto. Eu posso sentir.
— Você quer dizer que este lugar era um bosque Ogier? — perguntou Rand, e voz baixa, e Loial assentiu.
— O Pouso Tsofu ainda não tinha sido reencontrado quando o bosque foi plantado, ou os Ogier que ajudaram a construir Al’cair’rahienallen não precisariam de um bosque para lembrá-los dos pousos. Este lugar era uma floresta quando eu passei por Cairhien antes, e pertencia ao Rei.
— Barthanes deve ter tomado a terra em alguma trama — Rand olhou em volta, nervoso. Todo mundo ainda estava envolvido nas conversas, mas não eram poucos os que observavam Loial e ele. Não conseguia ver Ingtar. Verin estava no centro de um aglomerado de mulheres. — Queria que pudéssemos permanecer juntos.
— Verin disse que não é uma boa ideia, Rand. Ela explicou que isso deixaria todos desconfiados e furiosos, achando que somos esnobes. Precisamos evitar suspeitas até que Mat e Hurin encontrem o que quer que seja.
— Eu ouvi o que ela disse tão bem quanto você, Loial. Mas ainda acho que, se Barthanes é um Amigo das trevas, ele deve saber por que estamos aqui. Passear por aí sozinho é quase pedir para levar uma pancada na cabeça e acabar desacordado.
— Verin falou que Barthanes não fará nada até descobrir se podemos ser úteis. Só faça o que ela mandou, Rand. As Aes Sedai sabem o que fazem.
Dizendo isso, Loial adentrou a multidão, e alguns nobres já se agrupavam a seu redor antes mesmo que conseguisse avançar dez passos.
Outros vieram em direção a Rand, assim que ele ficou sozinho, mas ele se virou para o outro lado e se afastou depressa. As Aes Sedai até podem saber o que fazem, mas eu não, e gostaria de saber. Não gosto nada disso. Luz, eu queria conseguir perceber se ela está falando a verdade. Aes Sedai nunca mentem, mas a verdade pode não ser a que você pensa que ouviu.
Ele continuou andando pela mansão, para evitar ter que conversar com os nobres. Havia muitos outros aposentos, todos cheios, e todos com atrações: três menestréis em seus mantos, outros malabaristas, acrobatas e mais: músicos tocavam lautas, sabiolas, saltérios e alaúdes, cinco tamanhos diferentes de rabeca, seis tipos de trombeta, retas curvas ou enroladas, e dez tamanhos de tambores, de surdos a tamboretes. Ele parou para olhar alguns dos trombeteiros, em especial os que tocavam trombetas enroladas, mas os instrumentos eram todos simples, de bronze.
Eles não deixariam a Trombeta de Valere às vistas de todos, seu tolo , pensou. A não ser que Barthanes queira convocar heróis mortos para fazerem parte do entretenimento.
Havia até mesmo um bardo, usando botas tairenas trabalhadas em prata e um casaco amarelo, que circulava os salões dedilhando sua harpa e, às vezes, parando para declamar em Alto Canto. Ele olhava os menestréis com desdém e não se demorava nos aposentos em que eles estavam, mas Rand notou pouca diferença entre eles, além das roupas.
De repente, Rand percebeu que Barthanes andava a seu lado. Na mesma hora, um serviçal de libré ofereceu sua bandeja de prata com uma reverência. Barthanes pegou uma taça de cristal cheia de vinho. Andando de costas à frente deles, ainda curvado, o serviçal manteve a bandeja erguida na direção de Rand até ele negar com um gesto de cabeça, então desapareceu na multidão.
— Você parece inquieto — comentou Barthanes, bebericando seu vinho.
— Gosto de andar. — Rand pensou em como seguir o conselho de Verin, e lembrando-se do que a Aes Sedai dissera sobre sua visita à Amyrlin, assumiu a postura Gato Cruza o Pátio. Não conhecia jeito mais arrogante que aquele de andar. Barthanes comprimiu os lábios, e Rand achou que o lorde talvez achasse o andar arrogante demais, mas o conselho de Verin era tudo o que ele tinha para se guiar, então continuou. Para quebrar um pouco a tensão, disse, em um tom amigável: — Uma festa excelente. Você tem muitos amigos, e nunca vi tantas atrações.
— Muitos amigos — concordou Barthanes. — Você pode contar a Galldrian quantos, e quem são. Alguns dos nomes poderiam surpreendê-lo.
— Nunca conheci o Rei, Lorde Barthanes, e não acredito que isso vá acontecer.
— Mas é claro. Você passou por aquela aldeiazinha suja apenas por acaso. Decerto não estava avaliando o progresso da recuperação da estátua. Uma grande empreitada, aquela.
— Sim. — Começara a pensar em Verin outra vez, desejando que ela tivesse dado algum conselho sobre como se dirigir com um homem que presumia que ele estivesse mentindo. Acrescentou, sem pensar: — É perigoso mexer com as coisas da Era das Lendas quando não se sabe o que está fazendo.
Barthanes fitou o próprio vinho, re fletindo, como se Rand tivesse acabado de dizer algo muito profundo.
— Está dizendo que não apoia Galldrian nisso? — perguntou, por fim.
— Já lhe disse: nunca conheci o Rei.
— Sim, é claro. Não sabia que vocês, andorianos, jogavam tão bem o Grande Jogo. Não se vê muitos do seu povo aqui em Cairhien.
Rand respirou fundo para se impedir de responder ao homem, irritado, que não estava jogando o Jogo deles.
— Há muitas barcaças de grãos vindas de Andor, no rio.
— Mercadores e comerciantes. Quem nota gente como essa? É como notar besouros nas folhas. — A voz de Barthanes demonstrava um desprezo igual por besouros e mercadores, mas ele franziu a testa outra vez, como se Rand tivesse acabado de fazer uma alusão. — Não são muitos os que viajam em companhia de uma Aes Sedai. Você parece jovem demais para ser um Guardião. Imagino que Lorde Ingtar seja o Guardião de Verin Sedai, não?
— Somos quem dissemos ser — respondeu Rand, e fez uma careta. Menos eu.
Barthanes estudava o rosto de Rand quase sem disfarçar.
— Jovem. Jovem demais para carregar uma espada com a marca da garça.
— Tenho menos de um ano — respondeu Rand, sem pensar, e no mesmo instante desejou não tê-lo feito. A frase parecia tola a seus ouvidos, mas Verin dissera para agir como fizera com o Trono de Amyrlin, e aquela era a resposta que Lan lhe mandara dar. Um homem das Fronteiras considerava o dia do nome aquele em que recebera a espada.
— Então você é andoriano, mas foi treinado nas Terras da Fronteira. Ou foi treinado como Guardião? — Os olhos de Barthanes se estreitaram, analisando Rand. — Sei que Morgase tem apenas um filho. Ouvi dizer que se chama Gawyn. Você deve ser mais ou menos da idade dele.
— Já o conheci — respondeu Rand, com cautela.
— Esses olhos. Esse cabelo. Ouvi dizer que a linhagem real de Andor tem uma coloração quase Aiel nos cabelos e olhos.
Rand tropeçou, embora o chão fosse de mármore polido.
— Não sou Aiel, Lorde Barthanes, nem da linhagem real.
— Como queira. Você me deu muito em que pensar. Acredito que vamos nos entender quando tivermos outra oportunidade de conversar. — Barthanes balançou a cabeça e ergueu a taça em uma pequena saudação, então se virou para conversar com um homem grisalho com muitas listras coloridas no casaco.
Rand sacudiu a cabeça e continuou a andar, evitando mais conversas. Já fora ruim o bastante ter que falar com um lorde cairhieno, não queria se arriscar com mais um. Barthanes parecia encontrar significados profundos nos comentários mais triviais. Rand percebeu que acabara de aprender o suficiente sobre Daes Dae’mar para saber que não fazia ideia de como se jogava. Mat, Hurin, encontrem alguma coisa rápido, para sairmos daqui. Essas pessoas são loucas.
Até que entrou em outro aposento e reparou que o menestrel do outro lado do salão, dedilhando sua harpa e recitando uma história da Grande Caçada à Trombeta , era Thom Merrilin. Rand parou de andar. Thom não pareceu vê-lo, embora seu olhar tivesse passado por ele duas vezes. Parecia que Thom havia falado sério. Uma separação completa.
Rand se virou para se afastar, mas uma mulher se pôs em sua frente com muita graça e encostou uma das mãos em seu peito. Rendas pendiam de seu pulso delicado. A cabeça dela mal alcançava os ombros de Rand, mas o penteado alto com cachos chegava à altura de seus olhos. O colarinho alto do vestido fazia babados de renda se aglomerarem sob o queixo dela, e as listras na frente do vestido azul-escuro iam até logo abaixo dos seios.
— O meu nome é Alaine Chuliandred, e você é o famoso Rand al’Thor. Acredito que Barthanes tenha o direito de conversar com você primeiro, estando em sua própria mansão, mas ficamos todos fascinados com o que ouvimos a seu respeito. Ouvi dizer até que você toca flauta. Seria verdade?
— Eu toco lauta. — Como é que ela…? Caldevwin. Luz, é verdade: todo mundo fica sabendo de tudo em Cairhien. — Com sua licença…
— Já ouvi falar que alguns lordes estrangeiros tocam música, mas nunca acreditei. Eu gostaria muito de ouvi-lo tocar. Talvez você possa conversar comigo sobre um assunto ou outro. Barthanes pareceu achar sua conversa fascinante. Meu marido passa os dias supervisionando os vinhedos e acaba me deixando muito sozinha. Nunca está em casa para conversar comigo.
— Você deve sentir falta dele — respondeu Rand, tentando contornar aquela saia enorme. A mulher soltou uma risada tilintante, como se ele tivesse dito a coisa mais engraçada do mundo.
Outra mulher postou-se ao lado da primeira, e outra mão tocou o peito de Rand. O vestido dela tinha tantas listras quanto o de Alaine, e as mulheres eram da mesma idade, ambas quase dez anos mais velhas que ele.
— Está pensando que vai ficar com ele todo para você, Alaine? — As duas sorriram, mas seus olhos pareciam perfurar uma a outra. A segunda virou-se, ainda sorrindo, para Rand. — Me chamo Belevaere Osiellin. Todos os andorianos são assim, tão altos? E tão bonitos?
Ele pigarreou.
— Ah… alguns são altos. Perdoem-me, mas com sua li…
— Vi você conversando com Barthanes. Dizem que você conhece Galldrian, também. Precisa me visitar para conversarmos. Meu marido viajou para cuidar de nossas propriedades no sul.
— Você tem a sutileza de uma meretriz de taverna — sibilou Alaine, e sorriu para Rand logo em seguida. — Ela não tem inesse. Nenhum homem gostaria de uma mulher de modos tão rudes. Leve sua lauta à minha mansão e conversaremos melhor. Quem sabe não me ensina a tocar?
— O que Alaine considera sutileza — comentou Belevaere, docemente — não passa de falta de coragem. Um homem que carrega uma espada com a marca da garça deve ser muito corajoso. É mesmo uma espada com a marca da garça, não é?
Rand tentou se afastar delas.
— Se me dão licença, eu… — Elas o acompanharam a cada passo, até que ele estivesse encurralado em uma parede. As largas saias, unidas, formava outra parede à sua frente.
Ele se sobressaltou quando uma terceira mulher se amontoou ao lado das outras duas, com a saia se unindo às delas para formar a parede daquele lado. Era mais velha que as outras, porém igualmente atraente, e seu sorriso de divertimento não diminuía a agudeza de seu olhar. Sua roupa tinha ainda mais listras do que Alaine e Belevaere, quase metade a mais, e as duas fizeram pequenas mesuras e a olharam com intenso desgosto.
— Essas duas aranhas estão tentando capturá-lo em suas teias? — A mulher riu. — Metade das vezes elas se enrolam mais firme entre si do que conseguem se enrolar com qualquer outra pessoa. Venha comigo, meu jovem e belo andoriano, e eu vou lhe contar alguns dos problemas que elas lhe trariam. Para começar, não tenho um marido com quem me preocupar. Maridos sempre causam problemas.
Por cima da cabeça de Alaine, Rand pôde ver Thom, erguendo-se de uma reverência sem aplausos ou qualquer atenção. Com uma careta, o menestrel apanhou uma taça da bandeja de um serviçal assustado.
— Acabei de ver uma pessoa com quem preciso falar — disse Rand às mulheres, e se espremeu para sair da caixa na qual o haviam prendido bem no momento em que a recém-chegada estendia a mão para tomar seu braço. As três o encararam enquanto ele ia depressa até o menestrel.
Thom o fitou por cima da borda da taça e tomou outro longo gole.
— Thom, sei que você disse que queria que nos separássemos completamente, mas eu precisava escapar daquelas mulheres. Elas só falavam sobre seus maridos estarem fora, mas já começavam a fazer outras insinuações. — Thom engasgou com o vinho, e Rand lhe deu um tapa nas costas. — Se beber rápido demais, alguma coisa vai descer pelo caminho errado. Thom, elas pensam que estou tramando com Barthanes ou com Galldrian, e acho que não vão acreditar se eu disser que não estou. Eu só precisava de uma desculpa para sair de perto delas.
Thom cofiou os bigodes com os nós dos dedos e lançou um olhar discreto para as três mulheres do outro lado da sala. Elas ainda estavam juntas, observando-os.
— Reconheço aquelas três, garoto. Breane Taborwin sozinha já lhe daria uma bela lição, do tipo que todo homem deveria receber ao menos uma vez na vida, se conseguisse sobreviver. Preocupadas com os maridos. Gostei dessa, garoto. — De repente o olhar do menestrel pareceu mais aguçado. — Você disse que tinha se livrado das Aes Sedai. Metade das conversas da noite são sobre o lorde andoriano que apareceu sem aviso, acompanhado de uma Aes Sedai. Barthanes e Galldrian. Dessa vez você deixou a Torre branca enfiá-lo direto na panela.
— Ela só chegou ontem, Thom. E, assim que a Trombeta estiver a salvo, vou me livrar delas outra vez. Vou ter certeza disso.
— Você fala como se ela não estivesse a salvo agora — comentou Thom, escolhendo as palavras. — Não foi o que disse da outra vez.
— Os Amigos das Trevas a roubaram, Thom. E a trouxeram para cá. Barthanes é um deles.
Thom pareceu analisar o vinho em sua taça, mas seus olhos foram de um lado a outro para garantir que ninguém estivesse perto o suficiente para ouvir. Outras pessoas, além das três mulheres, os observavam de soslaio enquanto fingiam conversar, mas cada grupo mantinha distância de todos os outros. Ainda assim, Thom falou baixo:
— Coisa perigosa de se dizer, se não for verdade. E mais ainda se for. Uma acusação dessas, e contra o homem mais poderoso do reino… Você disse que ele está com a Trombeta? Suponho que queira minha ajuda de novo, agora que se enrolou com a Torre Branca mais uma vez.
— Não. — Chegara à conclusão de que Thom estava certo, mesmo que o menestrel não soubesse por quê. Não podia envolver ninguém em seus problemas. — Eu só queria escapar daquelas mulheres.
O menestrel soprou os bigodes, surpreso.
— Bem. Sim. Está bom. Da última vez em que o ajudei, fiquei manco, e você parece ter se deixado cair novamente nas amarras de Tar Valon. Vai ter que sair dessa sozinho, dessa vez. — Ele parecia estar tentando se convencer.
— Eu vou, Thom. Eu vou. — Assim que a Trombeta estiver a salvo e Mat recuperar aquela maldita adaga. Mat, Hurin, onde vocês estão?
Como se tivesse ouvido seu pensamento, Hurin apareceu na sala, procurando com os olhos entre a multidão de nobres. Todos olhavam através dele: serviçais não existiam, a menos que fossem necessários. Quando encontrou Rand e Thom, contornou os pequenos aglomerados de nobres e fez uma reverência.
— Milorde, fui enviado para lhe comunicar que seu serviçal sofreu uma queda e torceu o joelho. Não sei dizer se é grave, milorde.
Por um momento, Rand encarou Hurin, sem compreender. Ciente de todos os olhares sobre si, falou, alto o suficiente para os nobres mais próximos o ouvirem:
— Aquele idiota desastrado. De que me serve sem conseguir andar? Imagino que o melhor seja eu mesmo checar o quanto ele se feriu.
Parecia a coisa certa a dizer. Hurin soou aliviado ao dizer, curvando-se outra vez:
— Como desejar, milorde. Se puder me seguir, milorde…
— Você interpreta um lorde muito bem — comentou Thom, suavemente. — Mas lembre-se: os cairhienos podem até jogar o Daes Dae’mar, mas foi a Torre Branca que criou o Grande Jogo, para começo de conversa. Tome cuidado, garoto.
Lançando um olhar irritado para os nobres, o menestrel colocou a taça vazia sobre a bandeja de um serviçal que passava e se afastou, dedilhando a harpa. Então começou a recitar Mili, a Dona de Casa e o Mercador de Seda.
— Mostre o caminho, homem — ordenou Rand, sentindo-se tolo.
Conseguia sentir os olhos da multidão acompanhando-o enquanto seguia Hurin.