V — O REGRESSO

Na manhã do dia seguinte, depois de uma curta e tranquila noite vermelha, decidimos atravessar o rio. Construímos uma grande balsa, o que levou seis dias inteiros, durante os quais vimos numerosos animais, porém nenhuma fera. Provamos pela primeira vez a carne teluriana. Um pequeno animal, uma espécie de miniatura dos «elefantes»

da primeira noite, nos forneceu a carne para o assado. Comemos muito pouco, apreensivos, temendo que talvez a carne fosse tóxica ou inassimilável para nós.

Seu gosto lembrava o da vitela, um pouco mais dura. Vzlik, já quase restabelecido, comeu gulosamente. Não houve transtornos digestivos e, até o regresso à zona das hidras, variamos um pouco nossa minuta, sempre em pequenas quantidades. Porém não nos atrevemos a provar os frutos das árvores que derrubamos para a fabricação da balsa, com os quais o Sswis se deleitava. Seu vocabulário começava a permitirlhe expressar ideias simples.

A travessia foi feita sem dificuldade. Recuperamos as cordas e os cravos que havíamos empregado na balsa, e depois descemos, durante dois dias, ao longo do rio, o qual rapidamente aumentava, formando locais estagnados, quase lacustres, enquanto corria entre as colinas. Observei que permanecia sempre manso e profundo.

Suas margens formigavam de vida. Divisamos sucessivos bandos de «elefantes», de Golias isolados ou em pares, e de outras numerosas formas, gigantes ou minúsculas.

Por duas vezes vimos ao longe os «Tigressauros». Este nome, inventado por Beltaire para a fera que nos havia atacado, foi adotado apesar dos protestos de Vandal, que, muito atinadamente, fez-nos observar que ele não tinha nada do tigre nem do sáurio Porém, como observou Michel, o essencial era se fazer entender, e no fundo pouco importava que o nome vulgar do animal fosse Tigressauros, Leviatã, ou Tartempão…

As águas alojavam numerosas formas aquáticas, das quais nenhuma se aproximou o bastante da margem pra que pudéssemos vê-la com clareza.

Quando se aproximava a noite do segundo dia, choveu. Rodávamos pela planície, com fileiras de árvores ao longo dos rios e riachos. A temperatura, que durante o meio-dia se aproximava do 35º à sombra, refrescava à noite, descendo a 10 graus.

Na madrugada do terceiro dia, depois de uma noite agitada por causa dos rugidos dos Golias, divisamos uma coluna de fumo, distante, ao Sul, noutro lado do Dordogne.

Acampamento Sswis ou fogo na grama? O terreno tornou-se acidentado, umas colinas baixas nos obrigavam a fazer rodeios. Quando passamos a última delas, sentimos o ar penetrado de um perfume acre e violento. Como o do Atlântico.

— O mar está próximo. — disse Beltaire.

Logo o assinalou do alto da torre. Instantes depois todos o vimos, verde e agitado.

O vento soprava do Oeste, as ondas formavam cristas de espuma. A costa era rochosa, porém, a alguns quilômetros ao Sul, o Dordogne terminava em um estuário arenoso.

Detivemo-nos em uma praia pedregosa, a poucos metros das ondas. Vandal saltou em terra e começou a explorar este paraíso dos biólogos que era uma costa marinha.

Nos manguezais havia uma fauna inédita, algumas formas que se pareciam com as terrestres, outras totalmente diferentes. Descobrimos conchas vazias, que pareciam enormes pectens, ou, como diziamos na Terra, conchas de Santiago. Algumas mediam mais de três metros. Outras, bem menores, ainda estavam penduradas nas rochas.

Michel arrancou uma com dificuldade e a levou para Vandal. O animal era mais próximo dos branquiópodos terrestres que dos moluscos lamelibrânquios. Longe, no mar, apareceu um dorso negro entre as ondas, depois mergulhou — Estou com vontade de tomar banho — disse Martina.

— Não. — decidi — Quem sabe que monstros habitam essas águas. É muito arriscado.

Entretanto, detrás de um promontório, Schoeffer descobriu um grande lago de mais de cem pés de comprimento e uns seis de profundidade. Uma água transparente mostrava um fundo de cantos arredondados. Ali viviam unicamente algumas pequenas algas e conchas. Desfrutamos como crianças.

Enquanto Vandal montava guarda com a metralhadora, eu organizei uma competição.

Michel, nadador incomparável, ganhou facilmente, seguido de Martina, Schoeffer e Breffort. Eu fui o penúltimo, ganhando de Beltaire por uma cabeça. Descobri depois uma pedra esférica, de uns cinco quilos, com o qual venci facilmente no levantamento de peso. Vzlik tinha ficado nos observando. Lançou-se por sua vez na água. Ele utilizava apenas seus membros, nadando com ondulações do sol corpo totalmente estendido. Na minha opinião, ele poderia dar uns bons dez metros de vantagem a Michel na travessia do lago.

Dispensei Vandal, que partiu imediatamente para fazer uma ampla provisão de formas animais e vegetais. Depois seguimos nossa rota para o Norte. Seguimos a costa a uns cem metros no interior. O terreno oferecia bastantes dificuldades. Uma série de velhos anticlinais erodidos terminavam em ponta de lança no mar.

Três horas e media depois da nossa partida, voltamos a encontrar os pântanos e as hidras. Eram escuras, pequenas, não ultrapassando os cinquenta centímetros. Não nos atacaram. Continuamos no pântano para o Leste. Ao declinar o dia, alcançamos o final e tomamos novamente o rumo Oeste. A costa agora era arenosa e baixa. Contrariamente ao nosso costume, rodamos à luz das luas sobre um terreno ideal, a cinquenta por hora. Pouco antes da alvorada vermelha, a costa tornou-se caótica novamente e outra vez tivemos que andar pelo interior. Foi assim que descobrimos o lago.

Abordamos pela margem baixa no Sudoeste. No Leste era protegido por uma cadeia de colinas. Uma abundante vegetação o envolvia em um círculo sombrio. Por sua superfície, sob a luz do luar, corriam pequenas ondas fosforescentes. O espetáculo era suave a aprazível, quase irreal. Temendo que houvesse hidras entre suas margens, — só soubemos mais tarde que estes animais necessitam de charcos pantanosos para seu desenvolvimento — não nos aproximamos. Durante cerca de um quilômetro deslizamos sobre um deserto.

Cedi a guarda a Michel e fui dormir. Estava fatigado e lembrei que não havia repousado mais que uns segundos. Não obstante, quando abri os olhos, a alvorada azul penetrava pela janela.

Michel estava inclinado para mim, com um dedos nos lábios. Despertou também sua irmã sem fazer o menor ruido.

Ao sair, escapou-nos um grito de admiração. O lago era de um azul profundo, um azul glacial, enquadrado em uma moldura de ouro e púrpura. As rochas do rio eram de um vermelho magnífico e a vegetação, as árvores e as ervas, de uma cor que oscilava entre o metálico brilhante e o ouro velho. Aqui e ali apontavam folhas pontiagudas Ao Leste, as colinas apareciam ainda tocadas por Helios.

— É formoso — disse.

— É um lago magnífico. — disse Martina — Jamais vi nada semelhante.

— «Lago Magnífico». Seria um bonito nome. — disse Michel.

— Assim será — decidi. — Despertemos os demais.

Seguimos o lago o dia todo. A superfície ondulava docemente sob a brisa marinha.

A pouca distância da sua extremidade norte, porém separado dele por uma poderosa barreira rochosa, encontramos outro pântano que se comunicava com o mar. Enquanto dávamos a volta, decidi entrar em contato com o Conselho. Ao mesmo tempo, Breffort assinalou a presença das hidras. Eram da espécie pequena e reduzida, e muito numerosas. Imediatamente, um verdadeiro enxame rodeou o caminhão, sem tentar atacar, contentando-se em seguir-nos. Depois de havê-las observado um momento, tentei me comunicar com o Conselho pelo rádio. Foi impossível, e não porque o aparelho estivesse mudo. Jamais em toda minha vida havia escutado tal quantidade de assobios e sons. Não sabendo a que atribuir semelhante resultado, renunciei momentaneamente aos meus projetos. Bruscamente, e aparentemente sem razão alguma, o enxame de hidras escuras parou de nos acompanhar.

Rodávamos noite e dia. Na alvorada azul seguinte não estávamos a mais de cinquenta quilômetros da ilhota terrestre. Não tínhamos a intenção de chegar antes da noite, pois eu desejava examinar os arredores imediatos.

De repente, o Conselho nos chamou pelo rádio e nos comunicou umas notícias que mudaram completamente meus projetos.

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