CAPÍTULO III

— Fico satisfeito em ver que a coisa é divertida — comentou uma voz grave.

Will Farnaby deparou com um homem pequeno e magro, vestido à moda européia. Carregava uma maleta preta e olhava— o sorrindo. Sob o largo chapéu de palha escapava uma cabeleira farta e branca. No rosto escuro, destacavam-se olhos incrivelmente azuis e um estranho nariz adunco. Will calculou que devia beirar os sessenta anos.

— Vovô! — exclamou Mary Sarojini.

O estranho virou-se para a criança.

— De que estavam rindo? — perguntou.

— Bem… — Mary Sarojini começou a falar, mas parou em seguida a fim de pôr em ordem seus pensamentos. — Bem, ele estava num barco que naufragou na tempestade de ontem e veio dar em algum lugar lá embaixo na praia. Teve de escalar o rochedo. Lá havia algumas cobras e ele se assustou e caiu. Felizmente havia uma árvore onde se agarrou e tudo não passou de um susto. Essa foi a razão pela qual ele tremia tanto. Dei-lhe algumas bananas e o fiz contar o acontecido um milhão de vezes. De repente ele viu que não havia motivo para preocupações, uma vez que tudo já tinha acabado. Foi isso que o fez rir. E então eu o acompanhei, e o pássaro mainá também resolveu se associar às nossas gargalhadas.

— Muito bem — disse o avô. — Depois desse primeiro socorro psicológico, vamos ver o que pode ser feito para o pobre e velho «Irmão Asno» — acrescentou, dirigindo-se novamente a Will Farnaby. — A propósito, sou o dr. MacPhail. E você, quem é?

— Seu nome é Will — disse Mary Sarojini, antes que este pudesse responder. — O outro nome é Far… qualquer coisa.

— Para ser preciso, Farnaby. William Asquith Farnaby. Meu pai, como deve ter deduzido, era um liberal ardente. Mesmo quando estava bêbado. Aliás, especialmente quando bêbado. — Dizendo isso, deu uma gargalhada desagradável e irônica, que soou completamente diferente daquela gargalhada alegre e espontânea com que saudara a descoberta de que realmente não havia mais nada com que se preocupar.

— Você não gostava de seu pai? — perguntou Mary Sarojini, interessada.

— Não tanto quanto deveria — respondeu Will.

— O que ele quer dizer — explicou o dr. MacPhail à criança — é que ele odiava o pai, como muitos outros, diga-se de passagem. — Abaixou-se e, enquanto desamarrava as tiras da sua maleta preta, dirigiu-se ao estranho: — Presumo que seja um dos representantes dos nossos ex-imperialistas.

— Nascido em Bloomsbury — confirmou Will.

— Deve pertencer à classe alta, mas não é membro das «subespécies» militares ou municipais — foi o diagnóstico do médico.

— Correto. Meu pai era advogado e fazia jornalismo político, quando não estava demasiadamente ocupado com seu alcoolismo. Minha mãe, por mais inacreditável que pareça, era filha de um arcebispo. De um arcebispo — repetiu, rindo do mesmo modo que se rira ao mencionar a paixão de seu pai pelo brandy.

O dr. MacPhail olhou-o por um instante e voltou a se ocupar com sua maleta.

— Quando você ri assim — observou num tom cientificamente imparcial —, seu rosto se torna cuidadosamente feio.

Surpreso, Will tentou encobrir seu embaraço com uma resposta jocosa.

— É sempre feio — disse.

— Pelo contrário, de certa maneira baudelairiana, é bastante bonito. Com exceção de quando você resolve fazer ruídos semelhantes aos das hienas. Por que faz isso?

— Eu sou um jornalista — explicou Will. — Um «correspondente especial», pago para viajar pelo mundo e relatar todos os horrores que ocorrem. Que outra espécie de ruídos você espera que eu faça? Cuco? Bla-bla? Marx-marx? — Riu de novo e depois fez um de seus comentários chistosos: — Sou um homem que não aceita o «sim» como resposta.

— Lindo! — disse o dr. MacPhail. — Muito lindo! Porém agora tratemos de negócios.

Tirando um par de tesouras de sua maleta, começou a cortar a calça rasgada e manchada de sangue, que cobria o joelho machucado de Will. Enquanto o olhava trabalhar, Will começou a conjeturar sobre quanto de escocês e de palanês existia naquele possível highlander. Quanto aos olhos azuis e ao nariz adunco, não podia haver dúvidas. Porém a pele bronzeada, as mãos delicadas, a leveza dos movimentos — estes com certeza vinham de algum lugar bastante ao sul do Tweed.

— O senhor nasceu aqui? — perguntou afinal.

O médico balançou a cabeça afirmativamente.

— Em Shivapuram, no dia do funeral da rainha Vitória. — Houve um clique na tesoura, e o joelho ficou exposto. — Bastante mau — foi o veredicto do dr. MacPhail, depois de examiná— lo minuciosamente. — Mas não acho que seja realmente grave. — Virou-se para a neta e disse: — Gostaria que você fosse correndo ao posto e dissesse a Vijaya para vir aqui acompanhado de outro homem. Diga-lhes que tragam uma maca da enfermaria.

Mary Sarojini fez um sinal afirmativo com a cabeça e, sem uma palavra, levantou-se e atravessou correndo a clareira.

Will acompanhou com os olhos a pequena figura que se afastava, a saia vermelha agitando-se de um lado para outro e a pele rósea e lisa do dorso, que brilhava com reflexos dourados sob a luz do sol.

— Você tem uma neta extraordinária — disse ao dr. MacPhail.

— O pai de Mary Sarojini era meu filho mais velho — disse o médico após um curto silêncio. — Faleceu há quatro meses num acidente de alpinismo.

Will murmurou condolências e o silêncio caiu entre eles.

O dr. MacPhail desarrolhou uma garrafa de álcool e desinfetou as mãos.

— Isso vai doer um pouco — avisou. — Sugiro que preste atenção àquele pássaro. — Fez um movimento com a mão em direção à árvore morta, para onde o mainá retornara após a saída de Mary Sarojini. — Ouça-o cuidadosamente, concentrando— se nele. Isto afastará sua atenção da dor.

Will Farnaby escutou. O mainá voltara ao seu tema inicial:

— Atenção! — chamava o oboé, nitidamente. — Atenção!

— Atenção para quê? — perguntou, na esperança de obter uma resposta mais esclarecedora do que a obtida de Mary Sarojini.

— Para a atenção — respondeu o dr. MacPhail.

— Atenção para a atenção?!

— Claro!

— Atenção! — cantou o mainá, como que confirmando, ironicamente.

— Vocês têm muitos desses «pássaros falantes»?

— Deve haver pelo menos mil deles voando pela ilha. Foi uma idéia do velho rajá. Ele pensou que fazia bem ao povo. Talvez o fàça, apesar de parecer bastante injusto aos pobres mainás. Felizmente não entendem discursos de propaganda. Nem mesmo os de São Francisco. Que idéia! — continuou. — Fazer sermões aos bons tordos e pintassilgos. Que presunção! Por que não ficou calado e deu aos pássaros a oportunidade de pregarem para ele! E agora — acrescentou em outro tom — é melhor que você comece a ouvir o nosso amigo da árvore. Vou limpar o ferimento.

— Atenção!

— Vou começar.

Will Farnaby estremeceu e mordeu os lábios.

— Atenção! Atenção! Átenção!

Sim, era verdade. Se se escutasse com bastante atenção, a dor deixava de ser tão forte.

— Atenção! Atenção…

— Não posso conceber como você conseguiu subir aquela rocha! — disse o dr. MacPhail enquanto apanhava uma atadura.

Will conseguiu rir.

— Ainda se lembra do começo de Erewhom? — perguntou. — No dizer da sorte, a Providência estava do meu lado…

Do lado mais afastado da clareira veio o som de vozes. Will virou a cabeça e viu Mary Sarojini surgir do meio das árvores, a saia vermelha balançando enquanto saltava. Atrás dela, nu até a cintura e carregando nos ombros as varas de bambu da maca de lona enrolada, caminhava a imensa figura bronzeada de um homem, e atrás dele vinha um esbelto adolescente de pele escura e de calções brancos.

— Este é meu assistente, Vijaya Bhattacharya — disse o dr. MacPhail enquanto a figura bronzeada se aproximava.

— No hospital?

O dr. MacPhail balançou a cabeça negativamente.

— Com exceção dos casos urgentes eu não exerço mais a medicina. Vijaya e eu trabalhamos juntos no Posto Experimental Agrícola. E Murugan Mailendra — disse, apontando para o rapaz de pele escura — está conosco desde há algum tempo, estudando a ciência do solo e do crescimento das plantas.

Vijaya deu passagem e, pousando sua grande mão no ombro do companheiro, empurrou-o adiante.

Olhando para aquele rosto bonito e mal-humorado, Will ficou surpreso ao reconhecer o jovem de elegância irrepreensível que havia cinco dias encontrara dirigindo, por toda a ilha de Rendang-Lobo, o Mercedes branco do coronel Dipa.

Sorriu para ele e, quando ia dirigir-lhe a palavra, percebeu que o rapaz balançara quase imperceptivelmente, porém de maneira muito significativa, a cabeça. Em seus olhos pôde ler uma expressão de súplica angustiada. Seus lábios se moveram silenciosamente. «Por favor», pareciam estar dizendo. «Por favor…»

Will recompôs a expressão do rosto e disse:

— Como está, Mr. Mailendra? — perguntou num tom formal.

Murugan pareceu francamente aliviado.

— Como está? — respondeu curvando-se ligeiramente.

Will olhou em sua volta para ver se os outros haviam percebido o que acontecera. Mary Sarojini e Vijaya estavam ocupados com a maca e o médico arrumava sua maleta preta. A pequena comédia havia sido representada sem auditório.

O jovem Murugan evidentemente tinha as suas razões para não querer que se soubesse de sua estada em Rendang. Os rapazes são sempre os mesmos. Pode mesmo acontecer que não sejam realmente rapazes.

O coronel Dipa tinha sido mais do que paternal com seu jovem protegido e, em relação àquele Murugan, tinha tido uma atitude mais do que filial — uma atitude, positivamente, de franca adoração. Seria apenas adoração por um herói, simplesmente a admiração de um colegial pelo homem forte que vencera uma revolução e que, após liquidar os opositores, se instalara como um ditador? Será que havia outros sentimentos envolvidos?

Estaria Murugan representando o papel de Antinous para esse Hadrian de bigodes pretos? Ele tinha o direito de se sentir desse modo em relação aos gangsters militares de meia-idade. E se o gangster gostava de rapazes bonitos, também esse direito não lhe podia ser negado. E, talvez, Will continuou a refletir, fora por esse motivo que o coronel Dipa se abstivera de fazer uma apresentação formal.

— Este é Muru — fora tudo o que dissera, quando o rapaz entrara no gabinete presidencial. — Meu jovem amigo Muru. — E, levantando-se, havia posto o braço em volta dos ombros do rapaz, impelindo-o para o sofá, e sentou-se a seu lado.

— Posso dirigir o Mercedes? — perguntou Murugan.

O ditador sorrira com benevolência e concordara com um movimento de sua cabeça preta e lustrosa.

Por esse motivo Will pensava que havia alguma coisa além de uma simples amizade envolvendo aquelas estranhas relações. No volante do carro esporte do coronel, Murugan revelou-se um maníaco. Somente um amante apaixonado teria confiado sua vida, sem mencionar a de seu hóspede, a tal espécie de chofer. Na baixada entre Rendang-Lobo e os campos petrolíferos, o velocí— metro, por duas vezes, tocou os cento e dez quilômetros por hora. Muito pior do que isso foi o que aconteceu na estrada montanhosa que ia dos campos petrolíferos para as minas de cobre. Nesse percurso cheio de precipícios, onde os búfalos-da-índia surgiam das moitas de bambu, a pouca distância do carro, e caminhões de dez toneladas vinham em direção oposta, as curvas eram tão fechadas que faziam os pneus chiarem.

— O senhor não está um pouco nervoso? — Will se aventurara a perguntar. Mas o gangster, além de apaixonado, era devoto.

— Se alguém tem a certeza de estar cumprindo a vontade de Alá, e eu tenho, Mr. Farnaby, não há razão para nervosismos. Nessas circunstâncias isso seria uma verdadeira blasfêmia — disse o coronel Dipa.

Enquanto Murugan se desviava para evitar outro búfalo, o coronel abriu uma cigarreira de ouro e ofereceu a Will um cigarro Balcan Sobranje.

— Está pronta — disse Vijaya.

Will voltou a cabeça e viu a maca estendida a seu lado, no chão.

— Ótimo — disse o dr. MacPhail. — Vamos pô-lo na maca com todo o cuidado. Cuidado!…

Minutos depois, a pequena procissão serpenteava pela estreita vereda entre as árvores. Mary Sarojini ia na dianteira, seu avô na retaguarda, e, entre eles, Murugan e Vijaya, que seguravam as extremidades da maca.

De seu leito móvel, Will Farnaby olhou para o alto através da massa verde-escura e teve a sensação de estar olhando o fundo de um mar ondulante. À distância, próximo à superfície, ouviu o ruído de macacos se agitando entre as folhas. Viu então uma dúzia de calaus saltar sobre uma nuvem de orquídeas e teve a impressão de estar assistindo a um trabalho de ficção, concebido de maneira desordenada.

— Está se sentindo bem? — perguntou-lhe Vijaya, curvando— se solícito para olhá-lo no rosto.

Will sorriu-lhe.

— Principescamente — respondeu.

— Não é longe. Chegaremos dentro em pouco — continuou o outro, procurando animá-lo.

— Para onde vamos?

— Para o Posto Experimental. É semelhante a Rothamsted. Você teve ocasião de ir a Rothamsted quando estava na Inglaterra?

Will ouvira falar, porém nunca estivera lá.

— Está em funcionamento há mais de cem anos — continuou Vijaya.

— Há exatamente cento e dezoito anos — disse o dr. MacPhail. — Lawer e Gilbert começaram a trabalhar com os fertilizantes em 1843. Um de seus alunos esteve por aqui nos princípios de 1850 para ajudar meu avô na fundação do nosso posto. Criar uma Rothamsted nos trópicos — esta foi a idéia original. Nos trópicos e para os trópicos.

A verde obscuridade se tornou menos intensa e pouco depois a maca saiu da floresta para a plena luminosidade do sol tropical. Will levantou a cabeça e olhou à sua volta. Não estavam distantes do andar térreo de um imenso anfiteatro.

A uns cento e cinqüenta metros mais abaixo se via uma extensa planície cortada por campos dispostos como se fossem tabuleiros de xadrez, salpicados por grupos de árvores e aglomerados de casas. Na direção oposta, rampas íngremes se erguiam a centenas de metros, dirigindo-se para um semicírculo de montanhas. Da superfície do solo até os contrafortes dos picos montanhosos, plataformas verdes e douradas se sucediam umas às outras. Os campos de arroz acompanhavam os seus limites, ressaltando as elevações e as depressões das rampas. Tudo parecia ter sido construído visando obter um efeito artístico. A natureza perdera a naturalidade. A paisagem fora composta, reduzida à sua essência geométrica. Num quadro, tal efeito seria um verdadeiro milagre de virtuosismo expresso em termos de linhas sinuosas e de faixas de cores puras e brilhantes.

— Que fazia em Rendang? — perguntou o dr. MacPhail, quebrando um longo silêncio.

— Colhendo material para um artigo sobre o novo regime.

— Não poderia imaginar que o coronel merecesse uma reportagem.

— Está enganado. Ele é um ditador «militar». Isso quer dizer que há morte ao largo. E a morte é sempre notícia. Mesmo o cheiro remoto da morte é notícia — disse Will, rindo. — Por isso é que me foi dito para dar um pulo até aqui, quando regressasse da China.

Houvera também outras razões, as quais preferia não mencionar. Os jornais eram apenas um dos múltiplos interesses de lorde Aldehyde.

A Companhia de Petróleo do Sudeste da Ásia e a Cobre Imperial e Estrangeira Ltda. eram dois outros ramos em que tinha interesses.

Oficialmente Will viera a Rendang para sentir o cheiro do ar militarizado. Na realidade, também fora incumbido de descobrir as reações do ditador: como via o capital estrangeiro? Quais os descontos nos impostos que estava preparado a oferecer? Quais as garantias contra a nacionalização? Qual a parcela dos lucros que podia ser exportada? Quantos técnicos e administradores nativos teriam de ser empregados?

Fizera uma verdadeira bateria de perguntas. Mas o coronel Dipa fora muito amável e cooperador, desde aquele passeio às minas de cobre, com Murugan na direção.

— Tudo muito primitivo, meu caro Farnaby, muito primitivo. Precisamos com urgência de equipamento moderno, como você mesmo pode ver.

Outro encontro fora arranjado — arranjado, Will agora se recordava, para a manhã de hoje.

Imaginou o coronel sentado à sua mesa de trabalho, recebendo um relatório do chefe de polícia:

«Mr. Farnaby foi visto pela última vez velejando sozinho um pequeno barco no estreito de Pala. Duas horas depois, houve uma tempestade de grande violência… Supõe-se que esteja morto».

Ao invés disso, aqui se encontrava ele, são e salvo, na ilha proibida.

— Nunca lhe darão um visto — dissera-lhe Joe Aldehyde, na sua última entrevista. — Porém talvez você possa se disfarçar e desembarcar furtivamente. Use um albornoz ou qualquer coisa parecida, como fez Lawrence da Arábia.

Com seriedade, Will prometera:

— Tentarei.

— De qualquer maneira, se você conseguir desembarcar em Pala, vá diretamente ao palácio. A rani, a rainha-mãe deles, é minha velha amiga. Conheci-a há seis anos, em Lugano. Ela se encontrava lá com o velho banqueiro Voegeli. Sua amiga se interessava pelo espiritualismo e eles resolveram organizar uma sessão espírita em minha honra. O médium trombeteava como se fosse uma voz vinda diretamente do Além. Mas infelizmente só falava alemão. Depois que as luzes foram acesas, tive uma longa conversa com ela.

— Com a trombeta?

— Não, não. Com a rani. Ela é uma mulher extraordinária! Criou a Cruzada do Espírito.

— Isso foi invenção dela?

— Sem a menor dúvida. Pessoalmente eu a prefiro ao Rearmamento Moral. Tem melhor aceitação na Ásia. Naquela noite tivemos uma longa palestra a esse respeito. Depois falamos sobre o petróleo. Há muito petróleo em Pala. A Petróleo do Sudeste da Ásia tem tentado por vários anos penetrar lá. Todas as outras companhias também tentaram, porém sem resultado. A linha política deles não dá concessões a ninguém. Mas a rani não concorda com isso; quer ver o petróleo fazendo algum bem à humanidade. Por exemplo, financiando a Cruzada do Espírito. Como ia dizendo, se conseguir chegar a Pala, vá diretamente ao palácio. Fale com ela. Obtenha a história verdadeira de todos os homens que têm o poder de tomar decisões. Descubra se existe uma minoria pró-petróleo e procure descobrir como podemos ajudá-los a prosseguir na «boa obra».

Concluindo, havia prometido a Will uma generosa bonificação, caso seus esforços fossem coroados de êxito. O bastante para proporcionar-lhe um ano inteiro de liberdade.

— Nada de reportagens. Nada além da grande Arte, Arte, Arte, ARTE. — Ele tinha emitido uma risada escatológica.

Terrível criatura! Apesar disso, continuava a escrever para os vis jornais daquele homem sórdido e estava sempre pronto para, a troco de suborno, fazer o jogo sujo que lhe era ordenado. Agora, inacreditavelmente, aqui estava ele em solo palanês. A Providência tinha estado à seu lado, com o propósito evidente de perpetrar uma dessas sinistras e práticas brincadeiras, que são uma das suas especialidades.

O som agudo da voz de Mary Sarojini o trouxe de volta à realidade.

— Chegamos!

Will levantou novamente a cabeça. A pequena procissão tinha se desviado da estrada e no momento passava através de uma abertura feita numa parede rebocada de branco. À esquerda, numa crescente sucessão de plataformas, erguiam-se fileiras de construções baixas, sombreadas pelas árvores. Mais adiante, via-se uma avenida de altas palmeiras que em suave declive ia terminar num poço de lótus. Na margem mais afastada desse poço, estava sentado um enorme Buda de pedra. Dobrando à esquerda, subiram para a primeira plataforma, aspirando a mistura de perfumes desprendidos pelas árvores em flor.

Atrás de uma cerca, um touro branco como a neve e com o dorso corcovado ruminava em absoluta imobilidade. Na sua beleza serena e irracional se assemelhava a um deus. Um casal de pássaros de Juno, arrastando as suas asas na grama, deu-lhe a impressão de que o amante de Europa havia retrocedido no tempo.

Mary Sarojini levantou a aldrava do portão de um pequeno jardim.

— Meu bangalô — disse o dr. MacPhail. E, virando-se para Murugan: — Deixe-me ajudá-lo a subir a escada.

Загрузка...