CAPÍTULO I A GALÁXIA MALDITA

Regressamos sem novidade. Caía a noite quando Souilik aterrou na esplanada da Casa dos Sábios. Ao longe desvaneciam-se as sombras dos restantes ksills, de volta da ilha de Aniasz. Subitamente sentimo-nos esgotados, dominados por um sono invencível Encostado a uma árvore cor de violeta, olhando o crepúsculo, nem sequer podia experimentar a alegria do regresso.

— Essine, vá com Ulna para a Casa dos Estrangeiros, e descansem. Vocês, Slair, Akéion e Hérang, venham comigo. Temos de comunicar os resultados da nossa missão — disse Souilik.

— Não pode ficar para amanhã? — supliquei.

— Não. Cada minuto perdido pode significar a morte dum sol. Você terá depois muito tempo para descansar.

Como em sonhos, subi a Escadaria das Humanidades e passei pela minha estátua sem a olhar. Depois caí em semi-inconsciência. Senti vagamente que me transportavam e acordei debaixo da luz intensa duma lâmpada violeta. A meu lado, no mesmo leito, estavam os dois Sinzus e o próprio Souilik. Tínhamos desmaiado na antecâmara, uns após outros.

Lentamente, recuperamos as fôrças. Pudemos então relatar a Azzlem e a Assza o desenrolar do combate.

Foi com viva alegria que mais tarde me deitei na minha cama, na Casa dos Estrangeiros, e desta vez sem necessidade de usar «aquilo-que-faz-dormir».

Quando acordei era dia claro; pela janela, escancarada, entrava um ar agradável.

Julguei ouvir cantar um pássaro, ainda que em Ella não os haja. Era Ulna, acompanhada de Essine, que se aproximava.

— Vinhamos acordar você — disse ela. — Azzlem está esperando.

Encontrei-o no laboratório, onde, com Assza, experimentava o aparelho que reproduzia a radiação mislik. Numa cadeira de metal, uma Hiss muito jovem, frágil e bela, servia de cobaia.

— Vamos avançando — disse Azzlem. — Talvez no futuro nós, os Hiss, sejamos tão resistentes como vocês, Tsériens e Sinzus. Minha filha Senati suporta já uma intensidade que antes seria mortal. Já atingimos o terceiro grau. A partir daí a proteção acaba. Mas não foi essa a razão por que lhe chamei. Você trouxe o cadáver de Missan, filho do meu amigo Stensoss, que fora morto antes da sua chegada, a bordo dum ksill, algures no Espaço.

Em virtude das nossas antigas leis, todo aquele que transporta o corpo dum Hiss morto em combate ocupa o seu lugar junto dos pais e irmãos. Agora você poderá dizer: «Nós, os Hiss», que ninguém ousará rir de tal afirmação! Estranho destino o seu, Tsérien! Você é, ao mesmo tempo, Tsérien, e Sinzu e Hiss, filho de três planetas! Agora vá! Você tem de assistir ao funeral de seu irmão, na casa que agora é também a sua. Essine lhe guiará.

— Onde está Souilik? — perguntei.

— Voltou a Kalvénault, comandando mil ksills. Bombardearão de longe, não se inquiete.

Parti no réob com Essine e Ulna. Soube então que Missan fora um estudante prodigiosamente inteligente, a quem Azzlem tinha querido poupar aos azares da guerra. Mas a lei hiss era inexorável: nenhum voluntário era dispensado em caso de alerta, e Missan tinha pertencido a esse número. Era órfão. Vivia com uma irmã mais velha, Assila, «engenheiro» numa grande fábrica de produtos alimentícios.

A casa dele era na ilha de Bréssic, ao norte da Casa dos Sábios. (Esqueci de dizer que em Ella não há continentes, mas somente ilhas, de maior ou menor tamanho).

Era uma casinha vermelha, numa colina frente ao mar.

Essine me apresentou a «minha irmã». Era uma jovem de pele verde-pálida, de olhar estranho, esmeraldino, que me acolheu como se fora de fato minha irmã, e me saudou ao modo familiar hiss: com as mãos em frente do rosto.

O funeral foi de uma simplicidade imponente. O corpo de Missan foi colocado numa plataforma metálica, ao ar livre, em frente da casa. Um padre rezou curtas orações. Depois, guiado por Essine, segurei a mão de Assila e juntos premimos um pequeno botão. Surgiu uma chama curta e brilhante e o cadáver desapareceu.

O padre, virando-se para os presentes, perguntou: — Onde está Missan?

— Partiu na Luz — responderam todos. Estava terminada a cerimônia.

Segundo o costume, fiquei cinco dias em casa só com Assila.

Ainda que mostrasse no olhar a habitual impassibilidade dos Hiss, via-se que sofria. Senti então a superficialidade da minha assimilação. Vagueava melancolicamente, furioso contra este costume hiss, aborrecido e infeliz. Nada sabia da história, dos costumes e dos sentimentos dos Hiss. Passava o tempo e não me resolvia a deitar-me no quarto que era meu por direito. Reinava o silêncio. Assila, emudecida, estava sentada na sala comum. Fiz o mesmo, e assim passamos a noite.

Nunca senti com tanta intensidade o meu isolamento neste planeta estrangeiro como junto de Assila, durante essa noite de vigília.

De manhã, sem lágrimas nem soluços, me contou a vida daquele irmão, tão cheio de futuro, que, como onze membros da família, morrera na luta com os Milsliks. E se lamentava de não ter partido com ele, de não ter morrido também. Amara quase ferozmente aquele irmão, que honrava a raça — um futuro Sábio. Recordava-se dos seus amores, dos seus triunfos universitários, das suas brincadeiras de criança.

Agora tudo findara; só a frase secular ecoava: «Partiu na Luz!».

Ouvindo Assila, iam desaparecendo pouco a pouco as barreiras que me separavam dos Hiss. Qualquer mulher na Terra teria a mesma dor, diria as mesmas palavras; e, como quando enfrentei o Mislik, na cripta da ilha Sanssine, senti que a dor e a angústia são iguais em todo o universo.

Então, esquecendo que entre nós havia um abismo de milhões de anos-luz, soube encontrar palavras de consolação. Esta foi, decerto, uma das mais estranhas das minhas experiências. Depois, com o sobre-humano domínio de si próprios que caracteriza os Hiss, Assila tratou da nossa refeição.

Fiquei mais quatro dias com ela. Voltei depois para a Casa dos Estrangeiros da península de Essanthem. Todas as semanas lá voltava. Considerava já a casa como minha e Assila como uma parente muito próxima.

Presentemente, no meu quarto, encontram-se ainda, decerto, os meus livros, os meus apontamentos e todas as pequeninas coisas que colecionei durante a minha permanência em Ella. Tenho a certeza de que, muitas vezes, «minha irmã» Assila pergunta aos Sábios se eu regressarei em breve.

Entretanto tinham sido exterminados todos os Milsliks que estavam nos planetas Seis e Sete. Infelizmente era já tarde para salvar Kalvénault, que se apagava lentamente.

Alguns Milsliks que tinham se instalado num pequeno planeta do sistema EI— Toéa foram também exterminados, tão rapidamente que este sol nada chegou a perder do seu brilho.

Quanto a Asselor, depressa recuperou o seu espectro normal.

Nem os Sábios chegaram a compreender porquê.

Era uma felicidade que os Milsliks somente pudessem viver em contacto com os planetas Na realidade, no Espaço vazio só sobreviviam algumas horas. Como conseguiriam passar de estrela a estrela, de galáxia a galáxia? Profundo mistério!

Todas as tentativas para os localizar no ahun foram infrutíferas. Alguns Sábios hiss pensam que devem existir três ahuns distintos, utilizáveis respectivamente pelos Hiss, pelos Sinzus e pelos Milsliks.

Por mim, nada sei. Três ahuns diferentes, porém, parece-me demasiado.

Entre os Sábios começava já a ser elaborado o «grande projeto». Nenhum de nós sabia do que se tratava e Assza se mantinha impenetrável.

Entrementes, regressava a astronave sinzu, na frente duma esquadrilha de vinte e nove ksills. Aterraram em Inoss, perto da Casa dos Sábios. Pouco se demoraram; em breve partiram para Réssan, a fim de desembarcarem cinco mil sinzus, núcleo inicial da futura colônia de Ellarbor. Por singular deferência, Hélon, Akéion, Ulna e a equipagem do Tsalan puderam permanecer em Ella, planeta exclusivamente reservado aos Hiss.

Finalmente, Azzlem pôs-me ao corrente do «grande projeto»: tratava-se de enviar um ksill a explorar uma Galáxia Maldita, ou seja uma galáxia inteiramente colonizada por Milsliks, Fora escolhida uma, para lá do universo dos kaïens, gigantes de olhos pedunculares.

Me arrepiei todo: a expedição ao planeta Sete fora já de uma audácia incrível, mas atacar os Milsliks no seu ambiente me parecia rematada loucura, especialmente quando Azzlem me disse, cruamente, que contava comigo e com alguns Sinzus para o primeiro reconhecimento. Apesar das experiências anteriores, eu não estava ainda familiarizado com a idéia do ahun.

Nos dias seguintes o «grande projeto» parecia ter sido abandonado.

Voltei a minha vida habitual, trabalhando todo o dia no laboratório de biologia.

Souilik voltara de uma nova viagem ao ahun, acerca da qual se mostrava muito discreto. Soube, por Essine, que visitara o universo kaïen.

Durante algum tempo raramente o vi: ia de um universo a outro, cumprindo várias missões.

Por seu turno, o Tsalan partira também para Réssan; em Ella somente ficaram Akéion e Ulna, que trabalhavam comigo.

Aproveitamos então os dias de descanso obrigatório — três dias em cada mês elliano — para conhecer bem o planeta Ella.

Tomei contacto com a agricultura hiss, a qual, até então, não me despertara interesse algum.

Numa enorme zona, dum e doutro lado do equador, cultivam um cereal arbóreo de quase dez metros de altura, donde extraem a farinha com que fazem o pão.

Um pouco ao norte e ao sul desta zona crescem variadas plantas, a maioria de uso industrial, fornecendo produtos essenciais para o fabrico de sintéticos.

A parte restante do planeta é semi-selvagem, exceto nos aglomerados populacionais. Nas zonas polares estão concentradas as indústrias, com exceção das minas.

Os Hiss exploram também, ativa e intensamente, os oceanos, que cobrem sete décimos do planeta Têm ótimos viveiros de peixe e excelentes culturas submarinas.

A sua principal fonte de energia é a desintegração em grau muito mais elevado do que entre nós. Não átomos, como nós, mas sim os átomos do átomo. Poderemos chamar-lhes os infra-átomos.

A principal energia não é de natureza elétrica. Visitei as geradoras, dela me servi sempre, mas a seu respeito sei o mesmo que um senegalês sabe de eletricidade: nada.

Os Hiss são físicos extraordinários, e até Béranthon, grande sábio sinzu, confessava que a maioria das invenções hiss lhe eram desconhecidas e até incompreensíveis.

Deve se dizer, em abono dos Hiss, que não são ciosos do que inventam: as Universidades de Réssan estão abertas a todas as raças da Liga, em regime de intercâmbio.

Assisti uma vez a uma conferência sobre astronomia feita por um homem-inseto do Décimo Segundo Universo. Compreendi pouco, mas, em contrapartida, vi as mais maravilhosas fotografias do céu e dos planetas O conferencista parecia um louva— deus muito verde e falava desdobrando os braços, enormes; na assistência estavam quase todos os tipos «humanos» representados em Réssan.

Por essa altura terminaram as missões de Souilik, que, apesar disso, continuava quase invisível: passava os dias em misteriosos conciliábulos com o Conselho, pelo que eu continuava a privar somente com Ulna e seu irmão.

Um dia, quando trabalhávamos no laboratório de biologia comparada, Assza mandou nos chamar.

— Eis as armas de vocês — disse. — São pistolas térmicas, das mais aperfeiçoadas.

Nos entregou então três tubos, curtos, de metal, com coronhas muito grossas.

— O Conselho, de acordo com o ur-shémon, escolheu vocês para o reconhecimento da Galáxia Maldita. Irão num ksill especial, e Souilik irá também, mas até ao planeta Sswft, da estrela Grenss, do universo kaïen, onde ficará esperando. Se for necessário, relembrem-lhe esta ordem. Partirão dentro de oito dias.

Como estes dias me pareceram, alternadamente, breves e enormes!

Akéion e Ulna, como filhos do ur-shémon, acharam natural serem os primeiros a entrar em ação — pediriam, até, se fosse necessário —. mas eu, meu Deus! Mesmo pensando que era praticamente invulnerável ante a radiação mislik, que o nosso ksill seria especialmente reforçado contra os choques, que disporia das mais poderosas armas, que, enfim, não se tratava de combater, mas sim, dum reconhecimento preliminar, sentia, ao pensar nesta aventura, o coração bater desatinadamente no meu peito. Devia ser o pressentimento da catástrofe que se avizinhava. Mesmo agora, que voltei são e salvo, hesitaria em correr os mesmos riscos, ainda que me prometessem a vida salva, o poder, a glória e até a posse das mais belas mulheres de todos os planetas!

Partimos sem novidade. Souilik, acompanhado de Essine, de dois outros Hiss e da hr'ben Beichit, tripulava o seu velho ksill, o Sesson-Essine, quer dizer: a «Bela Essine».

Fiquei muito embaraçado quando Ulna me perguntou o nome do nosso ksill, a que uma fantasia de Souilik apelidara de Ulna-ten-Sillon: Ulna falava já quase corretamente o hiss e o francês, mas não lia ainda nenhuma dessas línguas.

Akéion, vendo o meu embaraço, traduziu maliciosamente:

«União dos Planetas». Na realidade, chamava-se «Ulna, Você é o Meu Sonho».

Ulna-ten-Sillon era um ksill de pequena envergadura, de três lugares, protótipo dos ksills de combate que posteriormente foram construídos em larga escala. O conforto fora sacrificado a bem da eficiência. Do posto de comando controlavam-se todas as máquinas, armas e instrumentos de bordo. O segundo compartimento tinha três leitos sobrepostos, sendo o espaço restante ocupado pelos motores, depósitos de víveres e de munições e, também, pelos reservatórios de ar.

A carlinga, com uma blindagem de onze centímetros em liga extradura, podia suportar — segundo Souilik — o choque dum Mislik lançado a 4.000 quilômetros por hora — 8.000 brunns por basike.

Na pior das hipóteses, havia ainda uma carlinga interior, com a espessura de sete centímetros.

Imunizados, como estávamos, contra as radiações Milsliks, éramos quase invulneráveis.

Os nossos ksills passaram simultaneamente pelo ahun e juntos aterraram em Brbor, cidade situada no hemisfério norte do planeta Sswft — planeta belíssimo, de tamanho médio, em que viviam algumas centenas de milhões de Kaïens.

Que esquisita raça era a dos kaïens!. Mediam quase 2,30 metros; esverdeados e calvos, sem nariz, olhos muito glaucos e pedunculares, boca enorme e de dentes pequeníssimos, sentimos por eles, a primeira vista, uma aversão irreprimível São astrônomos medíocres, aceitáveis físicos, mas, em contrapartida, extraordinários químicos. Quase não usam os metais e a sua indústria está inteiramente baseada em matérias plásticas de síntese. Segundo Souilik, eram profundos filósofos e ótimos poetas, escultores e pintores.

Não nos afastamos dos ksills. Estavam aterrados num espaço enorme e vazio, sobre o qual voavam inúmeros helicópteros, inteiramente transparentes. Sentamo— nos num pequeno bar, onde nos serviram uma excelente bebida verde.

A distância, uma grande multidão, contida por guardas armados, espreitava-nos. O vento trazia, em lufadas, o seu estranho odor.

Estivemos silenciosos largo tempo. Tudo estava já dito. Souilik, acompanhado de Akéion, foi inspecionar pela última vez o Ulna-ten-Sillon. Maquinalmente, eu brincava com a minha pistola térmica. Essine, Ulna e Beichit trocavam impressões em tom muito baixo.

Souilik voltou. — Irmão, chegou a hora! Lembre-se de que o Conselho quer informações e não façanhas. Seja prudente e… regresse.

Inclinado para mim, sussurrou: — Os Sinzus são muito valentes. Refreia Akéion!

Chegamos perto do ksill. Souilik me abraçou pela última vez e afastou-se correndo.

Essine e Beichit acenaram de longe. Ulna já estava a bordo. Me curvei e, com o coração aos saltos, entrei.

Decolamos assim que a porta se fechou. Tinha sido combinado com Souilik que nos demoraríamos no ahun 2,5 basikes e que não mudaríamos de direção em caso algum. Assim os Hiss saberiam onde nos encontrar em caso de acidente. Não deveríamos demorar mais de vinte dias ellianos.

Saímos do ahun no momento combinado. Nos écrans via-se um negro de tinta, salpicado de pequenos luzeiros ovais: eram as galáxias ainda vivas. A mais próxima quase cobria a Lua. Akéion apontou-a e disse:

— Deve ser o universo dos Kaïens. Chegamos.

Se, por artes mágicas, tivéssemos a nossa disposição um telescópio de potência infinita, poderíamos ver este universo, não como é atualmente, mas como era há quinhentos mil anos.

Num écran especial, funcionando segundo o princípio do radar, as ondas sness, propagando-se dez vezes mais rapidamente do que a luz, desenhavam um planeta Deve ser este o mais próximo planeta, que, segundo Souilik, nos serve perfeitamente — notou Ulna.

— Vamos descer — respondeu Akéion. — Aos postos de combate!

Tomei o comando das armas. Por um écran colocado na minha frente eu vigiava todas as direções. Ulna me ajudava com um écran mais sensível, que permitia ampliar, a nossa vontade, esta ou aquela zona.

— Vamos baixar, Slair, a zona de calor!

Baixei o manípulo respectivo.

Imediatamente o ksill ficou rodeado duma zona de 300°, temperatura suficiente para aniquilar qualquer Mislik, mas inofensiva para nós, desde que envergássemos os nossos escafandros.

A superfície do planeta aproximava-se com rapidez e começamos a analisá-la detalhadamente: viam-se montanhas, ribeiras geladas e os oceanos secos Continuávamos a descer.

De repente notei uma enorme forma piramidal, extraordinariamente regular.

Mostrei a Ulna, que, regulando o visor, pôde vê-la em pormenor. Ouvi-a murmurar:

— Oh! Meu Deus Etahan! Um planeta humano!

Era, de fato, uma cidade, ou, pelo menos, o que dela restava.

Devia cobrir milhares de hectares e parecia desdobrar-se em obeliscos e campanários altíssimos, subindo vertiginosamente em direção ao céu. O mais alto, ao centro, terminava a mais de mil metros.

Fiquei admirando o espetáculo. Que fantástica civilização teria erigido esta cidade, destruída, decerto, há milhões de anos? Como você sabe, sempre tive a paixão da arqueologia, o que me levou a pedir a Akéion para desembarcar.

— Vamos contornar primeiro o planeta; se não encontrarmos Milsliks, desembarcaremos.

Horas e horas vimos desfilar continentes gelados. Vimos mais ruínas, mas não tão imponentes. Apesar de voarmos muito baixo, não avistamos qualquer Mislik.

Voltamos, então, para a fantástica cidade morta.

Sob a luz do projetor, as construções brilhavam: pareciam de gelo e ouro. Aterrissamos numa praça enorme, ao pé de uma torre cujo cimo se perdia nos céus.

Decidiu-se que só Ulna e eu fôssemos a terra, ficando Akéion a bordo do ksill, pronto para qualquer eventualidade.

Envergamos os escafandros e saímos, munidos de reservas de ar para doze horas, alimentação sintética, armas e munições.

Hesitamos um pouco sobre a direção a tomar. O ksill tinha aterrissado numa praça vagamente circular, que parecia esmagada por construções enormes. O ar vaporizava-se em contacto com a zona quente, e rapidamente o nevoeiro escondeu o nosso aparelho Não nos inquietamos e seguimos em frente.

Entramos numa rua completamente coberta. Todas as portas, de metal verde, estavam cerradas. Pareciam estranhamente baixas se cotejadas com a grandeza das construções.

Continuamos cerca de quilômetro, sempre em frente, desprezando as transversais, a fim de evitar desnorteamentos. As fachadas apresentavam-se muito nuas, sem inscrições nem esculturas que dessem quaisquer indicações sobre os seus desaparecidos construtores.

Procurava eu arrombar uma porta em mau estado quando o solo começou a tremer debaixo de nós. Pressentindo uma catástrofe, puxei Ulna rapidamente pela mão e, correndo, voltamos ao ponto de partida.

No local onde, ainda há pouco, estava o nosso ksill não havia mais do que um montão enorme de pedras e metais. Um campanário, a esquerda, sob a ação do calor intenso, tinha desabado sobre o Ulna-ten-Sillon!

Silenciosamente caíam ainda destroços, que se acumulavam em pirâmide.

Encostada a uma parede, Ulna murmurou: — Hen! Akéion, Akéion sétan son!

Por momentos nada se moveu; depois, silenciosamente, uma grande cornija desabou também.

Estávamos perdidos num planeta desconhecido, a milhares de léguas de qualquer socorro, e apenas tínhamos ar respirável para onze horas.

Então, com a carapaça cintilante, refletindo a luz do nosso projetor, surgiu o primeiro Mislik!

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