11. O Capitão

Era a primeira vez, realmente, que o Capitão Racety descobria-se incapaz de impor sua vontade sobre um passageiro. Fosse esse passageiro um dos próprios Grandes Nobres, ele poderia ainda contar com a cooperação. Um Grande Nobre poderia ser todo-poderoso em seu próprio continente, mas numa nave reconheceria que só poderia haver um mestre, o Capitão.

Uma mulher era diferente. Qualquer mulher. E uma mulher que fosse filha de um Grande Nobre era completamente impossível.

— Madame — disse ele — como posso permitir que os entreviste em particular?

Samia de Fife, seus olhos escuros dardejando, disse: — Por que não? Estão armados, Capitão?

— Claro que não. Este não é o motivo.

— Qualquer um pode ver que são somente um par de criaturas bastante apavoradas. Estão até meio mortos.

— Gente aterrorizada pode ser muito perigosa, Madame. Não se pode confiar que ajam sensivelmente.

— Então por que os mantêm aterrorizados? — Ela gaguejava um pouco quando estava zangada. — Você tem três tremendos marinheiros parados à frente deles com explosores, coitados. Capitão, eu não vou esquecer isto.

Não, não esqueceria, pensou o Capitão. Estava começando a condescender.

— Sua Senhoria tem a bondade de me contar exatamente o que quer?

— É simples. Vou contar-lhe. Quero falar com eles. Se forem florinianos, como você diz que são, posso obter deles informações tremendamente valiosas para meu livro. Não posso fazer isso, contudo, se estiverem muito apavorados para falar. Se eu pudesse estar sozinha com eles seria excelente. Sozinha, Capitão! Pode entender uma simples palavra? Sozinha!

— E o que eu direi a seu pai, Madame, se ele descobrir que eu permiti que permanecesse sem guarda na presença de dois criminosos desesperados?

— Criminosos desesperados! Ai, Grande Espaço! Dois pobres idiotas que tentaram escapar de seu planeta e não tiveram mais bom senso que embarcar numa nave que ia para Sark! Além disso, como meu pai iria saber?

— Se eles a machucarem, ele saberá.

— Por que eles iriam me machucar? — Seu pequeno punho elevou-se e vibrou, enquanto ela punha todo átomo de força que pudesse encontrar em sua voz. — Eu exijo, Capitão!

— Então que tal isso, Madame? Estarei presente. Eu não terei três marinheiros com explosores. Serei um homem sem explosor á vista. De outra forma… — e por sua vez pôs toda sua resolução em sua voz — …eu devo recusar sua exigência.

— Muito bem, então. — Ela estava ofegante. — Muito bem, mas se eu não conseguir que falem por sua causa, pessoalmente verei que não mais comande uma nave.

Valona impetuosamente pôs sua mão sobre os olhos de Rik quando Samia entrou na cela.

— O que há, menina? — perguntou Samia rispidamente, antes que pudesse se lembrar de que deveria falar confortantemente.

Valona falou com dificuldade. — Ele não é muito esperto, Madame — disse. — Não iria saber que era uma Dama. Poderia ter olhado, Madame, quero dizer, fazer isso sem ofendê-la.

— Ai, meu Deus! — disse Samia. — Deixe-o olhar. — Continuou: — Eles têm de ficar aqui, Capitâó?

— Preferiria um camarote, Madame?

— Certamente poderia obter uma cela que não fosse tão sinistra — disse Samia.

— É sinistra para si, Madame. Para eles, estou certo que isto é luxo. Há água corrente aqui. Pergunte-lhes se há em qualquer uma de suas choças em Florina.

— Bem, diga àqueles homens que saiam.

O Capitão gesticulou e eles se viraram, caminhando agilmente.

O Capitão armou a cadeira dobrável de alumínio leve que trouxera consigo. Samia sentou-se.

Ele falou bruscamente para Rik e Valona: — Levantem-se.

Samia interrompeu instantaneamente: — Não! Deixe-os sentar. Não deve interferir, Capitão. — Virou-se para eles: — Então você é uma floriniana, menina.

Valona sacudiu a cabeça. — Somos de Wotex

— Você não precisa ficar apavorada. Não importa que sejam de Florina. Ninguém machucará vocês.

— Somos de Wotex.

— Mas você não vê que praticamente admitiu que vocês são de Florina, menina? Por que cobriu os olhos dele?

— Não é permitido pata ele olhar para uma Dama.

— Mesmo se ele for de Wotex?

Valona não respondeu.

Samia deixou que ela pensasse. Tentou sorrir de uma maneira amigável. Então disse: — Somente a florinianos não é permitido olhar para Damas. Portanto, você vê que admitiu ser uma floriniana.

Valona explodiu: — Ele não é.

— Você é?

— Sim, eu sou. Mas ele não é. Não faça nada para ele. Ele realmente não é floriniano. Ele só foi encontrado um dia. Eu não sei de onde ele veio, mas não foi de Florina. — Repentinamente estava quase loquaz.

Samia olhou com certa surpresa. — Bem, falarei com ele. Qual é seu nome, menino?

Rik olhava fixamente. Era assim que se pareciam as mulheres Nobres? Tão pequenas, e de olhar amigável. E ela cheirava tão bem. Estava muito contente por ela deixar que ele olhasse para ela.

Samia falou novamente: — Qual é seu nome, menino?

Rik voltou à vida mas tropeçou pobremente ao tentar formar um monossílabo

— Rik — disse. Então pensou que aquele não era seu nome. — Eu acho que é Rik — disse.

— Você não sabe?

Valona, olhando acabrunhada, tentou falar, mas Samia fez rispidamente um gesto de restrição.

Rik balançou a cabeça. — Eu não sei.

— Você é floriniano?

Rik aqui foi positivo. — Não. Eu estava numa nave. Vim para cá de algum outro lugar. — Não podia manter seu olhar distante de Samia, mas parecia ver a nave coexistindo com ela. Uma nave pequena e muito amistosa, como um lar.

— Foi em uma nave que eu vim para Florina — disse — e antes disso eu vivia em um planeta.

— Que planeta?

Era como se a idéia estivesse forçando seu caminho dolorosamente através de canais mentais muito pequenos para ela. Então Rik lembrou-se e ficou encantado ao som de sua voz, um som de há muito esquecido.

— Terra! Eu vim da Terra!

— Terra?

Rik balançou a cabeça.

Samia voltou-se para o Capitão. — Onde fica o planeta Terra?

O Capitão Racety sorriu brevemente. — Eu nunca ouvi falar dele. Não leve o menino a sério, Madame. Um nativo mente da mesma forma que respira. Vem naturalmente para ele. Diz o que vier primeiro à sua mente.

— Ele não fala como um nativo. — Virou-se para Rik nova mente. — Onde é a Terra, Rik?

— Eu… — ele pôs uma mão trêmula sobre a testa. Então disse: — Fica no Setor Sirius. — A entonação da afirmativa fez dela uma meia questão.

Samia perguntou ao Capitão: — Existe um Setor Sirius, não existe?

— Sim, existe. Estou pasmado que ele esteja certo. Ainda assim, isto não torna a Terra mais real.

Rik falou veementemente: — Mas é. Eu me lembro, eu lhe digo. Faz muito tempo que eu me lembrei. Não posso estar errado agora. Não posso.

Virou-se, agarrando os cotovelos de Valona e segurando sua luva. — Lona, diga-lhes que eu vim da Terra. Eu vim. Eu vim.

Os olhos de Valona estavam cheios de ansiedade. — Eu encontrei ele um dia, Madame, e ele não tinha juízo de jeito nenhum. Não podia se vestir ou falar ou andar. Ele não era nada. Desde então ele está se lembrando pouco a pouco. Até agora tudo o que ele lembrou foi assim. Ela lançou um olhar rápido, cheio de medo, para a face cavada do Capitão. — Ele pode ter vindo de verdade da Terra, Nobre. Não significa contradição.

Esta última era uma frase estabelecida de há muito que acompanhava qualquer afirmação que parecesse estar em contradição com uma afirmação anterior de um superior.

O Capitão Racety resmungou. — Ele pode ter vindo do centro de Sark mesmo que prove esta história, Madame.

— Talvez, mas há algo esquisito nisso tudo — insistiu Samia, tornando seu rosto insípido, de mulher sábia, um tanto romântica. — Estou certa disso… O que o tornava tão desamparado quando você o encontrou, menina? Ele estava ferido?

Valona não disse coisa alguma de início. Seus olhos corriam desamparados de um lado para outro. Primeiro para Rik, cujos dedos seguravam seus cabelos, então para o Capitão, que estava sorrindo sem vontade, finalmente para Samia, que esperava.

— Responda-me, menina — disse Samia.

Era uma dura decisão para Valona tomar, mas nenhuma mentira concebível poderia substituir a verdade neste momento. — Um médico uma vez examinou ele — disse ela. — Ele disse que m… meu Rik era psico-sondado.

— Psico-sondado! — Samia sentiu um leve fluxo de repulsão bem dentro de si. Ela afastou sua cadeira, que rangiu contra o piso de metal. — Quer dizer que ele era psicótico?

— Eu não sei o que quer dizer, Madame — disse Valona humildemente.

— Não no sentido em que está pensando, Madame — disse o Capitão quase simultaneamente. — Os nativos não são psicóticos. Suas necessidades e desejos são muito simples. Eu nunca ouvi falar de um nativo psicótico em toda a minha vida.

— Mas então…

— É simples, Madame. Se aceitarmos esta fantástica história que a garota conta, podemos somente concluir que o rapaz tenha sido um criminoso, que é uma maneira de ser psicótico, suponho. Se for assim, deve ter sido tratado por um daqueles charlatães que praticam entre os nativos, foi quase morto e então jogado numa seção deserta para evitar detenção e processo.

— Mas teria de ser alguém com uma sonda psíquica — protestou Samia. — Certamente você não crê que os nativos fossem capazes de utilizá-las.

— Talvez não. Mas então não espere que um médico não autorizado utilize uma delas tão inabilmente. O fato de que chegamos a uma contradição prova que a história é uma mentira total. Se aceitar minha sugestão, Madame, deixará estas criaturas em nossas mãos. Verá que é inútil esperar qualquer coisa deles.

Samia hesitou. — Talvez você esteja certo.

Ela se levantou e olhou com incerteza para Rik. O Capitão caminhou atrás dela, levantou a pequena cadeira e dobrou-a com um estalo.

Rik pulou a seus pés. — Espere!

— Se tiver a bondade, Madame — disse o Capitão, segurando a porta aberta para ela. — Meus homens o acalmarão.

Samia deteve-se na soleira. — Não vão machucá-lo?

— Eu duvido que ele vá nos fazer chegar a extremos. Ele será fácil de tratar.

— Madame! Madame! — Rik chamou. — Eu posso prová-lo! Eu sou da Terra!

Samia permaneceu irresoluta por um momento. — Vamos ouvir o que ele tem a dizer.

— Como desejar, Madame — disse friamente o Capitão.

Ela se aproximou, mas não muito. Permaneceu a um passo da porta.

Rik estava ruborizado. Com um esforço de memória, os lábios puxados para trás na caricatura de um sorriso, disse: — Eu me lembro da Terra. Era radiativa. Eu me lembro das Áreas Proibidas e o horizonte azul à noite. O solo incandescente e nada poderia crescer nele. Havia somente alguns pontos em que o homem poderia viver. Isto porque eu era um analista espacial. Isto é porque eu não me importava de permanecer no espaço. Meu mundo era um mundo morto.

Samia meneou os ombros. — Acompanhe-me Capitão. Ele simplesmente está delirando.

Mas desta vez foi o Capitão Racety quem permaneceu ali, boquiaberto. Murmurou: — Um mundo radiativo!

— Você quer dizer que existe tal coisa? — inquiriu Samia.

— Sim. — Virou os olhos assustados para ela. — Agora, onde ele poderia ter aprendido isto?

— Como um mundo poderia ser radiativo e inabitado?

— Mas existe um. E está no Setor Sirius. Não me lembro de seu nome. Poderia mesmo ser Terra.

— É Terra — disse Rik, orgulhosamente e com confiança. — É o planeta mais antigo da Galáxia. É o planeta em que toda a raça humana se originou.

— Isso mesmo! — concordou o Capitão.

Samia perguntou, mente em turbilhão: — Você quer dizer que a raça humana originou-se nessa Terra?

— Não, não — disse o Capitão distraidamente. — Isso é superstição. Isto é justamente como eu vim a saber do planeta radiativo. Pretende-se que seja o planeta natal do Homem.

— Eu não sabia que nós supostamente temos um planeta natal.

— Eu suponho que começamos em algum lugar, Madame, mas duvido que alguém possa saber em que planeta aconteceu.

Com súbita decisão ele caminhou na direção de Rik. — De que mais você se lembra?

Quase adicionou “menino”, mas refreou-se.

— Da nave, principalmente — disse Rik — e da Análise Espacial.

Samia uniu-se ao Capitão. Permaneceram ali, diretamente ante Rik, e Samia sentiu a excitação retomar. — Quer dizer que tudo isto é verdade? Mas então como ele veio a ser psico-sondado?

— Psico-sondado! — disse o Capitão Racety pensativamente.

— Suponha que lhe perguntemos. Ei, você, nativo ou extra-sarkiano ou o que quer que seja. Como veio a ser psico-sondado?

Rik olhou indeciso. — Todos vocês dizem isso. Até mesmo Lona. Mas eu não seio que significa a palavra.

— Quando você parou de se lembrar, então?

— Não estou certo. — Começou novamente, desesperadamente. — Eu estava numa nave.

— Sabemos disso. Continue.

— É inútil ladrar, Capitão — disse Samia. — Poderá afugentar o pouco bom senso que lhe resta.

Rik estava inteiramente absorvido em arrancar a obscuridade de dentro de sua mente. O esforço não deixava qualquer espaço para emoções. Era para seu próprio assombro que dizia: — Eu não a temo, Madame. Estou tentando lembrar. Havia perigo. Estou certo disso. Grande perigo para Florina, mas eu não posso lembrar de detalhes sobre isso.

— Perigo para todo o planeta? — Samia lançou um olhar rápido para o Capitão.

— Sim. Estava nas correntes.

— Que correntes? — perguntou o Capitão.

— As correntes do espaço.

O Capitão abriu os braços e deixou-os cair. — Isto é loucura!

— Não, não. Deixe-o continuar. — A onda de convicção mudara-se para Samia novamente. Seus lábios estavam separados, seus olhos escuros brilhavam e pequenas covinhas entre a bochecha e o queixo formavam seu semblante quando ela sorria. — O que são as correntes do espaço?

— Os diferentes elementos — disse vagamente Rik. Havia explicado isso antes. Não queria passar por tudo novamente.

Continuou rapidamente, quase incoerentemente, falando quando os pensamentos vinham a ele, puxados por ele. — Eu enviei uma mensagem para a agência local de Sark. Lembro-me disso com muita clareza. Eu tinha sido cuidadoso. Era um perigo que ia além de Florina. Sim. Além de Florina. Era tão grande quanto a Via-láctea. Tinha de ser manejado cuidadosamente.

Ele parecia ter perdido todo o contato real com aqueles que o ouviam, como se vivesse em um mundo do passado ante o qual uma cortina estava se rasgando em pontos esparsos. Valona colocou uma mão confortadora sobre seu ombro e disse: — Não continue! — mas ele estava insensível até mesmo para isso.

— De algum modo — continuou ofegante — minha mensagem foi interceptada por algum oficial de Sark. Foi um erro. Eu não sei como aconteceu.

Franziu as sobrancelhas. — Estou certo de que enviei a mensagem para a agência local no comprimento de onda próprio do Departamento. Você acha que um subetérico poderia ser interceptado? — Nem mesmo estranhou como a palavra “subetérico” veio tão facilmente para ele. Poderia ter esperado por uma resposta, mas ainda não enxergava nada. — De qualquer maneira, quando pousei em Sark estavam esperando por mim.

Novamente uma pausa, desta vez longa e reflexiva. O Capitão nada disse para não quebrá-la; ele mesmo parecia estar meditando.

Samia, entretanto, disse: — Quem estava esperando por você? Quem?

— Eu… eu não sei — disse Rik. — Não posso me lembrar. Não era a agência. Era alguém de Sark. Eu me lembro de ter falado com ele. Ele sabia do perigo. Falou dele. Estou certo de que falou dele. Sentamos juntos numa mesa. Lembro-me da mesa. Sentou-se à minha frente. Está claro como o espaço. Falamos por um bom tempo. Parece que eu não estava ansioso para fornecer detalhes. Estou certo disso. Eu teria de falar primeiro para a agência. E então ele…

— Sim? — estimulou Samia.

— Ele fez algo. Ele… Não, nada mais virá. Nada virá!

Gritou essas palavras e então houve silêncio, um silêncio que era anticlimaticamente quebrado pelo prosaico zumbido do comunicador de pulso do Capitão.

— O que é? — perguntou o Capitão.

A voz em resposta era aguda e precisamente respeitosa. — Uma mensagem de Sark para o Capitão. Solicita-se que ele a receba pessoalmente.

— Muito bem. Estarei no subetérico agora mesmo.

Virou-se para Samia. — Madame, devo lembrar-lhe que é hora de jantar.

Ele viu que a Dama estava quase alegando sua falta de apetite, para apressá-lo a deixá-la e não se preocupar com ela. Continuou, mais diplomaticamente: — Também é hora de alimentar estas criaturas. Provavelmente estão cansados e famintos.

Samia nada poderia dizer contra isto. — Devo então vê-los novamente, Capitão.

O Capitão curvou-se silenciosamente. Poderia ter sido aquiescência. Poderia não ter sido.

Samia de Fife estava emocionada. Seus estudos sobre Florina satisfizeram uma certa aspiração do intelecto dentro dela, mas o Caso Misterioso do Terráqueo Psico-sondado (ela pensava no assunto em maiúsculas) apelou para algo muito mais primitivo e muito mais exigente. Despertara a curiosidade puramente animal dentro de si.

Era um mistério!

Havia três pontos que a fascinavam. Entre estes não estava a questão talvez razoável (sob as circunstâncias) de se a história do homem era uma delusão ou uma mentira deliberada, em vez da verdade. Acreditar em qualquer outra coisa que não a verdade estragaria o mistério e Samia não poderia permitir isso.

Os três pontos eram portanto estes: (1) Qual era o risco que ameaçava Florina, ou, mais precisamente, toda a Galáxia? (2) Quem era a pessoa que havia psico-sondado o terráqueo? (3) Por que esta pessoa usou a psico-sonda?

Estava determinada a investigar o assunto para sua própria satisfação pessoal. Ninguém era tão modesto que não se acreditasse um competente detetive amador, e Samia estava muito longe de ser modesta.

Depois do jantar, tão logo quanto polidamente pôde, apressou-se na direção da cela.

— Abra a porta! — disse ao guarda.

O marinheiro permaneceu perfeitamente ereto, olhando estúpida e respeitosamente para a frente, Disse: — Se Sua Senhoria me perdoar, a porta não será aberta.

Samia suspirou. — Como ousa dizer isso? Se você não abrir a porta instantaneamente, o Capitão será informado.

— Se Sua Senhoria tiver a bondade, a porta não será aberta. Isto por ordem estrita do Capitão,

Uma vez mais ela armou a maior tempestade, explodindo no camarote do Capitão como um furacão comprimido em um metro e meio.

— Capitão!

— Madame?

— Ordenou que o terráqueo e a mulher nativa fossem mantidos afastados de mim?

— Creio, Madame, que havia um acordo de que somente se entrevistasse com eles na minha presença.

— Antes do jantar, sim. Mas você não viu que eram inofensivos?

— Eu vi que eles pareciam inofensivos,

Samia fervia de raiva. — Neste caso eu lhe ordeno que venha comigo agora.

— Não posso, Madame. A situação mudou.

— De que maneira?

— Eles devem ser interrogados pelas autoridades competentes em Sark e até então eu acho que devem ser deixados sozinhos,

O maxilar inferior de Samia caiu, mas ela o livrou de sua indigna posição quase imediatamente. — Certamente você não vai entregá-los ao Departamento de Assuntos Florinianos.

— Bem — contemporizou o Capitão — certamente esta era a intenção original. Deixaram sua vila sem permissão. De fato, deixaram seu planeta sem permissão. Além disso, embarcaram como clandestinos em uma nave sarkiana.

— Este foi um erro.

— Foi?

— Em todo caso, você conhecia todos os seus crimes antes de nossa última entrevista.

— Mas foi somente na entrevista que ouvi o que o assim-chamado terráqueo tinha a dizer.

— O assim-chamado. Você mesmo disse que o planeta Terra existia.

— Eu disse que poderia existir. Mas, Madame, posso ser arrojado o bastante para perguntar o que gostaria que fosse feito com estas pessoas?

— Eu acho que a história do terráqueo deve ser investigada. Ele fala de um risco para Florina e de alguém em Sark que deliberadamente tentou esconder tal fato das autoridades adequadas. Acho que é mesmo um caso para meu pai. De fato eu o levaria a meu pai, quando a hora certa chegasse.

O Capitão disse: — A inteligência disso tudo!

— Está sendo sarcástico, Capitão?

O Capitão enrubesceu. — O seu perdão, Madame. Estava me referindo aos prisioneiros. Pode me deixar falar por algum tempo?

— Não sei o que você quer dizer com “algum tempo” — retorquiu ela colericamente — mas eu acho que você pode começar.

— Obrigado. Em primeiro lugar, Madame, espero que não minimize a importância dos distúrbios em Florina.

— Que distúrbios?

— Não pode ter esquecido o incidente na biblioteca.

— Um patrulheiro assassinado! Realmente, Capitão!

— E um segundo patrulheiro assassinado esta manhã, Madame, e também um nativo. Não é muito normal para os nativos assassinar patrulheiros e aqui temos um que o fez duas vezes, e ainda permanece solto. Está sozinho nisso? um acidente? Ou isto tudo é parte de um esquema cuidadosamente planejado?

— Aparentemente você acredita nessa última possibilidade.

— Sim, acredito, O nativo assassinado tinha dois cúmplices. Sua descrição é particularmente como a dos dois clandestinos.

— Você nunca disse isso!

— Não desejava alarmar Sua Senhoria. Lembre-se, entretanto, que eu repetidamente lhe disse que poderiam ser perigosos.

— Muito bem, O que resulta de tudo isso?

— Que tal se os assassinatos de Florista fossem simplesmente uma fachada para distrair a atenção dos esquadrões de patrulheiros enquanto estes dois embarcavam sorrateiramente em nossa nave?

— Isto parece tolice.

— Parece? Por que estão fugindo de Florina? Ainda não lhes perguntamos. Vamos supor que estejam fugindo dos patrulheiros, já que é a suposição mais adequada. Estariam fugindo para Sark, podendo escolher qualquer outro lugar? E numa nave que transporta Sua Senhoria? E então ele alega ser um analista espacial.

Samia franziu as sobrancelhas: — E o que tem isso?

— Um ano atrás, um analista espacial foi dado como desaparecido. A história não teve muita repercussão. Eu sabia, claro, porque minha nave era uma das que vasculhavam o espaço próximo atrás de sinais de sua nave. Quem quer que esteja dando apoio a estes desordeiros florinianos indubitavelmente domina o fato, e exatamente o conhecimento da questão do desaparecimento do analista espacial por parte deles mostra a organização ajustada e inesperadamente eficiente que eles têm.

— Pode ser que o terráqueo e o analista espacial não tenham nenhuma ligação.

— Nenhuma ligação real, Madame, sem dúvida. Mas não esperar qualquer ligação é esperar muita coincidência. Estamos lidando com um impostor. Por isso é que ele afirma ter sido psico-sondado.

— É?

— Como podemos provar que ele não é um analista espacial? Não conhece detalhes do planeta Terra além do fato banal de que é radiativo. Não pode pilotar uma nave. Não sabe coisa alguma a respeito de análise espacial. Protege-se insistindo que foi psico-sondado. Percebe, Madame?

Samia não podia fazer uma pergunta direta. — Mas com que propósito? — interpelou.

— Dessa forma poderia fazer exatamente o que disse que tencionava fazer, Madame.

— Investigar o mistério?

— Não, Madame. Levar o homem a seu pai.

— Não entendo a idéia ainda.

— Existem algumas probabilidades. Na melhor das hipóteses, poderia ser um espião contra seu pai, ou de Florina, ou possivelmente de Trantor. Eu imagino que o velho Abel de Trantor certamente iria apresentar-se para identificá-lo como um terráqueo, se por nenhuma outra razão além de embaraçar Sark ao exigir a verdade relativa a esta fictícia psico-sondagem Na pior das hipóteses, ele seria o assassino de seu pai.

— Capitão!

— Madame?

— Isto é ridículo!

— Talvez, Madame. Mas se for assim, o Departamento de Segurança também é ridículo. Deve se recordar que pouco antes do jantar eu fui chamado para receber uma mensagem de Sark.

— Sim.

— Ei-la.

Samia recebeu a fina lâmina translucente com uma inscrição ver melha. Dizia: “Dois florinianos foram denunciados como estando em trânsito secreto e ilegal em sua nave. Prenda-os imediatamente. Um deles pode alegar ser um analista espacial e não um nativo floriniano. Não deve tomar qualquer iniciativa a este respeito. Será considerado estritamente responsável pela segurança dessas pessoas. Devem ser detidas e entregues ao Depseg. Máximo sigilo. Máxima urgência”.

Samia sentiu-se atordoada. — Depseg — disse. — O Departamento de Segurança.

— Máximo sigilo — disse o Capitão. — Fiz uma exceção ao contar-lhe sobre isto, mas não me deixou escolha, Madame.

— O que farão com ele? — perguntou.

— Não posso dizer com certeza — disse o Capitão. — Certamente um espião e assassino suspeito não pode esperar um tratamento gentil. Provavelmente sua pretensão irá tomar-se parcialmente uma realidade e ele saberá como é realmente uma psico-sondagem.

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